A editora Debate acaba de publicar em espanhol a biografia de Elon Musk (cujo nome dá título à obra) escrita por Walter Isaacson. Musk pertence àquela linhagem de inovadores tecnológicos que encantam quem caça estereótipos: sul-africano, filho de uma família disfuncional, vítima dos meninos maus da escola e dono de uma inteligência perseverante e profética.
O fundador da Tesla é um americano naturalizado que se fez sozinho, ganhando destaque graças apenas à sua tenacidade e consciência missionária, por assim dizer. Ele também é conhecido por suas explosões de raiva, perfeccionismo doentio e falta de empatia, características compartilhadas por disruptores tecnológicos como Steve Jobs e Bill Gates.
Walter Isaacson, mestre na arte da biografia, acompanhou o gênio durante mais de dois anos e conversou com defensores e detratores de um indivíduo que desperta admiração e suspeita em igual medida.
Musk não se guia pelo dinheiro ou pela fama, mas pela vocação de tornar a vida humana mais satisfatória e confortável, o que não significa melhor, embora esteja convencido de que sim. Na determinação de abrir novos caminhos, percebe-se uma aura semelhante à dos super-heróis de sua infância, que ele, apesar de já ter passado dos cinquenta anos, deseja imitar.
O paradoxo está, no entanto, encarnado na sua própria personalidade e de uma forma muito marcada. E aquele que assume o destino de salvar as gerações futuras, muitas vezes, é insuportável para os que lhe são mais próximos. Estes, de fato, confessam temê-lo quando ele entra no que um de seus parceiros chamou de “modo demoníaco”. Em situações como essa — diante da falha de um engenheiro ou da imprecisão de um diretor de vendas, mesmo diante de alguém realista que censura suas inovações malucas — suas respostas podem ser brutais, literalmente violentas. Que o digam seu irmão Kimbal, com quem ele às vezes chegou aos tapas. Ou os milhares e milhares de trabalhadores que ele expulsou, sem tremer o seu talão de cheques, ao colonizar o Twitter.
O valentão da vizinhança
Assim como quando traçou o perfil de Jobs, Isaacson também não atua como juiz ao revisar a vida de Musk. Ele se limita a atuar como testemunha, dando ao seu texto um ritmo frenético. Ele acredita que Musk, apesar de sua loucura, é um homem de criatividade incomensurável e que a megalomania nele é acompanhada por uma preocupação sincera com o futuro da humanidade.
Quer esta inquietação seja ou não resultado da sua paixão desordenada pela ficção científica ou um sinal da sua generosidade, pode-se dizer que o fundador da SpaceX é o típico geek que se recusa a crescer. Não surpreende, portanto, que seus ambiciosos projetos empresariais — do carro elétrico aos foguetes ou o interesse pela inteligência artificial — tenham começado a tomar forma na mais tenra infância, quando passava a noite devorando livros e enciclopédias.
Algo do adolescente — e muito do geek — permanece no Musk adulto. E não tanto porque continua a passar o tempo livre a jogar videogames ou é vítima de uma instabilidade emocional algo patológica, mas porque a sua imagem de criança rebelde e argumentativa é a que mais se destaca no X, o nome com o qual ele renomeou o Twitter. Para Isaacson, seu comportamento arrogante, principalmente durante a tumultuada e louca aquisição da empresa, é típico do jovem que se anima, do bandido ou cafetão do bairro, sem filtros, que busca vingança, depois de ter sido motivo de chacota da escola por um tempo.
A agressividade é, no entanto, a característica mais comum entre os techies [NT: termo utilizado para designar pessoas com grande interesse ou obsessão por tecnologia] aqueles especialistas em informática que acumularam grandes fortunas da noite para o dia, casualmente, e a quem os banqueiros de gravata-borboleta prestam homenagem. Não importa a altura, o currículo ou os zeros na conta corrente de seu interlocutor: Musk os despedaça, como se vivesse permanentemente em um ringue.
O futuro da humanidade
Seu objetivo é claro: quer transformar o ser humano em uma espécie multiplanetária para evitar sua extinção. Este propósito explica os seus interesses variados e os seus planos desproporcionais: Tesla é o resultado da sua obsessão com o futuro do planeta e da necessidade de encontrar alternativas menos poluentes; A SpaceX responde ao seu desejo de alcançar e povoar Marte; a sua preocupação em garantir que a Inteligência Artificial não se torne uma ameaça ao ser humano levou-o a confrontar a Google que, na sua opinião, é menos escrupuloso com o nosso destino. Ele quer estabelecer um limite moral para a tecnologia, para que os robôs nunca possam superar o ser humano que os cria.
Gênio é aquele que pede o impossível. Por exemplo, o modelo de carro elétrico não deve ser um carrinho de golfe, mas sim um carro esportivo que possa competir com um Porsche e que possa ser produzido em massa. Resumindo, tão barato quanto um Ford. E conseguiu: soube-se recentemente que a Tesla se destacou no mercado europeu, muito acima dos seus concorrentes. O mesmo aconteceu com seus foguetes reutilizáveis, que já colocaram em órbita inúmeros satélites. A ideia mais recente é que no X, sua rede social, os criadores possam cobrar pelo conteúdo que geram.
Musk também está agora na mira do politicamente correto como resultado de sua oposição aos valores woke [NT: termo que designa pessoas ou valores progressistas]. Ele quer que a liberdade de expressão seja gratuita na Internet, embora as suas práticas por vezes sugiram o contrário. Embora tenha apresentado a sua chegada ao Twitter como uma vitória a favor do pluralismo, não há dúvida de que os dados que irá recolher com a sua aquisição o ajudarão a tornar-se muito mais rico no futuro.
Luz e sombra
Isaacson escreveu uma biografia que ilumina, mas não se esquece de indicar onde estão as sombras. E isso não deixa apenas o lado familiar no escuro, no qual Musk não encontrou — nem ofereceu — estabilidade. No seu compromisso com a humanidade, decidiu ser pai de uma longa descendência, concebida artificialmente ou com recurso a úteros substitutos, após a morte do seu primeiro filho. Jenna, sua filha trans, parou de falar com ele: na opinião dela, o pai dela é um capitalista sem escrúpulos.
As novas tecnologias tanto favorecem a disrupção e o progresso que poucos momentos na história viram um número tão elevado de inovadores por metro quadrado como o nosso. Isaacson decidiu radiografar a personalidade das pessoas corajosas que navegam pelo espaço ou inventam formas de comunicação insuspeitadas, oferecendo um relato verdadeiro e próximo de seus talentos. Mas quem se aproxima destes gigantes do novo não pode deixar de se perguntar se o sucesso exige assumir tantos custos, pessoais e morais, ou, por outras palavras, se chegou o momento de moderar a nossa admiração por pessoas com tantas contradições e arestas.