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Pandemia

Por que o mundo está mudando de ideia quanto ao uso de máscaras contra o coronavírus

Aos poucos o mundo deixa de se curvar à estranha recomendação da OMS e cede às máscaras que, se não resolvem o problema, oferecem certo alívio. (Foto: AFP)

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Na medida em que a pandemia do novo coronavírus avança pelo mundo – com mais de 1,2 milhão de infectados e mais de 64 mil mortes, amplia-se também a discussão sobre o uso de máscaras de proteção de maneira mais generalizada e não somente por profissionais de saúde, infectados, casos suspeitos e acompanhantes de doentes.

Se no início do surto essa prática era exclusiva de países asiáticos, como China e Coréia do Sul (onde a utilização de máscaras já faz parte da cultura da população), nas últimas semanas várias outras nações também ampliaram o uso de máscaras para o maior número de pessoas possível.

É o caso de países como República Tcheca e Eslováquia que, no mês passado, determinaram como medida obrigatória o uso de máscaras para toda a população em qualquer local fora de casa.

Já na Áustria é obrigatório que todos os cidadãos usem máscaras em estabelecimentos comerciais desde o dia o dia 1º de abril. As próprias empresas fazem a distribuição.

Seguindo a mesma tendência, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em um pronunciamento à nação, disse: “Estamos pedindo a todos vocês, cidadãos de Israel, que usem máscaras na esfera pública”.

Nos Estados Unidos o uso das máscaras também passou a ser incentivado. Mas de uma forma diferente. Desde sexta-feira (03) o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) recomenda que toda a população utilize  máscaras de pano ou coberturas improvisadas, para que não falte o equipamento profissional aos trabalhadores da saúde.

No Brasil, o Ministério da Saúde já havia adotado um posicionamento parecido ao das autoridades de saúde norte-americanas, orientando a população que utilize máscaras de tecido, para que os profissionais da saúde não fiquem sem o equipamento. No site do Ministério há, inclusive, recomendações sobre como fazer a própria máscara.

E a tendência é que cada vez mais países adotem medidas similares. É o caso de Alemanha e França, onde já há recomendações de especialistas aos governos para a adoção geral da proteção. Isso porque a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) parece estar prestes a mudar a recomendação que servia de referência a essas nações.

Mudança de estratégia

Até então, o argumento da OMS é que existia apenas embasamento científico para orientar o uso de máscaras por profissionais de saúde, infectados, pessoas com suspeita de infecção e por quem está contato direto com doentes. Mas a divulgação de pesquisas recentes pode convencer a OMS do contrário. E a organização já se debruça a avaliar estes estudos.

O presidente do grupo de especialistas da OMS, David Heymann, está à frente de uma equipe cujo objetivo é analisar novos dados que estimam uma projeção mais distante do vírus pelo ar. Trata-se de um estudo feito pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, que analisou com precisão o que acontece quando tossimos ou espirramos.

Utilizando sensores e câmeras de alta velocidade, os pesquisadores descobriram que uma expiração gera uma nuvem de gás que se movimenta rapidamente, com gotículas de tamanhos variados sendo transportadas por longas distâncias. Pela tosse podem chegar a seis metros e pelo espirro até oito metros.

No início de março outro estudo, publicado na revista Science por pesquisadores chineses, revelou que as pessoas que não apresentavam os sintomas do Covid-19 eram as principais disseminadoras do vírus. Eles calculam que 86% das infecções pelo novo coronavírus não foram documentadas no país e, dessas, 55% eram tão contagiosas quanto em pessoas que apresentavam os sinais de febre, tosse seca e falta de ar.

Para o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Altamiro Costa Pereira, os benefícios do uso geral de máscaras são óbvios e essa medida já deveria ter sido adotada antes mesmo do conhecimento das pesquisas recentes. “Não havia evidências muito positivas sobre o efeito das máscaras, mas curiosamente também não havia qualquer evidência negativa. É óbvio que qualquer proteção é melhor do que nenhuma”, afirma o médico epidemiologista.

Efeito psicológico

Além da barreira contra partículas do vírus que possam ser expelidas no ar, ele cita um efeito psicológico da máscara que contribui para a principal medida de contenção contra o coronavírus. “Quem usa máscara, obviamente, está dizendo: ‘eu quero algum distanciamento social’. E isso é uma coisa extremamente importante do ponto de vista simbólico que depois acaba por ter efeito na diminuição do contágio”, diz Pereira.

Em Portugal, o uso generalizado de máscaras também está em debate. Até então era desaconselhado, mas, diante das pesquisas recentes, o Ministério da Saúde decidiu consultar especialistas do Programa Nacional de Prevenção e Luta contra as Resistências Microbianas. O parecer foi positivo e em breve o país também pode adotar o alargamento do uso das máscaras.

Para o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Ricardo Mexia, a medida deve ser tomada de forma responsável e planejada. “Deve ser uma estratégia integrada, com fornecimento de máscaras aos profissionais de saúde em número suficiente e depois em relação à população haver também a capacidade de elas serem disponibilizadas ou encontrar as soluções que permitam a cada cidadão conseguir proteger-se de alguma maneira”, avalia o epidemiologista.

Mexia também destaca a importância da orientação sobre o uso correto das máscaras, uma vez que a utilização inadequada pode até aumentar o risco de disseminação do vírus. Ele também se preocupa com o incentivo às máscaras de pano ou outras formas improvisadas de proteção do rosto. “As pessoas podem estar a usar uma máscara de pano que não protege quase nada e achar que isso reduz seu risco. Portanto aí temos a cautela e estamos revisando que tipo de máscaras as pessoas poderão improvisar”, afirma o médico.

Além disso, é consenso entre os especialistas que estender o uso de máscaras a toda a população não significa deixar de lado as outras medidas. Higiene das mãos e distanciamento social são fundamentais para conter a propagação do coronavírus, com ou sem máscara.

Correlação

Embora os países que tenha tornado o uso das máscaras obrigatório façam questão de anunciar os benefícios desta decisão no controle da doença, a correlação com o avanço do número de infectados não é tão clara.

Na Eslováquia, o primeiro caso de Covid-19 foi registrado no dia 7 de março. Menos de dez dias depois, em 16 de março, quando havia 17 casos confirmados, o país decretou a obrigatoriedade das máscaras. A partir disso, a curva de contágio seguiu em uma tendência irregular, com quedas brandas, aumentos repentinos e alguns dias sem nenhum novo caso registrado. Desde a última sexta-feira (03) a curva segue tendência de abrandamento. Atualmente a Eslováquia registra 485 casos e nenhuma morte.

Já a vizinha República Tcheca teve os primeiros casos registrados em 2 de março, mas só obrigou os cidadãos a usarem máscaras no dia 24 de março. A curva, neste caso, é ainda mais errática, com alternâncias de escaladas e descidas no aumento diário de casos. O país soma 4.857 casos e 67 mortes.

A Áustria, que lida com a doença desde o dia 26 de fevereiro, anunciou no final de março que a partir do dia 1º de abril as máscaras seriam obrigatórias a todos os cidadãos. Curiosamente, desde o primeiro dia de abril que o aumento diário no número de casos vem diminuindo. O país tem 11.983 casos e 204 mortes.

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