No Brasil, cada partido político é obrigado por lei a manter uma fundação partidária para “pesquisa”, “doutrinação” e “educação política”. Em algumas siglas, essas organizações são praticamente irrelevantes. Não é o caso do PT: a Fundação Perseu Abramo se esforça para oferecer cursos de formação política aos filiados do partido. Um deles se propõe a ensinar sobre um tema que, para os petistas, é atual: o fascismo.
O curso "Fascismo ontem e hoje: entender para derrotar" reúne 12 lições, todas elas ensinadas por professores da USP (Universidade de São Paulo). A reportagem da Gazeta do Povo completou o curso, que permite entender as ideias que influenciam a militância do PT.
O material de apresentação do curso não tem uma foto do ícone do fascismo, o italiano Benito Mussolini. Em vez disso, aparecem imagens de Donald Trump, Jair Bolsonaro, do estrategista americano Steve Bannon e do líder húngaro Viktor Orban.
"Já derrotamos [o fascismo] antes", diz o vídeo de apresentação. A imagem mostra um soldado empunhando a bandeira soviética sobre Berlim.
O fascismo pela lente de Marx
A qualidade técnica dos vídeos não é a prioridade da Fundação Perseu Abramo. O vídeo da primeira aula tem baixa resolução. Nele, o professor Lincoln Secco fala sobre “o ressurgimento de uma experiência fascista no Brasil a partir de 2013 e que chegou ao poder em 2018”.
Com voz mansa e português bem articulado, o professor Lincoln Secco é o coordenador de um certo GMARX (Grupo de Estudos de História e Economia Política)
Na aula introdutória, passam-se 3 minutos e 49 segundos até que ele mencione Karl Marx pela primeira vez. O vídeo, de 13 minutos e 34 segundos, também tem referências a "burguesia", "propriedade burguesa", "lucros", “imperialismo”, “grande capital monopolista”, “países neocolonialistas”, “Lênin”.
Secco diz que o fascismo europeu surgiu depois da Primeira Guerra Mundial, quando as antigas estruturas sociais foram abaladas e a classe média se sentiu deslocada. O culpado real, claro, é o capitalismo. "É a manipulação desse sentimento de deslocamento que advém de um fenômeno estrutural do capitalismo como se esse fenômeno não fosse estrutural, fosse obra de uma conspiração judaico-bolchevique", diz o professor.
O fascismo no Brasil
Depois de aulas dedicadas a Itália, Alemanha, Japão, Portugal e Espanha, o curso do PT sobre o fascismo chega ao Brasil. São três aulas específicas sobre o país. Cada uma trata do que, na visão da intelectualidade petista, foram expressões do fascismo: o Integralismo, a ditadura militar e o bolsonarismo.
A interpretação marxista da história do Brasil é repetitiva: os “interesses econômicos” estão no centro de tudo. Termos como “interesses da burguesia” e “o capital multinacional” aparecem incontáveis vezes no curso da Fundação Perseu Abramo. Por exemplo: o professor Fernando Sarti Ferreira diz que a elite cafeeira passou a defender o fim da escravidão “"obedecendo meramente a cálculos econômicos".
Sarti lê um roteiro colocado muito abaixo da câmera, o que o faz olhar para baixo em vez da lente. Atrás dele, uma pequena biblioteca na qual se destaca o livro “Dicionário do Gramscismo”.
Ele também explica que, no golpe de 1964, os militares eram coadjuvantes. “Quem ganhou de verdade o poder foram os interesses multinacionais e associados à burguesia brasileira na defesa do Brasil como uma economia semicolonial”, ensina.
Na história alternativa da Fundação Perseu Abramo, Tancredo Neves é descrito como alguém “ultra-conservador” e a palavra “golpe” tem um sentido maleável. Os professores falam do “golpe de 2016” (impeachment de Dilma Rousseff) e do “golpe” de 1989 (quando a TV Globo teria apresentando Fernando Collor de forma mais favorável no Jornal Nacional pós-debate).
Lincoln Secco também que houve “fraude” na eleição de 2018 porque “o candidato mais popular” foi impedido de concorrer. Ele se refere a Luiz Inácio Lula da Silva, que estava preso.
Bolsonaro é fruto do fascismo
Depois de dez aulas, não é difícil adivinhar a explicação dada pelos professores da Fundação Perseu Abramo para a ascensão de Jair Bolsonaro. A culpa é dela — a burguesia.
"As elites mobilizaram forças fascistas para blindar o poder do povo [aparecem fotos de Bolsonaro]. O problema é que na atual conjuntura, as forças instigadas mobilizaram massas populares e criaram uma atmosfera fascista que talvez a burguesia brasileira não consiga enjaular", diz Sarti.
Lincoln Secco reforça que “o fascismo é a exacerbação de um fenômeno inerente ao capitalismo” — a manipulação, nos momentos de crise, do que há de irracional nas massas. Ele diz que, ao contrário das utopias, como o comunismo, o capitalismo não oferece um propósito às pessoas: “Só se produz no capitalismo para se ter lucro, não para se satisfazer uma necessidade humana”.
O professor da USP diz que o bolsonarismo representa os “interesses do imperialismo”, e não os do Brasil. Para Secco, o discurso de Bolsonaro inclui “o combate aos indígenas e aos quilombolas”, além de mobilizar “a irracionalidade das pessoas”.
Daí a conclusão: “O bolsonarismo é uma modalidade de fascismo e deve ser combatido como fascismo”. O professor não diz, mas a história mostra que o fascismo italiano foi combatido com armas, e não pelo voto popular.
Por lei, os partidos precisam gastar 20% do fundo partidário nas fundações. No caso da Fundação Perseu Abramo, isso equivaleu a R$ 24,6 milhões de janeiro a novembro deste ano.
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