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Com cabelos espetados ou desgrenhados, às vezes curtos e de cores chamativas, tatuagens coloridas nos braços, calças jeans e decotes. Poderia ser alguma estrela do rock, mas trata-se de uma pastora ordenada luterana (mais especificamente da Evangelical Lutheran Church in America, um ramo evangélico progressista) de Denver, no Colorado.
Nadia Bolz-Weber é uma das estrelas da nova geração de evangélicos americanos. Ela parece ter encontrado uma maneira de romper as barreiras da guerra cultural de forma a poder defender a tradição sem ser homofóbica ou desagradável. Contudo, algumas de suas opiniões heterodoxas despertam críticas entre seus pares.
Abordagem progressista da religião
Bolz-Weber nasceu em uma família evangélica bastante conservadora e imaginava Deus como um alguém “temível como um filho da mãe cheio de caprichos e irritado”. Com 12 anos, ela foi diagnosticada com uma doença autoimune que a impedia de fechar as pálpebras. Isso a fez passar pela adolescência com os olhos esbugalhados e com raiva de como as pessoas a tratavam por isso.
No final da adolescência, Bolz-Weber abandonou o ensino médio e foi trabalhar nos restaurantes de Denver, fez shows de stand-up e abusou das drogas e do álcool. Com 22 anos, ela participou de seu primeiro encontro dos Alcoólicos Anônimos, mas sem ter pretensões de ficar realmente sóbria.
Depois da morte de um amigo comediante, em 2004, seus colegas pediram para que ela conduzisse as homenagens. Nessa ocasião, ela tinha 35 anos. Bolz-Weber percebeu nesse momento a oportunidade de ser pastora. Ela entrou no seminário e foi ordenada em 2008. No mesmo ano, ela fundou a igreja Casa de Todos os Santos e Pecadores, que começou como reuniões de grupos pequenos na sua sala de estar.
Boltz-Weber criou uma denominação inclusiva aos grupos LGBTQ e convidava pessoas de todas as denominações e religiões a tomarem a comunhão. Desde 2013, Bolz-Weber escreveu dois livros e passou a ser convidada a falar pelo mundo sobre sua abordagem progressista da religião.
Santa e pecadora
Entre eles está o livro Pastrix, a revolução de uma santa pecadora. O livro aborda sua relação com Deus e com a vida, e do chamado espiritual incomum de pastorear pessoas socialmente “desajustadas”, sempre com uma linguagem direta – às vezes divertida e até mesmo insultuosa.
Sobre o termo “pastrix”, a própria autora esclarece na abertura do livro que a palavra significa: 1) Termo insultuoso usado por seções da igreja sem imaginação para definir pastoras; 2) Heroína eclesiástica; 3) Uma fé bela e rabugenta de uma santa e pecadora.
Em entrevista à CNN, ela diz que adotou o termo justamente por ser tratada assim em blogs que difamam de alguma forma seu trabalho. “Pensei: por que não chamar de pastrix o meu livro de memórias? Então acho que, tecnicamente, venci”, disse ela.
Em outra oportunidade, ela diz que, “quando os cristão realmente me criticam por usar uma linguagem pesada, eu literalmente mando à m**da”. E ela não está brincando. Boltz-Weber tuitou uma foto em que mostrava o dedo do meio para a padaria de Jack Phillips, o padeiro que foi processado por se recusar a fazer um bolo para um casamento entre pessoas do mesmo sexo, embora nada aponte que Phillips a tenha criticado de alguma maneira.
Mas não é só uma linguagem incomum para pastores que desperta críticas. O fato de ela acolher qualquer pessoa em sua igreja, por mais “estranha” que ela possa parecer e, sobretudo, de dar comunhão indistintamente a todos, levanta dúvidas, nos meios evangélicos americanos, sobre sua ortodoxia e sua adesão verdadeira aos ensinamentos de Cristo.
Anéis de pureza
Mark Tooley, um metodista que se tornou presidente do Instituto de Religião e Democracia (IRD) em 2009, aponta: “Menos de 5% dos americanos pertencem a denominações com ensinamentos sexuais progressistas. A porcentagem da população global pertencente a religiões sexualmente progressistas é ainda menor. Mas pessoas como Bolz-Weber, por ecoarem a cultura secular ocidental e suas elites, presumivelmente supõem que falam sob a perspectiva da maioria e que não devem respeito aos tradicionalistas cristãos”.
Mas não é só isso. Recentemente, Boltz-Weber aproveitou o lançamento de seu livro Shameless [Sem vergonha] para pedir às leitoras que lhe enviassem seus anéis de pureza (símbolo comum dos evangélicos americanos da abstinência sexual entre jovens até o casamento) para que ela pudesse derretê-los e remoldá-los em forma de vagina.
“Embora Bolz-Weber possa ter boas intenções, suas ações e palavras têm conseqüências e não estão acima das críticas. Fazer uma estátua de uma vagina a partir de anéis de pureza pode chamar a atenção e talvez até ser catártico, mas não é uma cura”, afirma Rebecca Lemke, autora do livro The Scarlet Virgins [As virgens escarlates], que examina a sexualidade “puritana” dos últimos trinta anos a partir de uma perspectiva baseada no Evangelho.
Bolz-Weber “perpetua o mito de que alguns de nós não temos pecados sexuais para nos envergonhar”, afirma Wesley Hill, professor na Trinity School for Ministry em Ambridge, Pensilvânia. Ela é “uma representante de cristianismo progressista, cuja espiritualidade da bondade da criação às vezes menospreza ou ignora completamente qualquer consideração séria de nossa queda”, diz.
Aborto
Recentemente, por ocasião do lançamento de seu livro Shameless, ela contou que fez um aborto quando jovem. Aos 25 anos, depois de conseguir abandonar o alcoolismo e estar tentando uma carreira mal-sucedida como vidente em um call-center, ela engravidou. Boltz-Weber decidiu que não tinha outra escolha a não ser fazer um aborto.
“Ganhando 200 dólares por semana, eu não podia sustentar uma criança”, afirmou ela à revista New Yorker. Embora Bolz-Weber tenha sido criada em uma igreja que reprova o aborto, ela não mantém a mesma visão. “Eu estava devastada, mas não porque sentisse que tinha feito algo mau ou errado. Estava destruída pela tristeza da minha situação”, disse.
Ela emprestou US$300 de um amigo para pagar pelo procedimento.
Até então, nunca havia falado sobre o aborto. Mas Boltz-Weber acredita que agora é a hora de começar uma nova conversa sobre aborto e religião. A história faz parte de seu modo de pregar quebrando tabus.
A aceitação, ao menos implícita, de que o aborto não é mau, indica que a reforma sexual pregada pela pastora não se restringe apenas a uma tolerância ou um acolhimento maiores em relação ao público LGBT, mas avança em direção a um cristianismo desnaturado, de mera aceitação, em que a redenção e a mudança de vida estão excluídas dos ensinamentos.