Ouça este conteúdo
Fiquei impressionada com o artigo de Elizabeth Regnerus sobre por que o número crescente de pessoas morrendo sozinhas é uma das maiores tragédias de nossa cultura. Como advogada, acadêmica e educadora, venho lutando com a confusão moderna em torno de nossa mortalidade há quase uma década. Tenho falado e escrito sobre suicídio assistido e recentemente liderado um grupo de leitura sobre The Lost Art of Dying: Reviving Forgotten Wisdom [A Arte Perdida de Morrer, sem edição no Brasil] de L. S. Dugdale. Agora, no entanto, estou preocupada com a vida: nos últimos anos, comecei a pensar que a única maneira de evitar morrer sozinho é não viver sozinho, ou seja, viver apenas para si mesmo.
Mortes solitárias são apenas em parte fruto de um desrespeito pelo nosso último dia: o caminho para uma morte solitária é forjado na vida. Comunidades de fé mais fortes e mais atenção ao propósito final de nossa vida podem nos preparar para nossos últimos dias. Mas, ao mesmo tempo, muitas vezes penso que "o relógio não será retrocedido", que as pessoas não se aproximarão da morte como antigamente — cercadas por parentes e amigos —, a menos que a vida também seja abordada como era antes: como uma experiência relacional, comunitária, sacrificial e geradora.
Mortes solitárias são o produto inevitável de nossas vidas independentes, o resultado necessário de décadas passadas “focando em nós mesmos”, como nossa cultura manda. Elas são a consequência natural de horas dedicadas a correr na esteira, em vez de correr atrás de crianças; de centenas de horas estudando em privado, sem interrupções por conversas com amigos e colegas que poderiam nos ter desacelerado; de horários de sono agitados que nos impedem de participar dos planos e festas dos nossos amigos; de escolher refeições solitárias em vez de compartilhadas. Esse foco em si mesmo é típico da cultura atual em todos os aspectos. E não é de forma alguma exclusivo para pessoas solteiras.
O casamento e a vida familiar não são, por si só, um remédio para nosso ethos cultural egocêntrico. Todos conhecemos famílias que deixam pais idosos sozinhos ou até mesmo aquiescem ao desejo de membros da família de desistir da vida. Dito de outra forma, há pouco que uma instituição, mesmo uma tão nobre e necessária quanto a família, possa fazer por si só. O casamento e a criação de filhos são caminhos para o autossacrifício e a comunidade, mas não são os únicos, nem são suficientes.
Recentemente tive uma conversa com uma psiquiatra aqui em Austin, e ela e eu concordamos que, pelo menos em parte, após uma vida focada em carreiras e em como investir “nosso” tempo, e nunca tendo cuidado de irmãos mais novos ou parentes mais velhos, ao se tornarem pais, os adultos carecem das virtudes e habilidades que o cuidado exige.
A vida familiar deve ser abordada com um coração que se entrega, em vez de um coração que exige, mas não há onde os jovens possam aprender essa atitude, que não é apenas um instinto natural. Hoje, esse amor e cuidado de entrega estão em escassez crítica — desde a concepção até a morte natural.
Acredito que o remédio seja recuperar nossa capacidade de ver o outro e amá-lo em todos os diferentes estágios da vida (e permitir que nós mesmos sejamos objetos de tal amor). Somos feitos para a comunhão, para os relacionamentos. Até o primeiro homem, Adão, se sentiu solitário antes de encontrar Eva, que era osso de seus ossos e carne de sua carne. Ele tinha tudo o que um homem poderia querer, mas se sentia solitário mesmo assim.
O mesmo é verdade para nós: somos incompletos sem o outro. Foi com Eva que Adão encontrou alegria e cumpriu sua semelhança com Deus. Ele se tornou capaz não apenas de gerar nova vida, como os animais fazem, mas de incorporar almas humanas. Como um de meus jovens alunos me lembrou, é revelador que o sacrifício seja um requisito absoluto para o cumprimento de Adão: sua costela precisou ser retirada dele (literalmente) para que Eva existisse.
Contrariamente ao que geralmente nos ensinam na escola e na mídia popular, precisamos redescobrir que uma vida feliz requer não apenas a companhia de outra pessoa, mas o sacrifício por ela. Ao mesmo tempo, precisamos ver o outro como um fim, não apenas como um meio para nossa felicidade pessoal.
Ajuda reservar um tempo para lembrar quantas vezes os presentes gratuitos dos outros enriqueceram nossas vidas. Estamos vivos e bem porque uma mãe e um pai primeiro nos deram a vida e depois nos priorizaram, nos alimentaram e nos educaram. Em seguida, encontramos pessoas que nos direcionaram para as escolas, carreiras, amigos, hobbies e cônjuges certos. Nossas conquistas, então, têm valor em relação aos outros, não no vácuo. Queremos ser vistos, e é em grande parte isso que torna nossa promoção ou nosso carro novo emocionante: alguém notará.
Como Elizabeth Regnerus nos lembra, a morte e a doença nos causam tristeza, e a tristeza é mais gerenciável quando é compartilhada. Como seres relacionais, o mesmo é verdade para a alegria.
Uma vida feliz requer não apenas a companhia de outra pessoa, mas o sacrifício por ela
Em The Shattering of Loneliness: On Christian Remembrance [A Fragmentação da Solidão: Sobre a Lembrança Cristã, sem edição no Brasil], Erik Varden oferece um convite poderoso que, quando aceito, pode curar nossa epidemia de viver e morrer sozinhos. Ao lembrar um pouco mais frequentemente da nossa finitude, não veremos apenas nossos pais, parentes e amigos doentes. Reconheceremos também o quanto, em cada estágio da vida, somos eles: em extrema necessidade de atenção, cuidado e amor.
As mortes solitárias de hoje não são tanto o resultado de nossa incapacidade de pensar em nossos últimos dias e nos limites que inevitavelmente enfrentaremos. É antes nossa cegueira para nossa necessidade, nossa finitude no presente e a abundância de tudo o que temos.
Com nossos smartphones nas mãos e nossas comunidades no Facebook, alguns de nós podem se iludir pensando que os homens aprenderam a viver, dormir e comer sozinhos. Na realidade, todos nós estamos enchendo nossos corações vazios com coisas que — como minha mãe sabiamente diz — não nos trarão chá quando estivermos velhos e doentes.
Recentemente conheci um homem jovem e bonito que me disse que não quer se casar ou ter filhos porque sua vida é perfeita do jeito que está agora. “Eu nem consigo cuidar de um cachorro”, ele acrescentou. Espero que esse jovem esteja investindo mais em seus amigos agora do que investiria naquele cachorro hipotético. A vida nem sempre será perfeita. E quando não for, não teremos nada a colher se não tivermos tomado tempo para semear.
Quero encerrar com um aviso e uma confissão: também sou culpada. Viver pelos outros é difícil para todos, em qualquer estágio da vida. E em uma cultura que exalta o eu autônomo, é difícil lembrar que o sacrifício é o único caminho para florescer. Deixar ir aquela costela proverbial — seja nosso tempo, nossos planos, nossos desejos — é o único caminho para a felicidade autêntica: e uma garantia de que, em nossos últimos dias, seremos lembrados e cercados por aqueles que nos amam.
Marianna Orlandi recebeu seu Ph.D. em Direito pela Universidade de Pádua, Itália, e pela Universidade de Innsbruck, Áustria. Antes de se mudar para o Texas, ela foi palestrante no Departamento de Política da Universidade de Princeton. Ela foi admitida na Ordem dos Advogados italiana em 2015 após se formar magna cum laude pela Universidade de Pádua. Ela atuou como advogada criminal em Milão e trabalhou nos Estados Unidos como analista de pesquisa de políticas. Desde 2020, ela dirige a programação acadêmica do Austin Institute, onde contribui como palestrante e professora, bem como mentora dos alunos. Enquanto continua a publicar sobre tópicos como aborto e casamento, tanto na Itália quanto nos Estados Unidos, ela é a apresentadora do podcast do Austin Institute, um programa que cobre todos os tópicos que realmente importam para o nosso pleno florescimento humano.
VEJA TAMBÉM:
©2024 The Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês: To Die Well, We Must Live Well—And for Others