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Inflação caindo, revalorização da moeda, bolsa de valores em alta e o primeiro superávit fiscal trimestral em décadas marcam o novo cenário argentino sob a liderança de Javier Milei.
O liberal-libertário tem feito grandes avanços na correção do desequilíbrio macroeconômico da Argentina – apesar de herdar um país onde o dólar blue (moeda não oficial vendido nas casas de câmbio) aumentou mais de 1.300% nos últimos quatro anos, a inflação alcançou 25,5% no último mês do governo anterior e o déficit fiscal foi de -2,9% do PIB em 2023.
Para conter os estragos deixados pela gestão do antecessor, Milei iniciou seu mandato “passando a motosserra”, como gosta de dizer, na estrutura estatal.
Dispensou milhares de funcionários públicos que considerava desnecessários para o bom funcionamento do Estado e extinguiu ministérios, secretarias e agências criadas durante o governo kirchnerista.
Outro ponto crucial de seu êxito nestes primeiros quatro meses de governo foi a assinatura do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que inclui mais de 300 medidas para desregulamentar a economia.
O presidente também apresentou a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos (conhecida como “Lei Ônibus”) – que busca diminuir o peso do Estado e fomentar a iniciativa privada.
Os especialistas no mercado financeiro acreditam que a Argentina vive um período de grande otimismo. No primeiro dia de negociações da Bolsa de Valores após a vitória de Milei, o índice Merval (principal referência para as ações de empresas do país) abriu com alta histórica de 21,23%.
No primeiro trimestre de 2024, o Merval registrou alta de 84,41% em relação ao ano anterior. Segundo Igor Lucena, economista, doutor em Relações Internacionais e CEO da consultoria Amero, os dados positivos estão diretamente relacionados com a confiança que está sendo reconstruída gradualmente pelo atual governo a partir de seus bons resultados.
“Estamos vendo, pela primeira vez nos últimos 50 anos, a Argentina criar superávits sociais, cortar diversos subsídios e derrubar a inflação mês a mês. Em dezembro, foi de 25%. No mês passado, 11%, diz Lucena.
Segundo ele, isso mostra que a política radical, mais ortodoxa, de Javier Milei vem funcionando.
“As pessoas estão apostando que nos próximos 18, 20, ou até 24 meses, verão o país com a inflação controlada. Se isso acontecer, você vai ter ganhos reais de rendimentos das empresas e uma economia mais normal”, afirma.
O Brasil não teve o mesmo desempenho do vizinho. Apesar de o último fechamento ter permitido um pequeno alívio ao mercado, com uma variação positiva de 1,51%, na metade do mês a bolsa brasileira teve uma sequência de seis pregões negativos (sendo o último de -0,18%) – algo que não era registrado desde o incrível recorde de 13 sessões seguidas em baixa, ocorrido entre 1º e 17 de agosto de 2023.
Diferentemente da bolsa argentina, o Ibovespa (principal índice brasileiro) fechou o primeiro trimestre do ano com queda de 4,53%, o pior desempenho no 1º trimestre de 2024 entre os principais mercados globais.
Lucena destaca a questão fiscal como ponto chave para analisar a queda da bolsa brasileira. De acordo com ele, a redução significativa do investimento estrangeiro direto no Brasil nos últimos meses contribuiu para o aumento do risco fiscal.
O economista destaca o fato de que o país aprovou o arcabouço fiscal, porém não cumpriu a meta para 2024 e a adiou para 2025. “Isso se traduz numa tendência explosiva de gastos públicos.”
Ele ainda prevê que, se mantiver esse ritmo, a dívida pública brasileira pode atingir 90% do PIB nos próximos seis ou sete anos, e possivelmente chegar a 100% em uma década.
Milei anunciou o primeiro superávit fiscal trimestral do país desde 2008
Em uma mensagem divulgada à população no último dia 22, Javier Milei – acompanhado do ministro da Economia, Luis Caputo, e do presidente do Banco Central, Santiago Bausilli, entre outros membros de sua equipe econômica – anunciou um superávit fiscal no primeiro trimestre de seu governo.
“Durante o mês de março, o setor público nacional registrou um superávit financeiro de mais de 275 bilhões de pesos (US$ 308 milhões de dólares). Isso significa que o país conseguiu, depois de quase 20 anos, um superávit financeiro de 0,2% do PIB durante o primeiro trimestre do ano”, disse o presidente.
Segundo Milei, “Este é um marco que deve deixar todos nós orgulhosos como país, em particular, dada a herança que herdamos. (...) O excedente fiscal, que parece simplesmente uma definição técnica, que aparentemente não faz diferença na vida dos argentinos, não é, nem mais e nem menos, do que o único ponto de partida para terminar de uma vez com o inferno inflacionário que vive a Argentina”.
Em janeiro, as contas públicas argentinas registraram, pela primeira vez em quase 12 anos, um saldo positivo de cerca de US$ 589 milhões. No mês seguinte, o superávit foi de US$ 1,45 bilhão.
As cifras também contemplam o pagamento de juros da dívida pública. Com o resultado de março, esta é a primeira vez desde 2008 que o país registra três meses consecutivos de superávit financeiro.
Enquanto isso, no Brasil, o setor público consolidado (formado por União, estados, municípios e estatais) registrou déficit primário de R$ 48,7 bilhões em fevereiro, o maior saldo negativo para o mês da série histórica, iniciada em 2002.
O governo central teve um rombo de R$ 57,8 bilhões nas contas do mês. Já os estados e municípios tiveram superávit de R$ 8,6 bilhões.
Segundo projeções do FMI, o Brasil deve registrar déficit primário maior que o esperado neste ano e aumento da dívida pública bruta na comparação com o ano passado (86,7% do PIB em 2024, contra 84,7% em 2023). O dado é referente ao setor público não financeiro.
O déficit primário, por sua vez, deve chegar a 0,6% do PIB este ano.
Moeda argentina foi a que mais se valorizou no mundo em 2024
Um relatório recente da Bloomberg indicou que o peso argentino foi a moeda que mais se valorizou no mundo neste ano (25% em relação ao dólar norte-americano nos últimos três meses).
Este dado a coloca como a mais sólida no período, seguida pela lira turca (+7,75%) e o peso mexicano (+3,1%).
No final do ano passado, o peso argentino era considerado a segunda moeda mais desvalorizada, com uma queda de 77,89% em relação ao dólar.
Nos últimos quatro anos de governo kirchnerista, o dólar blue passou de $ 69,50 (pesos argentinos) para $ 990, o que implica um aumento de 1.324%.
Já nos primeiros meses com Javier Milei, o dólar chegou a beirar os $ 1.250, mas logo baixou para $ 1.000, onde se manteve estável com leves variações.
A eleição de Milei trouxe tanta confiança à população que os argentinos decidiram tirar os dólares debaixo dos colchões. E depositaram mais de US$ 2,3 bilhões em contas bancárias locais, elevando o total para cerca de US$ 16,4 bilhões.
Isso representa um salto de 17% em pouco menos de três meses, além de uma recuperação completa das perdas do ano passado, segundo dados do Banco Central. Se essa tendência continuar, haverá reservas cambiais necessárias para estabilizar o peso.
O fantasma do dólar agora assombra o Brasil, que em 2024 já registrou alta de 8,7%, diante dos R$ 4,85 no final de 2023.
Na metade de abril, a moeda norte-americana fechou acima de R$ 5,26, o maior patamar em mais de um ano – e as expectativas para o futuro do cenário nacional não são as mais otimistas.
Inflação ainda é uma das maiores do planeta, mas está caindo
A Argentina continua em primeiro lugar no ranking do G20 sobre a inflação acumulada de janeiro a março de 2024, com uma taxa de 51,6%. É seguida pela Turquia (15,1%), Rússia (2%), África do Sul (1,7%) e Brasil (1,4%).
O dado é assustador, mas o governo de Javier Milei já conseguiu uma redução de 14,5% apenas nos primeiros três meses do ano.
Em dezembro de 2023, Alberto Fernández deixou a presidência com uma inflação mensal de 25,5% e anual de 211,4% (o valor mais elevado desde 1991, que foi de 2.314%).
No entanto, com o seu novo programa de reestruturação estatal e desregulamentação da economia, Milei conseguiu reduzir o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para 20,6% em janeiro, 13,2% em fevereiro e 11,0% em março.
A expectativa, agora, é de uma redução ainda maior até junho. Como prometeu, há algumas semanas, o ministro da Economia, Luis Caputo: “No primeiro semestre do ano, a inflação será de um dígito”.