No mais recente debate sobre o nacionalismo publicado pela National Review, o protagonista é Israel. Rich Lowry exalta o sionismo como um modelo de nacionalismo. Modelos são úteis. Nós os usamos quando precisamos falar de um conceito mas não temos certeza de como defini-lo: “Eu reconheço só de olhar”. Em Suicide of the West [“O suicídio do Ocidente”] (1964), James Burnham compilou uma lista de políticos, instituições e publicações que, “todos sabem”, são progressistas. Ele construiu uma crítica e, partindo de sua visão, denunciou a essência que todos compartilham. Podemos aplicar seu método para responder o significa o nacionalismo, mas primeiro precisamos reunir mais exemplos, não apenas um.
“O sionismo foi o movimento nacionalista mais inspirador do século XX”, escreve Lowry. Concordemos que tenha sido inspirador. Mas talvez você discorde, se for descendente de palestinos deslocados pela guerra de 1947-1949. Nesse caso, provavelmente você está sujeito a se inspirar em outro movimento nacionalista, algum que se oponha ao sionismo.
Nenhum tipo de nacionalismo pode ser analisado isoladamente. De certo ponto de vista, o sionismo exemplifica o nacionalismo, mas a verdade, de um ponto de vista mais amplo, é que ele foi criado como um contranacionalismo, uma reação ao antissemitismo das nações da Europa do século XIX. (Esse fato não nega os precursores antigos do sionismo moderno, como o exílio da Babilônia: “Se de ti, Jerusalém, eu me esquecesse...”). A motivação imediata para a Declaração de Independência do Estado de Israel, em 1948, foi o Holocausto, o resultado abominável do mais destrutivo movimento nacionalista do século passado.
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O Nacional Socialismo, no entanto, não era nacionalista, mas imperialista – era o projeto de uma nação de se sobrepor a outras: não sou eu que afirmo isso, é Yoram Hazony. Ele é um filósofo israelense, autor de The Virtue of Nationalism [“A virtude do nacionalismo”]e uma iminente presença no debate da National Review.
A gênese de qualquer nação envolve uma resposta defensiva a ameaças físicas. Essas ameaças apavoram e reúnem indivíduos pouco relacionados entre si, que se apressam em formar uma união uns com os outros. Famílias, clãs e tribos que se encontram geograficamente próximos e vivem os mesmos desafios de sobrevivência tendem a compartilhar um DNA, um idioma, uma história, uma religião, uma cultura, ou uma combinação desses elementos. Esses grupos se organizam para defender seu bem-estar comum de possíveis agressores, incluindo outras pessoas que já estejam organizadas e que tenham a vantagem da maioria ou da cooperação em projetos coletivos maiores. Foi através desse processo que os gregos formaram suas ilustres cidades-estados: a chamada “Synoikismos”, um conjunto de famílias e clãs.
O nacionalismo pode ser centrifugo ou centrípeto
Para aqueles que consideram o nacionalismo um sentimento político que o mundo deveria celebrar de forma geral, a nação é uma unidade de organização social de tamanho otimizado em vista da busca e da preservação do bem comum para o maior número de pessoas. A nação precisa ser grande, mas não pode ser muito grande. Ela cresce até o ponto em que atinge um limite econômico máximo; se crescer ainda mais, a nação começa a entrar em colapso.
Ao mesmo tempo, ela é a mais compacta que pode ser sem excluir ninguém que tenha io direito natural de a ela pertencer por nascimento, geografia ou algum outro critério. Não há nada de errado com uma organização multinacional – um nacionalista moderado poderia dizer – se ela servir a uma função econômica ou de segurança que já seja previamente definida. No entanto, ele imediatamente argumentaria que toda a população da União Europeia, por exemplo, é grande e diversa demais para que essa entidade política assuma o papel de uma nação-estado legitimamente democrática.
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Essa teoria sobre o nacionalismo é coerente. Considerando sua perspectiva, as linhas no mapa do mundo deveriam ser refeitas. Em 2019, a nação mais populosa (China, com 1,4 bilhão de pessoas, quase três vezes mais do que a União Europeia) é 127 mil vezes mais populosa que a última colocada (Tuvalu, a não ser que você queira considerar a Cidade do Vaticano). A área da Rússia é 3 milhões de vezes maior do que a de Mônaco. Os idiomas de 30% da China são incompreensíveis para a maioria da sua população que fala mandarim. A diferença é tão grande quanto a das línguas românicas, que são marcadores naturais das identidades nacionais distintas da Itália, da França e da Espanha. Seguindo um critério linguístico, a China, apesar de ser um Estado, não é uma nação unificada. Se fosse, então Espanha, França e Itália também seriam, junto com boa parte da Europa.
O Estado se esforça em manter sua identidade como nação quando um segmento de sua população – por exemplo, os escoceses no Reino Unido ou os catalães na Espanha – que se separar forma um Estado-nação menor e mais homogêneo. Movimentos separatistas são o micronacionalismo levado à sua conclusão lógica. Eles são e sempre serão parte inevitável do sistema, porque as sociedades são dinâmicas. Os mapas estão sempre mudando. As fronteiras precisam ser desenhadas em algum ponto. Algumas nacionalidades com identidade forte se encontrarão ou divididas por fronteiras – por exemplo, os curdos (na Turquia, Síria, Iraque e Irã) e os pashtuns (Paquistão, Afeganistão, Índia) – ou divididas por minorias (por exemplo, ucranianos que se identificam como russos) em Estados onde uma nacionalidade constitui a maioria.
A coesão de um Estado também pode atingir um ponto de tensão quando uma porção de sua população cede à atração oposta, identificando-se com um agrupamento populacional que vive além de suas fronteiras. A suspeita sob a qual o governo chinês lida com religiões organizadas, a Igreja Católica em particular, com sua forma altamente estruturada e sua sede global em uma capital estrangeira, é ofensiva às sensibilidades progressistas modernas, mas esse fato não surpreende, devido ao nacionalismo feroz que atravessa a retórica de Pequim e que modela a política interna de Xi Jinping.
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No extremo oeste chinês, o governo persegue uma minoria religiosa e étnica, os uigures, em uma campanha para reprimir sua autopercepção como estrangeiros e levá-los a adotarem uma versão mais completa da identidade chinesa. O princípio da soberania vestfaliana se choca com o imperativo moral de intervir nos assuntos internos de outro Estado quando seu povo precisa de ajuda humanitária (por exemplo, a Venezuela) ou quando seus direitos humanos são violados, como na China. Organizações supranacionais são inventadas em parte para coordenar intervenções apropriadas e em parte para prover um fórum de deliberação, em qualquer caso, quando forem necessárias.
Expandir ou juntar? Dividir, como uma ameba, ou manter uma homeostase? Essas perguntas são constantes para qualquer Estado, mesmo que raramente feitas de forma explícita. Os Estados estão sujeitos tanto a forças centrípetas (que, por exemplo, levam nações a formar a União Europeia) quanto a forças centrífugas, que fazem os catalães quererem a separação da Espanha, os venezianos da Itália, etc. Todos que defendem o nacionalismo têm em mente um determinado grau de nacionalismo que seria o mais adequado. Esse grau varia de nacionalista para nacionalista. O catalão separatista é um nacionalista da Catalunha. Para um nacionalista em Madri, ele é um traidor da Espanha.
Quando um nacionalista percebe que seu Estado-nação começou a se fragmentar, ele enfatiza o sentimento que ajudou na sua formação. A necessidade era de se expandir. Pequenos pelotões, estendendo a mão, juntaram forças para formar um corpo maior: E pluribus, unum. O nacionalista que impele seus vizinhos a colocarem suas diferenças de lado em prol de um bem maior acha que a Escócia deve permanecer no Reino Unido. Mas ele também deve achar que o Reino Unido precisa deixar a União Europeia: Ex uno, plures. Nesse espírito, ele pode se associar a nacionalistas de outras nações, em um movimento internacional de nacionalistas. Eles sonham com uma nova ordem global, criada por novos arquitetos (eles mesmos) e governada por novos chefes (adivinha quem?).
São infinitas as ambiguidades inerentes ao termo “nacionalista”. Elas se comparam às ambiguidades inerentes ao conceito de nacionalidade. Uma peculiaridade do inglês e de outras línguas modernas nos leva a cometer um equívoco: a palavra “nação” adquiriu um significado além do original de nacionalidade, ou etnia, de um povo cujos membros estão relacionados intimamente, geralmente por sangue (no original, natio em latim significa “nascimento”). Hoje, utilizamos com frequência a palavra “nação” com o sentido de “Estado”. Mas nem toda nação, ou nacionalidade, tem um Estado em si – pergunte aos curdos, por exemplo. E nem todo Estado corresponde a uma única nacionalidade. Israel foi fundada por judeus, mas uma considerável minoria de seus cidadãos é árabe.
Os Bálcãs e o lado negro do nacionalismo
Alguns Estados multinacionais se destacam mais do que outros. Você se lembra da Iugoslávia, que foi uma tentativa de federação dos povos eslavos no sul da península balcânica? A unificação de mais de meia dúzia de Estados na península italiana, do outro lado do Mar Adriático, no século XIX, tinha provado que um experimento político desse tipo era viável. A era do romantismo nacionalista no continente estava em seu auge. Bem quando a campanha para o Risorgimento italiano estava começando a ganhar força, intelectuais croatas do movimento ilírico reavivaram a ideia de que os eslavos do sul também estavam destinados a se unificar. O conceito foi gestado por quase um século antes de seu surgimento no fim da Primeira Guerra Mundial, que foi iniciada por um nacionalista sérvio que assassinou o herdeiro ao trono austro-húngaro. A ordem mundial da época havia tornado os Bálcãs, por muito tempo um caldeirão de descontentamento político, uma miscelânea de protetorados.
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Internamente, eles discordavam sobre onde as linhas separando seus territórios deveriam ser desenhadas. As diferenças linguísticas e culturais entre cada identidade nacional tendiam a ser sutis – e frequentemente discutíveis. Em geral, a compreensão mútua entre os idiomas da região era (e continua sendo) alta. Em 1850, oito linguistas e homens das letras, que eram eslavos do sul, se encontraram para fechar o Acordo Literário de Viena, que estabeleceu a base para uma linguagem formal compartilhada entre sérvios e croatas e articulou algumas regras de gramática e ortografia para os diferentes dialetos da região. Em conjunto, sérvio e croata ainda são consideradas por muitos como uma língua única, servo-croata, que pode ser escrita em dois alfabetos, cirílico (sérvio) e latino (croata), embora alguns croatas insistam na singularidade de sua língua materna e detestem a possibilidade de ter algo em comum com os sérvios.
Nikola Tesla nasceu na Croácia, mas seus pais identificavam sua própria etnia como sérvia e eram membros da Igreja Ortodoxa (a maioria dos croatas são católicos). Tesla descrevia sua nacionalidade com cuidado, acenando para ambas as origens e pincelando a história confusa da península, que foi desfigurada por um narcisismo de pequenas, e em alguns casos infinitesimais, diferenças. No início do século XX, os eslavos do sul haviam compilado uma longa lista de queixas históricas, uns contra os outros e também contra os grandes poderes regionais.
A Iugoslávia que o mundo conheceu deixou de existir em 1992, quando as nacionalidades que a constituíam começaram a separar-se e a declarar independência, formando Estados-nações. A disputa de fronteiras entre a Croácia e a Sérvia levou a uma campanha de limpeza étnica de ambos os lados. Cada um reclamou a terra do outro e tentou expulsar o povo dela. Enquanto isso, macedônios, montenegrinos, bósnios muçulmanos e albaneses kosovares também pegaram em armas. Aqueles que não pegaram em armas ficaram no fogo cruzado. As guerras duraram uma década e dizimaram grande parte dos Bálcãs. Cerca de 0,6% da população da ex-Iugoslávia foi morta e 17% foi desalojada. A parte inferior da Iugoslávia que permaneceu chamava a si mesma de “Iugoslávia”, mas na verdade era apenas a Sérvia e os aliados (ou dominados) Montenegro e Kosovo. O nome e a ficção da “Iugoslávia” foram definitivamente abandonados em 2003. Montenegro se libertou da Sérvia em 2006. Os kosovares ainda lutam para fazer o mesmo. Entretanto, o sentimento separatista é forte na República de Srpska, uma parte da Bósnia e Herzegovina, onde os bósnios muçulmanos e os croatas bósnios constituem a maioria; em Srpska, 83% dos moradores são sérvios.
“A Europa passou 73 anos sem guerra”, tuitou o Washington Post em julho do ano passado, deixando claro um ponto cego em muitas discussões contemporâneas sobre o apelo do nacionalismo. Os demônios do lado negro do nacionalismo não morreram com a Segunda Guerra Mundial. Eles só deram um tempo.
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No contexto histórico, as atrocidades das guerras iugoslavas da década de 1990 aparecem como uma retomada das hostilidades que irromperam nos Bálcãs durante os anos 1940 e que só foram interrompidas com a derrota das potências do Eixo. A Alemanha invadiu a Iugoslávia em 1941 e esculpiu um Estado nominalmente independente para os croatas, cuja literatura nacionalista trazia a teoria de que eles eram germânicos por sangue. Os nazistas aceitaram isso; seu desdém oficial pelos eslavos complicaria seu apoio ao que eles consideravam um aliado necessário na região. O Ustaše, um movimento nacionalista croata ligado aos fascistas de Mussolini, assumiu a liderança do Estado fantoche (respondeu à Alemanha e, até 1943, à Itália) e matou um sexto dos sérvios residentes, 90% dos judeus, e quase todos os ciganos. A sede de sangue dos Chetniks, um movimento nacionalista sérvio, chegou perto de rivalizar com a do Ustaše. Os superintendentes alemães e italianos do Ustaše expressaram preocupação com a selvageria dos soldados croatas que mutilaram os corpos de suas vítimas.
A evocação de muitos sentidos, a ambiguidade das conotações
Poderíamos dar exemplos de mau nacionalismo durante um dia inteiro. Para aumentar nossa amostra, vamos colocá-los ao lado de exemplos de nacionalismos inspiradores, presentes nos textos de Lowry, Hazony e outros. Meu propósito ao revisitar os Bálcãs não é argumentar que cantar o hino nacional ou adotar certas políticas comerciais ou de imigração terminaria em campos de extermínio e limpeza étnica. Eu apenas pretendo ilustrar o custo retórico de carimbar o nome “nacionalismo” nas políticas, nas filosofias ou nas visões de mundo que apresentamos ao público em geral. A palavra tem associações históricas. Algumas são atraentes, como tem sido eloquentemente exposto em detalhes na National Review, mas outras são repugnantes. Se tenho uma visão política da qual quero persuadir meus leitores, complico meu trabalho chamando-a de “nacionalismo”.
Se você quisesse reabilitar a palavra, poderia endossar o “nacionalismo” na manchete e depois explicar nas letras miúdas que o sentido em que você a usa exclui o Ustaše e tudo mais, mas não acho que a tentativa seria prudente ou capaz de gerar frutos. As várias conotações da palavra estão neste ponto tingidas profundamente em seu tecido, e mais leitores simplesmente se ateriam ao cabeçalho da página ou à capa do livro do que examinariam as nuances do seu argumento. Eles poderiam presumir que você ignorou, minimizou ou até mesmo tentou contrabandear uma história revisionista das enormidades mais infames que foram perpetradas em nome do nacionalismo na Europa moderna e em outros lugares.
Essa questão retórica, de que a palavra “nacionalismo” é repleta de associações ameaçadoras, é um desdobramento do problema fundamental de que o alcance do significado da palavra é amplo. Para algumas pessoas, “nacionalismo” significa “promover os interesses do Estado de que sou cidadão”. Para outras, significa “celebração do meu povo, com quem compartilho sangue, terra, língua, um vínculo emocional”. Para outras ainda, a definição da palavra consiste em várias combinações dos componentes desses dois conceitos, o nacionalismo cívico e o etno-nacionalismo.
Imagine três vizinhos que compartilham um amor profundo por seu povo, sua língua, sua religião, sua história e sua cultura – isto é, também um pelo outro. Cada um ordena suas identidades e lealdades correspondentes em uma hierarquia diferente das outros dois. Um é feliz o suficiente para ser um cidadão de Veneza, mas não se engane: a bandeira que ele saúda sempre será Il Tricolore, o estandarte italiano. Outro, guardando em seu coração a memória da Sereníssima República de Veneza, é o filho devoto de seu páis – mas, primeiro, de sua cidade. O terceiro vizinho, um separatista para quem a incorporação de Veneza na Itália sempre foi um erro que clama aos céus por correção, reza a Santo Antônio de Pádua pelo futuro Estado independente da Padânia. Cada um se considera um nacionalista e vê os outros dois como compatriotas cujo amor à pátria, embora possa ser sincero, é, infelizmente, desordenado. Algum deles está errado?
O termo “nacionalismo” evoca muitos sentidos e possui diversas conotações. Por isso, falha na função de dar voz a ideias políticas que precisam ser claras.
Tradução de André Luiz Costa.
©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.