Uma reportagem recente do jornal Financial Times chama a atenção para uma tendência de comportamento da geração que hoje tem entre 18 e 30 anos: enquanto a maioria dos homens se identifica com ideias conservadoras, as mulheres seguem o caminho inverso – e aderem, cada vez mais, ao progressismo.
Baseada em pesquisas realizadas em diferentes países, inclusive fora do mundo ocidental, a matéria também mostra que, historicamente, sempre houve um equilíbrio de opiniões nesse sentido.
Porém, a partir de meados da década passada, a ascensão de movimentos feministas globais, com forte alcance na internet, mudou radicalmente o cenário.
Estamos falando do feminismo de esquerda/marxista, que coloca as mulheres contra os homens (seguindo a lógica da “luta de classes” e do embate “oprimido x opressor”) e enxerga no Estado a solução para todos os problemas da sociedade.
Mas muita gente não sabe da existência de outra vertente do chamado empoderamento feminino, mais alinhada com a defesa do liberalismo econômico, do libertarianismo, da liberdade de expressão e até de direitos individuais como o porte de arma.
No Brasil, as representantes mais ativas desse segmento integram o grupo LOLA, fundado em 2018 e que já conta com cerca de 800 associadas em 18 estados.
Trata-se do braço local da Ladies of Liberty Alliance (“Aliança das Damas pela Liberdade”), uma rede internacional com sede nos Estados Unidos e núcleos espalhados por mais de 35 países.
Presidida por Nena Whitfield – ex-conselheira de campanha do político republicano Ron Paul (um notório defensor do estado mínimo) –, a organização busca, desde 2009, disseminar os conceitos libertários e, acima de tudo, formar lideranças políticas.
Para isso, aposta em cursos nas áreas de networking, oratória, relacionamento pessoal, atendimento à imprensa, arrecadação de fundos, etc. Muitos desses treinamentos são ministrados durante “retiros”, como o promovido anualmente pelo LOLA Brasil com suas principais líderes regionais.
Patrocinado por entidades internacionais libertárias e pró-livre mercado, o encontro do ano passado aconteceu em Brasília (DF), no final de novembro. A imersão contou com a presença da própria Nena e incluiu uma visita à Câmara dos Deputados, proporcionada pelo Partido Novo.
A legenda, aliás, é a “casa” da maioria das 12 associadas do LOLA que atualmente exercem cargos públicos no país.
Os quadros incluem nove vereadoras (seis eleitas pelo Novo e mais três filiadas ao PL, PSDB e PP), além da deputada estadual Cibele Moura (MDB-AL), da deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) e da vice-prefeita de Joinville (SC), Rejane Gambin (também do Novo).
Líderes se “descobriram” liberais em meio à doutrinação ideológica das universidades
“Entrei no LOLA porque buscava um grupo de mulheres liberais para fazer parte. E até para ter amigas que pensassem como eu. Amigas para sair no final de semana e com quem eu pudesse falar sobre política sem ser a chata que discorda das outras o tempo todo”, afirma, bem-humorada, a advogada Izabela Patriota, de 32 anos.
Natural de Natal (RN), ela se envolveu com o grupo em 2018, quando cursava um mestrado em Brasília. Hoje vive em Washington, nos EUA, onde trabalha como fundraiser (“arrecadadora de fundos”) para a organização.
Antes da mudança para o exterior, Izabela já havia participado, em 2019, de uma capacitação de lideranças promovida pela rede na capital americana. Durante essa imersão, conheceu a também advogada Anne Dias, de Curitiba (PR). As duas ficaram amigas e iniciaram um processo com o objetivo de encabeçar as atividades do LOLA Brasil.
A jornada teve êxito, e desde o ano passado Anne preside a entidade no país, enquanto Izabela dirige a área de relações internacionais.
A mudança na gestão foi festejada pela comunidade liberal brasileira, pois a presidente anterior, Cecília Lopes, declarou seu apoio ao estatista Lula nas eleições de 2022 – algo incompatível com a filosofia do grupo. Cecília, inclusive, não é mais associada.
Tanto Anne quanto Izabela se “descobriram” liberais ainda na faculdade. Ambas cursaram Direito em universidades federais e logo se identificaram com os (poucos) professores que pregavam a ideia de um estado mais reduzido.
Ao mesmo tempo, frustraram-se com a mentalidade dominante nesse ambiente, marcado pelo pensamento único da esquerda marxista.
“Minha professora do Núcleo de Prática Jurídica chegou a propor como atividade uma visita com a turma a um acampamento do MST na frente do prédio da Justiça Federal, onde o Lula estava preso aqui em Curitiba”, diz a presidente.
Segundo elas, o LOLA surgiu como um grupo “libertário na raiz”, porém hoje é um guarda-chuva que abriga associadas de diferentes perfis.
Anne Dias, por exemplo, se considera liberal clássica. Já Izabela Patriota afirma ser "bem ancap" (anarcocapitalista, como o presidente argentino Javier Milei).
Mesmo adeptas do conservadorismo podem integrar a rede, cuja cola conceitual é a defesa das liberdades econômicas e individuais. Nesse espectro, há espaço até para partidárias da descriminalização do aborto, lésbicas e transsexuais (neste último caso, é preciso se identificar totalmente como mulher – pessoas fluidas e não-binárias não são aceitas).
“Mas são bem poucas”, diz Izabela. Anne completa: “Somos contra o coletivismo”. As duas ainda reforçam que rejeitam a cultura woke.
Grupo acredita que é possível conciliar carreira e maternidade sem o envolvimento do Estado
Para as “lolas”, como as associadas se autodenominam, o feminismo é um movimento legítimo no tocante à proteção da igualdade entre homens e mulheres perante a lei. Contudo, foi capturado pela esquerda, que o deformou com suas tendências estatizantes.
Medidas apontadas como entraves para a economia – como a licença de trabalho durante o período menstrual, aprovada na Espanha em 2023 – são combatidas pelo grupo.
Isso não significa, no entanto, que o LOLA ignore o “ônus reprodutivo” carregado pelas mulheres e a disparidade entre os gêneros no mercado profissional.
A solução, segundo a entidade, passa pela flexibilização da carga horária, a negociação salarial e o planejamento financeiro. Izabela Patriota cita o caso dos EUA, onde é possível conciliar carreira e maternidade sem o envolvimento direto do Estado (graças a um mercado dinâmico e um grande poder de compra).
“Quantas americanas saem dos Estados Unidos para gozar das licenças concedidas por governos como o do Brasil? Nenhuma. E quantas brasileiras, muitas delas formadas no ensino superior, preferem ir para lá e trabalhar em subempregos sem essas regalias?”, afirma.
No ideário das “lolas”, homens e mulheres enfrentam, sim, problemas diferentes. Mas, com base nas experiências desastrosas do socialismo, a saída para eles definitivamente não está na intervenção estatal.