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Batalha de Alcácer Quibir deixou aproximadamente 8 mil europeus mortos, incluindo o rei português D. Sebastião
Batalha de Alcácer Quibir deixou aproximadamente 8 mil europeus mortos, incluindo o rei português D. Sebastião| Foto: Wikimedia Commons

Portugal e Marrocos entraram em campo na manhã de 4 de agosto de 1578. O exército português vinha avançando pelo território inimigo, na direção da cidade de Larache, onde esperava receber reforços entre dissidentes marroquinos. Quilômetros antes, em Alcácer Quibir, encontraram as tropas adversárias bem posicionadas e em maioria.

O comandante, o sultão Mulei Moluco, havia disposto seus homens em formato de meia lua, como os turcos otomanos costumavam se posicionar. Por volta de 10 horas, debaixo de um sol inclemente que vinha castigando os europeus por dias, os invasores sofreram os primeiros ataques.“Três disparos da artilharia inimiga fazem estremecer os soldados de D. Sebastião”, relata Suzana Lima no livro As batalhas que fizeram Portugal. “Entreolham-se incrédulos. Muitos não acreditavam que o inimigo possuísse armamento moderno. A atrapalhação é tanta, que não conseguem colocar a artilharia em posição de ataque e as 36 peças ali presentes não produzem o efeito desejado na batalha.”

“Na ala direita, 1.000 escopeteiros (armados com uma espécie de espingarda) a cavalo e 10.000 cavaleiros, comandados por Mulei Ahmed; na esquerda, Mohammed Zarco e mais 2.000 escopeteiros, que podem combater a pé ou a cavalo, e 10.000 lanceiros”, descreve a pesquisadora. “Ao centro, 9.000 homens repartidos entre a vanguarda e a retaguarda da infantaria. É aqui que se encontra Abd al-Malik, estendido numa liteira e protegido pela sua guarda pessoal. Os mais de 15.000 cavaleiros das tribos árabes encontram-se em redor da infantaria.”

Batalha dos Três Reis

O que se seguiu foi um massacre. Depois de um início promissor, em que conseguiram neutralizar parte das forças dos inimigos, as tropas portuguesas, compostas por entre 14 e 20 mil europeus, incluindo militares e mercenários portugueses, alemães, espanhóis e italianos, foram perseguidas a céu aberto. Depois de quatro horas de luta, sobraram pequenos grupos de resistência, pisando em corpos tombados e cercadas por mouros.

Aproximadamente 8 mil europeus morreram – incluindo o rei português D. Sebastião. Enquanto os nobres que o acompanhavam insistiam para que ele recuasse em busca de abrigo, o jovem monarca teria declarado: “Senhores, a liberdade real só há de se perder com a vida”. E então, lançou-se sobre as tropas inimigas, já sobre o terceiro cavalo (os dois anteriores haviam morrido) e com o rosto ferido.

“O cadáver seria encontrado algures no campo de batalha, nu. Apresentava diversas feridas na cabeça – uma mais profunda por cima da sobrancelha direita – e também no pescoço, rosto e mãos; no tronco, eram bem visíveis as marcas provocadas pelos arcabuzes”, informa Lima.

O rei foi sepultado ali mesmo em Alcácer Quibir. Seria devolvido a Portugal apenas em agosto de 1582, onde seus restos acabariam depositados em uma capela do Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. Outros dois monarcas morreram na batalha: o sultão Mulei Moluco, possivelmente envenenado na véspera, e seu sobrinho, Mulei Mohammed, que havia sido deposto pelo tio e, por isso, colocado seus homens a serviço dos portugueses. Daí que o incidente ficaria conhecido como a Batalha dos Três Reis.

As consequências do confronto, tão curto e sangrento, foram enormes. Sem resistência, o irmão de Moluco, Amade Almançor, assumiu o trono e transformou Marrocos em um estado islâmico – era o único território do norte da África ainda não dominado pelos turcos otomanos. Quanto a D. Sebastião, não era casado nem tinha deixado herdeiros.

Seu tio-avô, D. Henrique, assumiu o trono, mas morreu em dois anos. Foi quando o tio de Sebastião, o rei espanhol Felipe II, tomou o controle sobre o país vizinho. Surgia então a União Ibérica, que, na prática, acabaria com a independência política de Portugal por longos 60 anos, entre 1580 e 1640. Foi neste período, aliás, que os portugueses avançaram rapidamente para dentro do interior do Brasil, muito além da linha imaginária traçada pelo Tratado de Tordesilhas, que, na prática, havia perdido qualquer validade.

O nome da esperança

Sebastião não descansou em paz. A demora para resgatar o cadáver e o tamanho da humilhação sofrida pelos portugueses, que naquele momento controlavam vastos territórios em três continentes, ajudaram a alimentar a lenda de que o rei teria apenas desaparecido. Nos anos seguintes, diferentes pessoas se apresentaram alegando ser o monarca – uma afirmação grave, que colocava em risco a estabilidade política local, a ponto de um suposto Sebastião, o calabrês Marco Tulio Catizone, que sequer falava português, ter sido enforcado em 1603.

O sebastianismo deitou raízes profundas no Brasil – aliás, foi em homenagem ao rei, ainda vivo, que, em 1º de março de 1565, Estácio de Sá fundou oficialmente a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Diferentes movimentos rebeldes posteriores, sendo o mais famoso deles o de Canudos, se inspiraram diretamente na esperança da volta do rei. Não é difícil entender os motivos para negar que o monarca tivesse falecido: havia sobre Sebastião uma enorme expectativa desde que ele ainda estava no útero de sua mãe.

Nascido em 20 de janeiro de 1554, dia de São Sebastião, ele era filho de João Manuel, príncipe herdeiro de Portugal, de apenas 16 anos, que havia morrido duas semanas antes, mas deixara a esposa grávida. Não havia outros herdeiros – os oito irmãos de João Manuel tampouco estavam vivos.

“A única esperança de dar continuidade à dinastia de Avis, que reinava sobre Portugal fazia quase cento e setenta anos, a única chance de ter um herdeiro genuíno para a sua coroa, estava depositada no ventre de Dona Juana, a jovem princesa-viúva”, relata Aydano Roriz em O desejado. Tudo podia acontecer, inclusive o parto ser mal sucedido, um problema muito comum à época. É de se imaginar, portanto, a euforia que atravessou o reino quando o bebê veio ao mundo com sucesso. “Dona Juana de Áustria dera à luz um menino. A Coroa já tinha herdeiro. Um herdeiro varão. Sobrevivesse o recém-nascido, a continuidade da dinastia de Avis estaria assegurada. A independência de Portugal, garantida”, aponta Roriz.

Logo aos três anos de idade, Sebastião já era o rei do poderoso Império Português. Em seu nome, governaram como regentes sua avó, Catarina de Áustria, e depois seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique de Évora. Com 14 anos, o garoto alcançou a maioridade e assumiu o trono.

Mas ele insistia em não se casar. Parecia muito mais interessado em realizar uma nova Cruzada, tardia, já que as ações militares contra muçulmanos haviam entrado em desuso desde o século 13. O monarca tinha uma justificativa para agir: a ideia de que Marrocos, vizinha da Península Ibérica, separada por poucos quilômetros de mar, se tornaria islâmica, reacendia os temores de uma nova tentativa de ocupação moura.

Histórico de conflitos

Os mouros entraram na Europa no ano de 711, já como parte do amplo movimento de expansão territorial do Islã. Os visigodos, de origem germânica, que ocupavam a Península Ibérica, estavam envolvidos em disputas tribais internas. Uma facção pediu ajuda ao líder árabe Musa ibn Nusayr, que naquele momento dominava boa parte do norte da África. Nusayr aproveitou a oportunidade e só parou de avançar 20 anos depois, quando foi barrado pelos francos a apenas 300 quilômetros de onde hoje fica a cidade de Paris.

A reconquista da península só se consumaria em definitivo no século 15. Ou seja, quando seguiu para o Marrocos, em vez de se preocupar em garantir um herdeiro para o trono de Portugal, Sebastião tinha como justificativa conter uma nova possível tentativa de invasão.

Atualmente, Alcácer Quibir é uma cidade de 140 mil habitantes, que certamente irão acompanhar atentos a transmissão da partida de futebol de sábado entre Marrocos e Portugal. Em Copas do Mundo, a situação de momento é de empate entre as duas inimigas históricas: uma vitória marroquina por 3 a 1 em 1986 e uma vitória portuguesa por 1 a 0 na edição de 2018.

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