Alexandre de Moraes listou entre supostos crimes de suspeitos “ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia”.| Foto: EFE/André Borges
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ordenou nesta terça (19) a prisão preventiva de um policial federal e quatro militares, entre eles um general da reserva, por um suposto plano de golpe de Estado com assassinato contra o próprio ministro e os atuais presidente e vice-presidente da República, quando os últimos eram candidatos nas eleições de 2022.

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Além dessas acusações, resultado de uma investigação da Polícia Federal, os investigados seriam parte, segundo o ministro, de uma organização criminosa com “cinco eixos de atuação”.

Entre os eixos citados por Moraes estão “ataques” a “opositores” de forma virtual, “às instituições” (Supremo Tribunal Federal [STF] e Tribunal Superior Eleitoral [TSE]), “ao sistema eletrônico de votação”, e “às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias da pandemia”.

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A lista de atuação do grupo mistura os supostos “ataques”, que no contexto aparentam ser expressões de opinião, com crimes tipificados como “tentativa de Golpe de Estado e Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.

Para André Marsiglia, jurista especializado em liberdade de expressão, “são trechos que criminalizam a opinião”.

“O STF quer criminalizar o pensamento e, para isso, passa por cima inclusive da presunção de inocência com a decisão precipitada de hoje”, afirmou o especialista, em entrevista à Gazeta do Povo.

Marsiglia vê outros vícios na decisão: “há ainda clara confusão entre crime e cogitação ou planejamento de crime. Escrever minuta de crime, trocar mensagens sobre crime, não é crime. Precisa haver início da execução.”

Opiniões criminalizadas por Moraes são legítimas no debate científico

A pandemia da virose Covid-19, com início no final de 2019, dividiu opiniões não apenas no público, mas entre os próprios especialistas. Para o jornalista científico Patrick Tierney, houve um abandono repentino de diretrizes antigas e uma adoção de última hora de medidas de eficácia questionável, como os lockdowns e as máscaras obrigatórias.

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Grandes lacunas de conhecimento por trás de algumas dessas medidas foram reveladas na medicina, como uma noção equivocada de que gotículas de certo tamanho pré-estabelecido contendo o vírus cairiam ao chão e não poderiam se comportar como aerossol — esse equívoco, que ficou nos manuais por 60 anos, motivou a ideia errada de que o vírus SARS-CoV-2 não poderia se transmitir pelo ar e que, por isso, poderia ser contido por máscaras de tecido.

Uma vez que ficou claro que havia transmissão pelo ar, contudo, o novo conhecimento foi usado para decisões sem justificação científica, como proibições de circulação em espaços abertos como praias, como aconteceu em Niterói. Uma grande revisão de estudos feita por um think tank britânico concluiu que a aposta nos lockdowns foi um “fracasso de proporções gigantescas”.

Para toda certeza que se busque a respeito das medidas da pandemia, a literatura científica oficial revela vozes dissonantes. Entre cientistas, em publicações acadêmicas, há quem tenha proposto que a terceira dose e doses adicionais das vacinas de mRNA (da Pfizer e Moderna), em vez de ajudar, poderiam estar tornando o organismo mais vulnerável ao vírus.

Enquanto há dados claros de que os grupos vulneráveis tiveram vidas salvas pelas vacinas contra Covid-19, também há dados claros mostrando que houve uma minoria de vítimas dos efeitos colaterais das vacinas. E algumas dessas vítimas foram evitáveis: o jovem brasileiro Bruno Graf, por exemplo, que morreu por causa de um processo de coagulação sanguínea engatilhado pela vacina da AstraZeneca/Oxford (produzida pela Fundação Oswaldo Cruz no Brasil), perdeu sua vida em um período quando a recomendação desta vacina para sua faixa etária já havia sido removida no Reino Unido, país onde ela foi desenvolvida. O Brasil demorou 600 dias para seguir o Reino Unido na restrição de recomendação.

No Brasil, o presidente do Conselho Federal de Medicina chegou a chamar de “sinalização de virtude” uma decisão tardia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária de voltar a exigir máscaras nos aeroportos, no início de 2023. Naquela época, já estava claro que a base evidencial para máscaras obrigatórias como política pública era muito pobre.

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Dessa forma, quando o ministro Alexandre de Moraes lista entre crimes fazer “ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia”, o alvo é posto, inadvertidamente, em muitos cientistas e até em autoridades sanitárias brasileiras que foram vozes críticas do que governos fizeram durante a pandemia.