No começo da noite de quinta-feira (28), o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF/RS) publicou uma recomendação para que o Banco Santander reabra a exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença da arte brasileira”, realizada em Porto Alegre, sob ameaça de “ensejar a adoção das medidas judiciais cabíveis”.
Na recomendação PRDC/RS Nº 21/2017, o Procurador da República Fabiano de Moraes, que assina a peça, faz diversas considerações. Entre elas, de que o fechamento é um ataque à liberdade de expressão e “um impacto negativo tanto em relação à liberdade artística, quanto em relação ao respeito à diversidade”. E vai além: “a igualdade como reconhecimento enseja a não marginalização de determinados grupos em razão de sua identidade, religião, aparência física ou sua expressão de gênero”.
Apesar de citar religião nas considerações, o MP foca apenas nas questões de representações que discutem gênero. As hóstias adulteradas com palavras com cunho sexual não mereceram questionamentos por parte do MP, mesmo a obra podendo ser enquadrada como insulto à religião, crime previsto no artigo 208 do Código Penal (”vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”).
Leia a opinião da Gazeta do Povo sobre o tema: O Queermuseu e a liberdade artística
A questão da religião não deveria passar batida, pois foi justamente este um dos pontos centrais para fechamento da exposição, como o próprio banco afirmou em nota: “Entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo”. O MP desconsiderou completamente a justificativa.
Outro ponto que não mereceu a atenção do órgão público foi a análise do projeto que pedia a captação de recursos pela Lei Rouanet. O projeto tinha como um dos objetivos atrair estudantes, com direito a distribuição de um manual explicativo para professores. Até o momento, o Santander mantém silêncio sobre quantas escolas visitaram as instalações da mostra. O MP, novamente, pareceu não se importar.
Por outro lado, o procurador consegue relacionar o fechamento da exposição com o nazismo, quando obras modernistas de artistas que entraram para a história eram escarnecidas pelo então regime alemão. Este mesmo argumento foi usado reiteradas vezes pelos críticos do fechamento. Diz a recomendação: “o precedente do fechamento de uma exposição artística causa um efeito deletério a toda liberdade de expressão artística, trazendo a memória situações perigosas da história da humanidade como os episódios envolvendo a ‘Arte Degenerada’ (Entartete Kunst), com a destruição de obras na Alemanha durante o período de governo nazista”. Argumento afinadíssimo com as redes sociais.
Mas mais do que a seletividade do olhar do procurador e, por vezes, a omissão para temas importantes que pautaram a discussão, é importante ressaltar a tentativa de determinar como uma instituição privada deve ser comportar. Se o banco não responder em até 24 horas a recomendação, o MP promete endurecer. “Esclarece o Ministério Público Federal que o não acatamento infundado do presente documento, ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-lo total ou parcialmente poderá ensejar a adoção das medidas judiciais cabíveis”.
O que quer o MP? A abertura imediata do Queermuseu. E que ela dure por, pelo menos, o triplo do tempo que permaneceu fechada. O banco também deve arcar com todas as custas e estabelecer medidas informativas de proteção a infância. O teor da exposição deve ser mantido próximo ao original, “preferencialmente com temática relacionada a diferença e a diversidade”. Aqui, é importante frisar, o procurador não cita religião. Caso citasse, estaria, mesmo que indiretamente, pedindo para que o banco cometesse um crime.
Na manhã desta sexta-feira, o Santander respondeu: o Queermuseu permanecerá fechado.
Leia a íntegra da recomendação do MP:
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