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Detalhe da capa do livro “Hitler e o Desarmamento - Como o Nazismo Desarmou os Judeus e os Inimigos do Reich”, de Stephen Halbrook | Divulgação
Detalhe da capa do livro “Hitler e o Desarmamento - Como o Nazismo Desarmou os Judeus e os Inimigos do Reich”, de Stephen Halbrook| Foto: Divulgação

E se os judeus tivessem acesso a armas? Teriam sido capazes de, ao menos, resistir às atrocidades cometidas pelo regime nazista? Episódios de reação, como o que aconteceu no gueto de Varsóvia em 1943, teriam sido mais comuns? O jurista americano Stephen Halbrook acredita que sim. E apoia sua posição em uma pesquisa que comprova: o governo alemão de Adolf Hitler temia ações populares e fez de tudo para desarmar potenciais adversários do regime, ou pessoas que o Terceiro Reich pretendia perseguir. 

Os judeus que tinham armas em casa, em especial, foram alvo de batidas policiais violentas desde que Hitler chegou ao poder. A política alemã de caça às armas de uso pessoal está descrita num livro de 2013, que está sendo lançado no Brasil agora: Hitler e o Desarmamento (Vide Editorial)

Halbrook não é exatamente o que se pode chamar de narrador neutro. Ele é um dos mais importantes defensores, nos Estados Unidos, da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), e já advogou, dentro do Congresso americano, a favor do argumento de que a posse de armas é um direito de todo cidadão – afirma isso com base na Segunda Emenda da Constituição do país, que diz: “Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser infringido”. 

Existe um debate de décadas sobre a interpretação deste texto. Há quem diga que ele autoriza a criação de milícias em defesa da democracia. E há quem, como Halbrook, que argumente que a Segunda Emenda garante o direito de possuir armas em quaisquer circunstâncias. 

Hitler e o Desarmamento vai além de advogar a favor do direito de usar armas – coisa que ele também faz ao longo do livro, quando argumenta, por exemplo: “o direito às armas, reflexo da universal e histórica possibilidade que tem um povo de resistir à tirania, não foi reconhecido pelo Terceiro Reich”. Mas a obra também descreve e analisa a legislação alemã, desde o fim da Primeira Guerra Mundial até o auge do Terceiro Reich, que aprovou uma lei de 1938 formalizando a caça a qualquer cidadão que ainda tivesse armas. 

Todas deveriam ser recolhidas para serem usadas pela SA (a Tropa de Assalto nazista) e pela SS (a Tropa de Proteção do partido). Halbook sugere que as leis de desarmamento de 1919 e de 1928 inclusive facilitaram a vida dos grupos extremistas. Entre eles, o Partido Nacional Socialista, que acabaria chegando ao poder por voto direto em 1933. 

Arsenal nas mãos erradas 

O autor argumenta que a proibição do acesso a armas na década de 1920 só funcionou para cidadãos pacíficos. Outros grupos conseguiram driblar a lei e manter verdadeiros arsenais. 

“O efeito concreto dessas leis foi limitar e desestimular a posse de armas pelas pessoas comuns – aquelas mais propensas a apoiar um governo democrático contra o comunismo ou o nacional socialismo – ao mesmo tempo em que falhava miseravelmente em conter os confrontos internos que desestabilizavam ao país”, ele escreve. 

E cita o caso de Kurt Ludecke, o chefe da SA do Partido Nacional Socialista nos anos 1920. Em 1938, já destituído do cargo, ele contou: “Crescia o emocionante negócio do contrabando de armas. Nos idos de dezembro de 1922, eu havia conseguido estocar, fora de Munique, quinze metralhadoras Maxim, mais de duzentas granadas de mão, 175 rifles em perfeito estado e milhares de cartuchos de munição”. 

Halbrook argumenta que a situação piorou quando, em 1931, o governo exigiu que os cidadãos se apresentassem ao governo para registrar suas armas de fogo. O objetivo era impedir que grupos extremistas continuassem adquirindo arsenais. O que aconteceu foi que um grupo extremista assumiu o poder e usou a lista de cidadãos armados a seu favor. 

Dois anos depois, essa lista serviria de ponto de partida para os nazistas iniciarem sua perseguição. Em 1938, quando a perseguição se tornou oficialmente política de estado e ter arma de fogo em casa rendia uma pena de 20 anos em campos de concentração, o relatório de detenção de um judeu inocente aponta como a polícia chegou a ele: “O judeu Alfred Flatow foi encontrado em posse de armas de fogo e armas de mão. As armas foram registradas na 13ª Delegacia Policial em 26 de janeiro de 1932”. 

Flatow morreria num campo de concentração. Era ginasta e, na Olimpíada de 1896, havia vencido as provas de barras paralelas, individual e em equipe, e ganhado duas medalhas de ouro para a Alemanha. Em 1932, havia se apresentado voluntariamente para fazer o cadastro de suas armas. 

Pretexto para perseguir 

Desarmar os possíveis inimigos, em especial os comunistas, era, portanto, uma ação preventiva. Tirar as armas das mãos de minorias que seriam perseguidas, como os judeus e os ciganos, também. A caça a armas, legais ou não, acabaria, inclusive, por se tornar pretexto para invadir casas de pacifistas. 

A residência de Albert Einstein, por exemplo, foi ocupada pela polícia em 1938. O físico nem estava lá, mas ainda assim o local foi revirado. O armamento mais perigoso que a polícia encontrou foi uma faca de cortar pão. “O resultado [da busca] foi decepcionante àqueles que sempre julgaram as declarações pacifistas de Einstein mera hipocrisia”, declarou o jornal The New York Times na época. 

Clubes de tiro também foram perseguidos e fechados, escreve o autor. Dois decretos “proibiram toda e qualquer atividade envolvendo os clubes de tiro esportivo, incluindo os torneios, o uso dos uniformes tradicionais de tiro, o hasteamento da bandeira do clube e o uso do nome do clube”. Halbrook continua: 

“Em suma, a ditadura de Hitler enxergava com suspeita os proprietários de armas particulares e os clubes de tiro, e a Gestapo usava de diversas táticas para trazê-los sob seu controle total ou para desarmá-los completamente. Protestar não era uma opção”. 

“É tentador supor que mesmo se os judeus alemães não tivessem registrado suas armas anteriormente, isso não faria nenhuma diferença durante o progrom e durante o Holocausto”, o jurista argumenta, fazendo referência ao ataque violento contra judeus de diferentes cidades, orquestrado em 1938. “No entanto, quantas histórias individuais poderiam ter sido escritas de outro modo?” Afinal, ele afirma em eu livro, “os próprios nazistas viam os judeus armados como suficientemente perigosos para minar sua estratégia de desarmá-los.” 

Entrevista

“A milícia armada impediu que a Suíça fosse invadida” 

Leia a entrevista com o jurista Stephen Halbrook 

 

É possível comparar a política de controle de armas do Terceiro Reich com as regras adotadas nos países democráticos do século 21? 

Nos Estados Unidos, a lei federal exige checagem do histórico das pessoas que compram armas de vendedores licenciados, mas proíbe que o governo registre os nomes dos proprietários de armas. Mas alguns estados, a Califórnia em especial, mantêm registros das pessoas que têm armas. Manter registros é uma política similar à realizada na Alemanha nos anos 1920, e os nazistas se aproveitaram dessas listas em 1933, quando chegaram ao poder. 

Pessoas armadas podem evitar que um país se torne uma ditadura? 

Esse é o propósito da Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Graças ao direito a se manifestar publicamente, a votar e a ter armas, nunca tivemos uma ditadura no país. 

Existem exemplos concretos, no passado, de países onde a população armada garantiu a democracia? 

Quando o governo britânico se tornou uma tirania, cidadãos americanos armados lideraram uma revolução e criaram uma sociedade livre. Um exemplo mais recente é a Suíça. Nos séculos 19 e 20, o país manteve uma milícia armada, e todos os seus membros – cidadãos civis livres – precisavam manter armas em casa e estar prontos para se mobilizar com agilidade. Essa milícia armada impediu que a Suíça fosse invadida pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra. 

Mas o acesso de civis a armas não é responsável pelos massacres em massa, como o que aconteceu em Las Vegas em outubro? 

Um maluco desprezível matou 59 inocentes em Las Vegas, e suas motivações continuam desconhecidas. Ele poderia ter matado a mesma quantidade de pessoas provocando um incêndio criminoso: 87 vidas se perderam assim, na mesma Las Vegas, em 1980, quando um hotel foi incendiado de propósito. Proprietários de armas legalizadas não são responsáveis pelos atos dos criminosos. Pelo contrário: no recente ataque a uma igreja em Sutherland Springs, no Texas, um cidadão conseguiu acertar o atirador usando um rifle AR-15, e assim acabou com o massacre. 

É possível garantir o acesso a armas e, ao mesmo tempo, impedir que os Estados Unidos continuem sendo cenário de tantos massacres? 

Esses incidentes continuam sendo comuns em solo americano, mas os Estados Unidos têm população e tamanho de muitos países da Europa, muitos dos quais sofreram tragédias similares. A França tem leis rigorosas de controle, mas nada disso não impediu os ataques a tiros em Paris, em 2015, e o atentado usando um caminhão, em Nice, em 2016. As leis precisam se aplicar aos criminosos e às pessoas perigosas, e não aos cidadãos inocentes.

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