O movimento antipornografia começou a vencer nos Estados Unidos, com a discussão e aprovação de legislações que limitam esse tipo de conteúdo na internet, objetivando proteger menores de exposição a material nocivo. Neste mês, o estado de Utah passou a exigir a adoção de um sistema de verificação de idade por sites adultos. A medida, aprovada por unanimidade pelo legislativo e assinada pelo governador Spencer Cox, levou o site canadense Pornhub, segundo maior do mundo, a bloquear o acesso de residentes do estado, no início de maio. Nos últimos oito anos, outros 14 estados aprovaram resoluções enquadrando a pornografia como problema de saúde pública, análogo ao uso de tabaco ou direção sob efeito de álcool.
A Free Speech Coalition [Coalizão pela Liberdade de Expressão], associação sem fins lucrativos da indústria de pornografia e entretenimento adulto nos EUA, entrou com uma contestação da lei de Utah, argumentando que viola direitos de privacidade e de liberdade de expressão no país. Segundo o processo, a legislação também seria ineficaz diante de alternativas ao acesso de conteúdo perigoso por meio de redes privadas virtuais (VPNs).
“Não acho que o objetivo disso seja a proteção infantil. Acho que o ponto é o efeito assustador. No caso de Utah, não conseguimos encontrar um provedor de verificação de idade que cumpra a lei, o que significa que a lei, conforme escrita, não permite a conformidade”, reclamou Mike Stabile, diretor de relações públicas da Free Speech Coalition.
Já o Pornhub alega que, ao impedir o acesso a seu conteúdo, os usuários serão direcionados a sites que não cumprem a lei, o que seria mais perigoso para crianças e adultos.
“O mínimo que podemos fazer como sociedade é pedir às empresas que verifiquem a idade das pessoas que assistem à pornografia que produzem e distribuem. Essa legislação unânime e bipartidária fornece várias maneiras de satisfazer esse requisito. No entanto, apoio totalmente a decisão do Pornhub de remover seu conteúdo em Utah”, afirmou o governador Spencer Cox.
Diretora do Centro Nacional de Exploração Sexual, Eleanor Gaetan observa o crescimento de um sentimento antipornografia na América, com uma “onda de pais” testemunhando em assembleias estaduais e no Congresso dos EUA. “A onda vai continuar porque os danos são reais. Essas crianças não podem ‘desver’ o que veem”, defende, reforçando a verificação de idade faz parte de “esforços complementares” para limitar o acesso infantil à pornografia.
Precedentes
Atualmente, estão em pauta em pelo menos oito estados americanos projetos de lei obrigando fabricantes a habilitar automaticamente filtros de bloqueio de nudez e conteúdo sexualmente explícito em dispositivos móveis. Utah aprovou um projeto nesse sentido em 2021, mas a matéria só pode entrar em vigor se outros cinco estados aprovarem leis semelhantes (o que impediria que empresas de tecnologia os isolassem). Neste ano, parlamentares da Flórida, Carolina do Sul, Maryland, Tennessee, Iowa, Idaho, Texas e Montana consideram versões da legislação, com Montana e Idaho em estágio avançado das discussões.
Na Louisiana, uma legislação semelhante à de Utah entrou em vigor em 1º de janeiro. Os parlamentares do estado classificaram a pornografia entre menores como uma crise de saúde pública, devido a sua “influência corrosiva” sobre os mais jovens. Para que o conteúdo possa ser acessado, portanto, é exigida uma verificação de idade, que pode ser obtida por meio de cartão de identificação digital, documento de identidade emitido pelo governo ou outro “método comercialmente razoável”, que utilize dados para verificar a idade. A lei permite que residentes na Louisiana processem sites sem verificação de idade, com mais de um terço do conteúdo geral ligado a pornografia.
De acordo com a agência de notícias Associated Press (AP), iniciativas semelhantes vêm sendo desenvolvidas no Arizona e na Carolina do Sul, enquanto o Arkansas aprovou uma lei de verificação de idade para sites adultos, que deve entrar em vigor até setembro.
O esforço por restringir acesso de material adulto por menores de idade na rede ecoa em iniciativas passadas semelhantes, com forte apoio bipartidário. Em 1996, o Congresso americano aprovou um projeto de lei de telecomunicações que tornava ilegal a exibição intencional ou envio de conteúdo “obsceno ou indecente” para pessoas com menos de 18 anos.
O precedente para isso datava da década de 1920, quando regras federais proibiam emissoras de rádio e TV de transmitir linguagem obscena, para evitar que crianças fossem alcançadas por esse tipo de material. Também os críticos nos anos 1990 defendiam que as proibições de “indecência online” violavam a Primeira Emenda. Na ocasião, a Suprema Corte concordou que proibições federais poderiam limitar a liberdade de expressão no país.
Monetização de violência
As principais operadoras de crédito, incluindo Visa e Mastercard, já haviam cortado transações no Pornhub, após um artigo de opinião publicado em dezembro de 2020, no jornal americano New York Times, denunciar monetização de “estupro de crianças, pornografia de vingança, vídeos de câmeras espiãs de mulheres tomando banho, conteúdo racista e misógino e imagens de mulheres sendo asfixiadas em sacos plásticos” pela plataforma.
Junto com o XVideos, o Pornhub gerava cerca de 6,7 bilhões de visitas mensais, em 2021, com uma proporção significativa de conteúdo gratuito. Em 2010, uma pesquisa da Universidade Técnica de Viena, Eurecom e Universidade da Califórnia em Santa Bárbara mostrou que esses sites ganham bilhões por meio do direcionamento de “tráfego para sites pagos ou até mesmo uns para os outros”, gerando receita principalmente com anúncios.
Estudos têm apontado que acessar pornografia na infância gera uma série de danos psicológicos, mentais e comportamentais, alguns deles irreparáveis. “O bem comum exige que ajamos pelo interesse e bem-estar de nossos filhos. A liberdade exige que estejamos atentos para não dar ao governo poder desnecessário. Uma solução como proibir a pornografia online gratuita protege o que tanto os conservadores de espírito livre quanto os conservadores de bom senso valorizam”, defende o jornalista Anthony Leonardi, em artigo sobre o tema na revista conservadora National Review.