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Mulher senta-se em um banco perto de uma instalação da artista libanesa Mireille Honein, com vários vestidos de noiva amarrados, denunciando o artigo do código penal libanês que permite aos estupradores casarem com suas vítimas para escaparem à prisão. A lei é comum em vários países do Oriente Médio, como a Jordânia | PATRICK BAZAFP
Mulher senta-se em um banco perto de uma instalação da artista libanesa Mireille Honein, com vários vestidos de noiva amarrados, denunciando o artigo do código penal libanês que permite aos estupradores casarem com suas vítimas para escaparem à prisão. A lei é comum em vários países do Oriente Médio, como a Jordânia| Foto: PATRICK BAZAFP

As histórias são horríveis - uma mulher conta que tinha apenas 20 anos quando seu chefe de 55 anos lhe deu duas pílulas, afirmando que curariam sua dor de cabeça. Ao invés disso, ela perdeu a consciência. Quando acordou, estava nua e percebeu rapidamente que tinha sido estuprada. 

"Não podia contar para minha família o que aconteceu. Eu chorei e chorei sem saber o que fazer", disse a mulher para o Equality Now, grupo de defesa dos direitos das mulheres. "Naquele momento me dei conta que minha família ficaria devastada". 

Ela só teve coragem de denunciar o crime quando percebeu que estava grávida. Mas então seu estuprador ofereceu uma oferta infernal: ele se casaria com ela. Na Jordânia, estupradores que casam com suas vítimas e ficam com elas por pelo menos três anos não eram punidos legalmente pelo crime que cometeram.

"Mesmo com todo o ódio que tinha no meu coração, minha família me forçou a casar com ele para salvar a 'honra da família'", contou ao grupo. Agora ela está divorciada e seu ex-marido se recusa a reconhecer seu filho. 

Em outro caso, uma menina de 14 anos foi sequestrada em um shopping, levada ao deserto e estuprada por três dias seguidos. O criminoso então concordou em casar com ela para evitar o tempo de prisão. 

Vitória das mulheres

Leis como essas existem em vários países do Oriente Médio, e grupos de mulheres têm trabalhado assiduamente por décadas para revogá-las. Parece que, finalmente, conseguiram ganhar na Jordânia. 

Semana passada, o gabinete do país votou em retirar a lei, conhecida como Artigo 308. A decisão agora foi aprovada no Parlamento, neste dia 1 de maio.

"Esse artigo da lei não só permitia que os perpetuadores da violência fiquem livres, mas os premiava permitindo que casem com as vítimas", afirma Nadia Shamrukh, membro da Women's Union da Jordânia. 

"Outro crime é cometido quando se aplicava essa lei. Como essa menina de 14 anos, menor de idade, pode casar com seu agressor? Você consegue imaginar isso?". 

Grupos de mulheres lançaram várias campanhas em prol da mudança da lei. Em alguns protestos, ativistas amarraram vestidos de noiva em cordas. Organizações internacionais também falaram sobre isso, atribuindo parte do aumento de assassinatos por honra a essa lei. "É um passo grande por parte do governo", disse a ativista Rana Husseini. "Normalmente, questões relacionadas às mulheres são deixadas de lado na Jordânia, mas o governo mostrou seriedade com esse voto". 

Foi um desafio ter aprovação no Parlamento. Israa Tawelbech, membra do Parlamento, afirma que "não tem nada de errado com o Artigo 208".

"Casos de estupro são raros na nossa sociedade. Algumas vezes meninas de menos de 18 anos perdem a virgindade para forçar a família a aceitar que casem com seus namorados", afirmou. "Aceitar o casamento como descrito no Artigo 308 é melhor do que deixar que essas meninas sejam assassinadas por seus pais ou parentes… o casamento é uma proteção". 

Os tempos são de mudança

Mas as coisas estão mudando na região. O Marrocos revogou uma lei similar em 2014, depois de uma menina de 16 anos ter sido forçada a casar com um homem que a agrediu. Amina Filali ficou tão consternada que se matou com veneno para rato. O caso se tornou um escândalo no país e no mundo. O Líbano também está prestes a revogar a sua versão dessa lei.  

Porém, Argélia, Barém, Iraque, Kuwait, Líbia, Palestina e Síria ainda têm leis que permitem que estupradores casem com suas vítimas para evitar punições legais. 

Independentemente da aprovação no Parlamento, os grupos de mulheres da Jordânia dizem que ainda há muito trabalho por ser feito. 

"Muitos problemas da nossa sociedade ainda precisam ser resolvidos", disse a ativista Ghada Saba. "Temos que mudar também o jeito que a sociedade pensa. O artigo não protege o estuprador somente na lei, mas também na nossa cabeça", explica. "Ainda existe a ideia que a mulher é uma carga, algo que pesa para a família, e que seu estupro precisa ser escondido".

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