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Para o ativista Gary Francione, precisamos parar de tratar os bichos como propriedade | /BigStock
Para o ativista Gary Francione, precisamos parar de tratar os bichos como propriedade| Foto: /BigStock

Há três décadas o advogado e professor de direito Gary Lawrence Francione, de 62 anos, vem se consolidando como uma liderança quando o assunto é o direito dos animais. Gary é um abolicionista: acredita que precisamos parar de tratar os bichos como propriedade, tanto quanto o Ocidente acabou com a escravidão humana no século 19. Isso significa ir muito além do veganismo: para o professor, que leciona na Rutgers School of Law, é preciso abandonar todo tipo de relação de propriedade. Isso significa acabar com os zoológicos, os aquários. E abandonar o hábito de manter pets.

Nas últimas décadas, a ciência está descobrindo que os animais não são tão diferentes de nós. Somos superiores a eles em algum aspecto? Temos direito de controlá-los?

De acordo com Francione, é preciso abandonar todo tipo de relação de propriedade. Isso significa acabar com os zoológicos e aquários BigStock

Reconhecemos há mais de 200 anos que existe uma similaridade extremamente relevante entre humanos e não-humanos: ambos são sencientes (ou seja, têm a capacidade de sentir o mundo à volta e reagir a seus estímulos), ambos são capazes de sentir dor e estresse. Temos, em todos os países do Ocidente, leis contra o tratamento cruel. O que significa que consideramos errado infligir sofrimento desnecessário em seres capazes de sentir dor. Temos leis que não se aplicam a pedras, mas se aplicam perfeitamente a animais. Mais recentemente, os cientistas vêm focando em outras similaridades entre humanos e não humanos. Nem todas são úteis para nós em termos morais. Podemos entender perfeitamente esse ponto de vista quando colocamos nossos argumentos num contexto humano. Imagine que estamos diante de um ser humano de inteligência mediana, ao lado de outro com problemas mentais graves. Eles são iguais? Depende. Eles podem não ser considerados iguais para o caso de, por exemplo, tirar carteira de motorista, já que a pessoa mentalmente incapaz pode não conseguir lidar com as regras do trânsito. Mas, no caso de servir para a realização de experimentos, ou ser forçado a doar órgãos ao morrer, eles são considerados iguais, no sentido de que não podem ser considerados matéria-prima em benefício de outros.

Quais são, em sua opinião, os principais direitos dos animais?

Só existe um: o direito de animais não-humanos de não ser propriedade dos humanos. Se respeitamos esse único direito, teremos que abolir toda exploração institucionalizada de animais. Isso significa parar de comer, vestir e usar animais de quaisquer outras maneiras. Pense nisso num contexto humano: se você acredita que a escravidão é errada, devemos pedir por sua abolição. Você não pede que donos de escravos sejam mais humanos, você pede que a escravidão deixe de existir. Mas existe um problema: custa dinheiro defender os interesses dos animais e, via de regra, nós humanos só investimos quando acreditamos que receberemos um retorno financeiro. E neste momento nós exploramos animais de uma forma muito lucrativa e eficiente.

Temos, nós humanos, o direito de matar animais que nos colocam em risco? Seja um rato que nos traz doenças ou um urso que nos ataca frontalmente?

Todos temos o direito a nos defender. Se outro humano tenta me matar sem nenhuma justificativa, é possível que eu acabe matando essa pessoa. Se um urso ameaça me matar, vou me defender com a quantidade de força que for necessária. Por outro lado, nós somos pouco cuidadosos com nossos restos de comida. Isso atrai ratos para dentro das nossas casas. Por mais que ratos tragam doenças, não é culpa deles que deixemos alimentos disponíveis. O correto então não é matar os ratos que invadem a nossa casa: é usar ratoeiras que não os machuquem, capturá-los e devolvê-los à natureza.

Por que não deveríamos ter animais de estimação, ou manter zoológicos ou aquários?

Gary e seus cães resgatados Divulgação

Acredito que não é ético manter animais presos em lugar algum. Não é ético ter animais de estimação. Em primeiro lugar, deveríamos parar de permitir que pets se reproduzam. Temos que cuidar dos animais que já existem. Por exemplo, eu e minha parceira vivemos com seis cães resgatados. Quatro deles foram abusados com crueldade. Nós os amamos muito e, apesar de não pensarmos neles como nossa propriedade, o fato é que, do ponto de vista legal, eles são. Se quiséssemos, poderíamos sacrificá-los agora mesmo. Até onde a lei se aplica, eles são coisas que possuímos. Essa é uma situação que tem que acabar.

Imagino que uma pessoa que tem animais de estimação bem tratados, com vacinas em dia e ração de qualidade, poderia argumentar com o senhor: “estou oferecendo melhores condições de vida do que se esse animal estivesse solto no mato!”. O que o senhor responderia a esse tipo de argumento?

A escolha não consiste em devolver os animais domesticados para a natureza, porque eles não saberiam viver nela. Precisamos cuidar dos animais que já temos, visando impedir que, no futuro, os animais domesticados continuem existindo.

Como seria um mundo em que os animais fossem respeitados como seres tão valiosos como nós? O consumo de carne seria banido?

“Domesticamos os animais precisamente porque queríamos mantê-los sob controle” BigStock

Se respeitamos o direito a animais não-humanos a não ser nossa propriedade, nós nos tornaríamos veganos. A maioria das pessoas concorda que é moralmente errado impor sofrimento e morte desnecessários a animais, seja por conveniência, seja por diversão. Não precisamos, por exemplo, ingerir produtos de origem animal para nos manter saudáveis. Hoje é consenso entre as principais entidades ligadas à saúde, como a American Heart Association: uma dieta a base de plantas não só é perfeitamente suficiente para nós, como é mais saudável do que uma alimentação baseada em grandes quantidades de carne, leite e ovos. Nós comemos alimentos de origem animal porque gostamos do sabor. Mas o prazer do paladar – ou tradição, ou conveniência – não pode satisfazer nossas necessidades. E ninguém pode duvidar a sério que a agricultura voltada para a alimentação de animais representa um desastre ecológico.

Na prática, como poderíamos viver junto aos animais, em condição de total igualdade?

Como teríamos pets que não fossem nossas propriedades, mas nossos parceiros? Poderia acontecer na teoria, mas não vejo como seria possível na prática. Seria preciso mudar a legislação e transformá-los em seres mais parecidos com crianças – e essa postura traria uma série de problemas éticos e morais que nunca poderiam, na minha opinião, ser solucionados facilmente. Nós não aceitaríamos dar mais poder a eles. Domesticamos os animais precisamente porque queríamos mantê-los sob controle. Por isso acredito que não existe outra opção a não ser nos programar para que, no futuro, os pets deixem de existir.

E reservas naturais, são aceitáveis?

Sim, desde que não permitam caçadas, passeios turísticos ou outras situações de exploração.

Como o senhor defende os direitos dos animais em seu dia-a-dia?

Sou vegano há 35 anos. Não como carne, peixe, ovos, leite ou queijo. Não uso pele, couro, lã ou seda. Não uso produtos de beleza que contenham animais.

Quando o senhor transformou a defesa dos animais em profissão?

Muitos anos atrás, tive a oportunidade de visitar um matadouro. Isso mudou minha vida. Decidi que não queria participar de tamanha violência, tamanha injustiça.

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