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Entrevista Yoram Hazony

“Nada é mais importante do que viver uma vida conservadora”

Yoram Hazony é autor de A Virtude do Nacionalismo, publicado no Brasil em 2019, e acaba de lançar um livro (por ora, apenas em inglês) que disseca os princípios do conservadorismo anglo-americano
Yoram Hazony é autor de A Virtude do Nacionalismo, publicado no Brasil em 2019, e acaba de lançar um livro (por ora, apenas em inglês) que disseca os princípios do conservadorismo anglo-americano (Foto: Reprodução YouTube)

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O autor israelense Yoram Hazony é um dos nomes mais influentes de um grupo de pensadores que pretendem causar uma correção de rota no movimento conservador. Em sua obra, ele enfatiza a importância da tradição e argumenta que o liberalismo clássico não é capaz de preservar aquilo que dá sentido à existência humana: a religião, a família, a comunidade e, sim, o Estado nacional. Para Hazony, a ideia de um espaço público neutro, em que os valores morais são relegados à esfera privada, não passa de um mito.

Doutor em Teoria Política, judeu ortodoxo e pai de nove filhos, Yoram Hazony se divide entre Israel e os Estados Unidos. Ele preside o Instituto Hertz, em Jerusalém, e a Fundação Edmund Burke, com sede em Washington D.C. A fundação é responsável pelas concorridas conferências do Conservadorismo Nacional (“National Conservatism”), que reúnem intelectuais e políticos de primeira grandeza para debater o futuro do conservadorismo.

Hazony é autor de A Virtude do Nacionalismo, publicado no Brasil em 2019, e acaba de lançar um livro (por ora, apenas em inglês) que disseca os princípios do conservadorismo anglo-americano. O livro ganhou o título de Conservatism: A Rediscovery (em uma tradução livre, "Conservadorismo: Uma Redescoberta"). Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, ele lista as falhas do liberalismo, defende o papel central da religião e faz recomendações aos conservadores brasileiros.


Gazeta do PovoEm seu novo livro, você analisa os fundamentos do conservadorismo anglo-americano. O quanto desses princípios pode ser exportado para países com uma tradição diferente, como o Brasil?

Yoram Hazony — Há duas partes nisto, e você encontra ambas no meu novo livro sobre o conservadorismo. Uma parte é: podemos fazer afirmações gerais sobre seres humanos. Tendo uma antropologia ou uma teoria da natureza humana correta e uma compreensão do que são os seres humanos, é possível desenvolver uma teoria geral que se aplique aos seres humanos em diferentes tempos e lugares. Claro, é sempre possível que você deixe passar algo, mas nós podemos dizer que existe uma visão conservadora ou realista da natureza humana, segundo a qual, por exemplo, seres humanos não nascem indivíduos; eles são criaturas sociais, que nascem em famílias, tribos e nações. E as obrigações deles — não só a forma de fazer as coisas, mas obrigações morais e políticas —- têm a ver com a sociedade em que eles nascem. Você pode ver que uma afirmação como essa, que é tipicamente conservadora, por um lado admite que existe uma natureza humana válida em qualquer lugar, que eu e você temos em comum independentemente do nosso país de origem, e por outro lado afirma que a tradição e a experiência dos seres humanos em diferentes sociedades, capturadas em diferentes tradições, varia muito. Então, os conservadores não vão ser necessariamente iguais na Grã-Bretanha, em Israel, na Rússia e no Brasil. Diferentes nações vão ter diferentes tradições conservadoras, e nesse sentido o conservadorismo não é como o liberalismo. O liberalismo é uma teoria universal, que se aplica a todas as pessoas, em todos os lugares, em todo o tempo. O marxismo é uma teoria universal. Mas o conservadorismo vai ser diferente em lugares diferentes. Ainda que ele reconheça que, na base, existe algo que une todos nós, na prática, nós temos tradições muito diferentes e eu teria de aprender mais sobre as tradições do Brasil para saber o que é apropriado para o Brasil.

Existe conservadorismo fora do contexto ocidental? A ideia de um conservador chinês, por exemplo, faz algum sentido?

Poderia fazer sentido. Veja, como eu não sou um especialista em China, eu não quero te dizer com certeza, mas em princípio os chineses têm, sim, tradições políticas e religiosas milenares. E alguém poderia dizer: “Eu acho que o Partido Comunista nos conduziu em direções que não são adequadas para as tradições chinesas.” Alguém que dissesse isso estaria se referindo a textos tradicionais, e a modos de vida tradicional, e afirmando “Eu gostaria de restaurar algumas dessas coisas”. Então, nesse sentido, você certamente poderia ter um conservador chinês. Mas eu não sei que um conservador chinês necessariamente chegaria ao tipo de teoria constitucional que é comum na tradição anglo-americana. De forma mais ampla, você pode dizer que qualquer sociedade cristã, como o Brasil (além de suas raízes portuguesas e indígenas), é parte de uma tradição bíblica. Alguns conservadores certamente poderiam dizer “Muitos séculos da fundação da nossa visão de mundo estão na Bíblia. Nós precisamos fortalecer esse elemento na nossa tradição”. Neste caso, um conservador brasileiro poderia compartilhar muitas coisas com conservadores de outros países.

O quão importante é a religião nesse contexto? É possível ter uma sociedade estável e duradoura sem um consenso básico sobre de onde nós viemos e quais são as coisas mais importantes na nossa existência?

Há perguntas diferentes aí. Uma diz respeito à estabilidade. E, como você sabe, é possível, por meio da aplicação de uma força excessiva e da tirania, criar uma sociedade estável, e uma das perguntas centrais no pensamento político bíblico e o pensamento político ocidental lida com a possibilidade de se ter uma sociedade estável sem a ameaça constante da força excessiva. Esta questão tem a ver com a natureza humana. No livro, um dos meus argumentos segue os pensadores conservadores anglo-americanos ao dizer que, se uma sociedade tem uma estrutura geral e ampla para a forma como vê o mundo, essa estrutura — um conjunto básico sobre, como você disse, quem somos nós, o que nós estamos fazendo aqui — se desenvolve ao longo do tempo algo que pode ser chamado de “senso comum” — um senso que a maior parte das pessoas tem, na maior parte do tempo. Elas não concordam em tudo, mas concordam quanto aos limites de comportamento legítimo em público e em privado. Segundo os pensadores conservadores, esse senso comum permite que o governo seja muito mais leve, muito mais generoso. Se as pessoas regulam a si mesmas, têm guard rails próprios e sabem o que fazer e o que não fazer, então o governo não precisa dizer a elas o que fazer a todo o tempo para manter a ordem e a estabilidade. Na tradição judaica e cristã, em geral é isso que nós estamos procurando. Se estamos na tradição bíblica, estamos procurando o tipo de visão de mundo que permite às pessoas regular a si mesmas de forma que o governo não precise fazê-lo a todo o tempo.

A ideia liberal clássica da “busca pela felicidade”, mencionada na Declaração de Independência dos Estados Unidos, deixou de ser benéfica com a erosão da religiosidade? 

Sim, definitivamente. Mas permita-me começar dizendo que a ideia de que os Estados Unidos foram fundados no liberalismo clássico é um mito do século 20. Na verdade, existem pelo menos duas escolas principais na fundação dos Estados Unidos. Você pode dizer que Thomas Jefferson e Thomas Paine representam o liberalismo clássico no contexto americano. Eles também apoiaram a Revolução Francesa. Mas há uma linhagem muito mais conservadora, que é mais consciente da importância da tradição, da importância do Estado e da importância da Constituição; todas essas são coisas com as quais os liberais clássicos estão menos preocupados e das quais eles estão menos conscientes; e o partido do George Washington, que escreveu a Constituição e governou pelos primeiros 12 anos, é na verdade um partido mais conservador-nacionalista. Então, o desaparecimento do Cristianismo como uma característica do governo dos Estados Unidos não é algo que acontece na primeira geração de americanos. Não é algo que acontece na segunda geração. Mas você diz, corretamente, que ao longo de 200 anos, mas especialmente no século 20, existe um ataque ao Cristianismo e à Bíblia, e mais adiante um ataque contra a moralidade pública baseada no Cristianismo e na Bíblia. Só podemos dizer que os Estados Unidos se tornam um país liberal em 1947, quando a Suprema Corte pela primeira vez insistiu na separação entre a Igreja e o Estado, e decidiu que é inconstitucional ter o governo ativamente apoiando a religião. As duas coisas são verdadeiras, e um conservador precisa estar disposto a aceitar a realidade de ambas. Então, a Bíblia é removida pela Suprema Corte de todas as escolas nos anos 1960, e a oração e Deus são removidos de todas as escolas em 1963. E agora, 60 anos depois, a estrutura geral dos Estados Unidos como uma sociedade que tem normas bíblicas deixou de existir quase que completamente. Primeiro eles estavam brigando por causa da nação, da família. Agora eles estão brigando sobre se um homem pode ser uma mulher e uma mulher pode ser um homem. E, claro, todos esses argumentos são completamente impossíveis em uma estrutura tradicional cristã ou bíblica.

Quando se trata de moralidade, é possível ter um espaço público neutro ou esse é um mito? 

Isso sempre foi um mito, um mito liberal. É muito difícil de encontrar esse tipo de neutralidade, por exemplo, na fundação dos Estados Unidos. A Constituição americana não é neutra; ela reconhece a legitimidade de religiões estabelecidas pelo Estado em qualquer estado nos Estados Unidos que queira tê-la. Se você começar a olhar para políticas específicas, desde o início os americanos acreditavam que as tribos indígenas nos territórios dos EUA tinham que ser convertidas ao Cristianismo. O governo federal gastou dinheiro para mandar missionários converterem os indígenas ao Cristianismo. Então, obviamente o Estado deles nunca foi neutro, e eles não pensavam que deveria ser neutro. A ideia de que você pode ser neutro a respeito de temas fundamentais morais ou religiosos é, novamente, uma ideia do século 20 e não funciona. Obviamente, a ideia da tolerância, de permitir a liberdade para dissentir e ser diferente, é uma ideia muito mais antiga. E se você pegar um pensador do século 18 como Vattel ou Montesquieu, vai vê-los dizendo que o Estado não tem que ter sempre uma religião em particular como oficial. Há alguns países em que há uma, e há alguns países em que há duas, e há outros países que, tendo uma ou duas religiões oficiais, também reconhecem todos os tipos de minoria, e asseguram liberdades a estas minorias. Israel e a Grã-Bretanha são exemplos. Mas eu penso que o ponto principal aqui é que na fundação dos Estados Unidos, ninguém, em partido algum, e eu incluo Thomas Jefferson, era tão liberal a ponto de pensar que as pessoas deveriam poder operar seitas satânicas e usar isso para conquistar a população e afastá-la da moral básica. Essa teoria não existia até o século 20.

Você acredita que essa promoção de Paradas do Orgulho LGBT estão se transformando em uma espécie de religião, com ritos próprios e uma espécie de perseguição aos heréticos? Ou seja, o apagamento da religião tradicional deixou um vácuo preenchido por forças ideológicas como essa?

Sim, eu diria que isso é correto. A teoria dizia que se você eliminasse Deus e a Bíblia da esfera pública e os tornasse privados e as pessoas falassem sobre Deus e a Bíblia no domingo de manhã por uma hora ou duas, a sociedade seria menos agressiva, menos inclinada a perseguir as pessoas, mais tolerante e, em geral, um lugar melhor para viver. E essa teoria se revelou falsa, porque o vácuo que foi criado começou com substituir o Cristianismo pelo liberalismo. Então, no começo, em vez de ser uma democracia cristã, os países ocidentais se tornaram democracias liberais. Mas o liberalismo não é estável, e esse também é um argumento no meu novo livro. O liberalismo não pode ser estável porque ele envolve a remoção da tradição. O que ele faz é primeiramente substituir o Cristianismo e a Bíblia e depois ele devora a si mesmo e dá origem a novas religiões, como o neomarxismo woke que conquistou a maior parte das instituições liberais nos EUA e na Europa nos últimos três anos.

O que você acha da ideia de que os conservadores precisam formar as próprias comunidades e viver próximos um dos outros, proposta por Rod Dreher no livro A Opção Beneditina?

Eu sou um judeu ortodoxo. Eu vivo em uma comunidade onde a maior parte das pessoas é de judeus ortodoxos — não todos. Nós temos 15 sinagogas na minha rua. E nós enviamos nossos filhos para escolas ortodoxas judaicas. Em Jerusalém nós temos muitos tipos de escolas diferentes, mas meus filhos crianças estudam com judeus ortodoxos. Eles não estudam com cristãos ou muçulmanos, e eles com certeza definitivamente não estudam com neomarxistas woke. Para começar, Rod Dreher está propondo que os cristãos façam algo que, eu penso, é simplesmente senso comum. Em uma comunidade ortodoxa judaica, obviamente nós temos nossas fraquezas e problemas, mas tudo é focado em ensinar nossas crianças como ser bons judeus ortodoxos. A sociedade inteira é construída em torno desse objetivo de conservar, fortalecer e propagar para gerações futuras um conjunto de ideias, textos e uma forma de vida  que nós consideramos essenciais para o que é verdadeiro e bom. Sinceramente, quando eu leio o livro do Rod e ele diz que os cristãos deveriam fazer isso também, eu pergunto a mim mesmo “Quem poderia ter algum dia pensado que os cristãos não devessem fazer isso?”. É um pouco maluco alguém pensar que pode mandar seus filhos todos os dias, o dia todo, a uma escola onde ninguém menciona Deus, ninguém menciona a Bíblia e ninguém fala sobre tradição, e depois esperar que seus filhos saiam de lá sendo cristãos. É impossível. Então, claro que Rod está correto que, se cristãos querem sobreviver e serem capazes de passar a seus filhos aquilo que eles herdaram, eles precisam construir comunidades que se pareçam com as comunidades ortodoxas judaicas. Mas, para ser claro, isso não significa se retirar da sociedade, não participar na política e não contribuir com o seu país. Não estou dizendo nada disso. Nem o Rod, aliás. O que ele está dizendo é que a única forma de proteger sua cultura e sua tradição é por meio de sociedades que são, de alguma forma, separadas, mas que, claro, a liderança dessas comunidades — líderes culturais políticos, autores, jornalistas, todos os tipos de pessoas proeminentes — vai estar envolvida com a sociedade exterior, ajudando a influenciar a direção para onde o país está indo, na medida do possível.

De acordo com as pesquisas mais recentes, esse senso de comunidade e o vínculo com a religião também parece tornar as pessoas mais felizes. Este é um benefício acidental do modo de vida tradicional?

Sim, eu acredito que a maioria deles é feliz, mas a palavra “feliz” é um pouco vaga. Muitas pessoas não a compreendem. Elas pensam que se você briga com sua esposa e não se sente feliz, isso significa que você precisa divorciar-se dela para ser feliz. Estou exagerando um pouco, mas não muito. O casamento é doloroso e difícil, criar os filhos é doloroso e difícil, servir no Exército é doloroso e difícil, ser parte de uma sociedade política saudável também é doloroso e difícil. A tradição cristã e judaica compreendeu muito bem que existem obrigações que, no curto prazo, são muito difíceis, e, portanto, podem fazê-lo infeliz, mas que no longo prazo compensam e são imensamente recompensadoras. Então, uma pessoa que se divorcia porque briga constantemente com a esposa, bem, talvez seja a coisa certa a fazer mas, na maioria dos casos, se o casal realmente compreende a importância de permanecer junto e trabalha nisso até que funcione, no fim eles têm um tipo de felicidade que não é conhecido pelas pessoas liberais que sempre estão tentando fazer o que parece melhor para elas. Tem um verso famoso no livro de Salmos: “Aqueles que plantam em lágrimas vão colher em alegria”. É uma visão muito básica cristã e judaica: as coisas que no fim das contas lhe trazem mais felicidade são coisas que são difíceis e, se você não cresce nesse tipo de sociedade é muito difícil até mesmo de ouvir esse tipo de mensagem, e ainda mais difícil compreendê-la. Quando você é criança, você precisa ver adultos que a estão praticando. Adultos que sabem como suportar dificuldades para tornar as coisas felizes no longo prazo. É muito difícil entender se você não foi criado com isso e sua ideia de amor e amizade vem da televisão ou filmes. As palavras não têm o significado que elas deveriam ter para você.

Os conservadores gostam de enfatizar a importância da família nuclear, geralmente em resposta às ideias progressistas de que você pode ter três pais numa mesma família, ou uma mãe solo. Mas você defende a primazia da família tradicional. Qual é a diferença?

A família nuclear é uma casa que é imaginada como tendo uma mãe, um pai e dois ou três filhos. A ideia de que esse tipo de lar é um modelo surgiu na era liberal e não se tornou uma realidade para a maior parte das pessoas até a Revolução Industrial. A industrialização remove as pessoas das fazendas e as manda para cidades. Ela as retira de um contexto tradicional e as coloca em um contexto no qual as coisas estão sendo decididas com base na escolha e em contratos. Há muitas coisas boas na industrialização, e eu não quero argumentar contra a industrialização em si, mas nem todos os efeitos da industrialização são bons para os seres humanos. E um dos mais destrutivos aspectos da mudança para uma vida industrial urbana, baseada em contratos, é a criação de uma força de trabalho altamente mobilizada que está constantemente mudando de lugar para lugar e não tem a capacidade de viver no contexto de uma família tradicional. A família tradicional, isso também está no meu livro novo, foi em primeiro lugar construída sobre a presunção de que cada lar é um negócio economicamente produtivo. Cada lar é um negócio. Não é que o pai vai para o trabalho, a mãe fica em casa e as crianças vão à escola. O pai, a mãe, as crianças e com frequência os avós, às vezes tios e tias, podem estar morando na mesma casa ou na mesma vizinhança, e por sua vez toda essa família estendida é parte de uma congregação religiosa que também é feita de famílias estendidas. Você tem uma forma de vida na qual existe uma obrigação vitalícia entre pais e filhos. Não termina quando você tem 18 anos, vai para a universidade, nunca retorna e passa a ver os seus pais uma vez por ano no Dia de Ação de Graças ou no Natal. Os filhos têm obrigações vitalícias com os pais, incluindo a de cuidar deles quando eles envelhecem. Os pais têm obrigações vitalícias de ensinar seus filhos e ajudá-los a suceder na vida. E, no mesmo sentido, há uma rede de relacionamentos com os pais, tios, tias, primos, e os primos distantes, e as pessoas na sua igreja ou sinagoga. É claro que algumas pessoas se mudam e outras chegam, mas o cerne da questão são os relacionamentos vitalícios. Esses relacionamentos vitalícios, tanto na família quanto na comunidade, permitem que haja um grau muito maior de confiança, uma disposição muito maior de ajudar uns aos outros. Isso significa que, quando surgem dificuldades, há um uma quantidade de recursos muito maior para ajudar. Se, em uma família tradicional, um de seus filhos é um adolescente, e ele ou ela se rebela por não gostar da forma que a família é gerida (o que é natural para muitos adolescentes), ele pode ir para os avós, ele pode ir para o tio e tia, para os anciães da igreja, ou o policial local. Tem todo o tipo de pessoa que você conhece por muitos e muitos anos e nas quais você pode confiar nesses em tempos difíceis. A ideia da família nuclear é um construto imaginário segundo o qual tudo de que você precisa é um pai e uma mãe — não importa se eles cortaram os laços com os pais deles aos 18 anos, e se agora os filhos também vão cortar os laços com os pais deles quando atingirem os 18 anos. Nela, a vida em família não acontece durante o dia, porque o pai está no trabalho, o filho está na escola e a mãe provavelmente trabalha também, então todo mundo está fora da casa; acontece apenas por duas horas de noite quando esses estranhos se reúnem e descobrem que eles não têm algo em comum, e desejam que eles não estivessem juntos para que eles pudessem voltar a estar com qual seja o grupo deles. E então as pessoas dizem “Por que a mãe é tão infeliz?”, “Por que ela está tomando antidepressivos?". Eu vou dizer por que: porque ela está sendo cobrada para cuidar do lar numa situação em que não há um lar. Se você quer um lar, você precisa pensar que o lar é um negócio. Não é que o homem trabalha e a mulher não. Homem e mulher trabalham juntos. Essa é a tradição. Eles têm filhos e criam os filhos juntos. E então eles ajudam a criar os filhos dos vizinhos. Os netos. E esse é um tipo de sociedade em que é possível se sentir melhor e sentir que as coisas estão se saindo bem de uma forma que é impossível para a maioria das pessoas na família nuclear. Há muitas coisas que os conservadores hoje não entendem sobre a vida de duas ou três gerações atrás. Muitos deles não entendem Deus, não entendem a Bíblia, e não entendem a religião. Mas eles também não entendem a família. Eles não sabem como ela funciona. Eles nunca estiveram em uma comunidade em que houvesse famílias fortes, e por isto não têm ideia de como é. Eles não sabem por que a congregação religiosa existe e também não sabem nem mesmo para que a nação existe. OK, então nós vamos mudar nossas fábricas para outro país. Que diferença vai fazer, desde que o trabalho seja feito de forma mais barata? Esta é uma ideia liberal, não conservadora.

É possível dizer algo parecido sobre a cultura americana de que os jovens precisam sair de casa aos 18 anos para ir à faculdade? Muitos jovens criados em ambientes tradicionais ou conservadores se veem de repente cercados por progressistas. 

Sim, e em um campus em que não há modelos adultos a seguir. Porque na universidade em que todo mundo está em dormitórios, os estudantes vão à aula algumas vezes por semana, mas os professores apenas dão aula; eles não são modelos a seguir. Você não vê como eles vivem, você não aprende como eles vivem. É a mesma coisa com a administração da universidade. O trabalho deles é muito raso. Na maior parte dos lugares, ninguém na administração da universidade ou do corpo docente pensa que o trabalho deles inclui ser um modelo de como viver a vida em família, na congregação religiosa, na nação. Então, os estudantes não só ingressam em um lugar que é completamente liberal, praticamente não tem tradição e não tem moral, mas ingressam também em um lugar sem adultos que eles possam adotar como exemplo.

Tradicionalmente, os conservadores costumavam ver os comunistas com os principais adversários e o setor empresarial como um aliado. O quanto deste cenário ainda é válido, agora que muitas empresas têm abraçado causas radicais da esquerda progressista?

As empresas, a igreja e qualquer outra instituição que você pode pensar, só são aliados adequados para os conservadores se defenderem e promoverem a tradição nacional e religiosa. Há lugares, como o Reino Unido, onde a igreja foi completamente tomada pelo neomarxismo woke. Um conservador acredita que deve estabelecer comunidades religiosas conservadoras, como discutimos antes, e não vai dizer que você deve mandar seus filhos para serem influenciados por uma igreja cujas ideias são antitradicionais e antibíblicas. O mesmo vale como verdade para as empresas, e os militares. Todas essas instituições têm um lugar importante na sociedade tradicional. Mas em uma situação em que elas concordem com a remoção dos valores que são herdados, você não deve se aliar com elas naquele momento.

Na América do Sul, conservadores e anticomunistas tendem a ver os Estados Unidos como o principal aliado do ponto de vista geopolítico. Mas isso tem mudado conforme o governo americano tenta impor pautas como a agenda LGBT e o aborto. É preciso deixar de lado a ideia de que os Estados Unidos são uma força benéfica?

A ideia de independência nacional significa avaliar quais estados e governos estrangeiros o ajudam a avançar nos seus interesses, e isso muda. Isso vai e vem. Tudo na sociedade humana tem altos e baixos. Historicamente há muitas coisas boas nos Estados Unidos e na tradição americana. E quando os americanos estão lutando contra o comunismo, geralmente eles são um bom aliado. Mas definitivamente, no contexto atual, todos precisam entender que os Estados Unidos são um país profundamente dividido, e que há ainda liberais antimarxistas fortes, há um movimento conservador em ascensão que definitivamente poderia ser um bom aliado para cristãos no Brasil — e não apenas cristãos, mas qualquer um que queira uma sociedade decente e moral. Mas com certeza há forças muito influentes que são perigosas para os americanos. Você não vai querer importar essas forças para o Brasil.

Que tipo de conselho você daria, do ponto de vista prático, aos conservadores no Brasil que querem influenciar o futuro do seu país?

A primeira coisa que você deve fazer é se casar, se mudar para uma comunidade cristã forte, retirar seus filhos de escolas onde eles estão ensinando esse lixo e as colocar em escolas que são baseadas na tradição cristã. Essa é a coisa mais importante que alguém pode fazer: assegurar que você esteja vivendo uma vida conservadora. Porque, se você está falando sobre ideias conservadoras, mas a sua vida é uma vida liberal — você espera chegar até os 35 anos para se casar, você não sabe se quer ter filhos, você não serve as Forças Armadas, não vai à igreja, não é parte de uma comunidade, não vê os seus pais —, toda a conversa sobre ideias conservadoras é irrelevante. Você não vai saber do que está falando. Você tem de viver uma vida que sirva um exemplo para outras pessoas, e que lhe ensine quais são as coisas certas a fazer, por tentativa e erro. Esta é a coisa mais importante. Uma vez que você está vivendo uma vida conservadora, você pode se candidatar a um cargo público, pode abrir um negócio, abrir uma escola ou universidade, escrever livros, administrar um jornal. Mas primeiro você precisa viver uma vida conservadora.

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