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Diante das manifestações em Cuba neste domingo (11), com a população pedindo por liberdade, integrantes da extrema esquerda brasileira saíram do armário em defesa do regime. E, para justificar a falta de remédios, alimentos e produtos comuns, além de uma queda no PIB de 11% em 2020 (a 7º maior recessão entre todos os países), diversos políticos relevantes atribuíram a causa ao embargo comercial do governo dos Estados Unidos à ilha. Entre eles, os ex-presidentes Lula e Dilma.
As restrições comerciais de fato prejudicam Cuba, afinal de contas o livre comércio entre as nações é um dos principais motores da prosperidade mundial. Países cujas economias são abertas — o que significa incentivar importações e exportações por meio de políticas de baixos impostos e baixas tarifas alfandegárias — são mais ricos que os que impõem barreiras comerciais.
É necessário, porém, esclarecer os motivos pelos quais o embargo foi criado e os muitos erros econômicos cometidos pela própria ditadura cubana ao longo de várias décadas.
A história dos embargos
Quando os guerrilheiros tomaram o poder em Cuba, ainda não havia um alinhamento ideológico com o socialismo ou comunismo. Principalmente do pragmático Fidel Castro, que tentou até obter apoio americano logo após derrubar o governo de Fulgêncio Batista. Até então, o radical com ideias comunistas era seu irmão Raúl.
Não à toa, os Estados Unidos inicialmente não enxergaram o novo regime como ameaça, a despeito das dúvidas sobre o que ele representaria. A relação diplomática mudou radicalmente após o discurso de Fidel na Organização das Nações Unidas em 1960.
Na ocasião, fardado, discursou sem parar por 4 horas e 29 minutos, em que criticou os Estados Unidos, condenou a corrida armamentista, a exploração de países subdesenvolvidos por potências, além de prometer a reforma agrária e a estatização de empresas estrangeiras.
No mês seguinte, o então presidente norte-americano Dwight. D. Eisenhower, impôs o primeiro embargo, além de encomendar para a CIA (a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), um plano para derrubar Fidel. Isso culminou na fracassada Invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, já no governo de John Kennedy.
Isaias Lobão, professor do Instituto Federal do Tocantins e pesquisador do GP-GIM (Grupo de Pesquisa em Gestão Inovação e Mercados do Instituto Federal de Goias), afirma que, com as sanções, houve a suspensão da importação do açúcar cubano por parte dos Estados Unidos, então principal parceiro comercial. “Como a venda do açúcar é vital para a economia de Cuba, um novo mercado precisaria ser criado, e o país voltou-se para os soviéticos”, afirma.
Ao socorro econômico se juntou, inclusive, um socorro militar da União Soviética, a partir do então chanceler Nikita Khrushchov, que enxergava em Cuba uma oportunidade de expandir os ideais comunistas na América Latina. O movimento desencadeou a chamada Crise dos mísseis, em 1962, o que ajudou a aprofundar as relações de Cuba com os soviéticos.
Idas e vindas
A política do embargo norte-americano à Cuba tem um histórico pendular de isolamento e reaproximação. “Ele foi flexibilizado no governo de dois presidentes democratas, Jimmy Carter e Barack Obama. Os norte-americanos puderam entrar legalmente em Cuba, embora com viagens restritas e somente com a permissão de fazer negócio concedida a alguns empresários do agronegócio”, diz Lobão.
No governo de Carter, entre 1977 a 1981, houve a retomada de um limitado intercâmbio diplomático. Os Estados Unidos reativaram sua ex-embaixada em Havana e Cuba fez o mesmo em Washington.
As restrições às viagens retornaram na gestão do republicano Ronald Reagan, mas a despeito dos embargos, em 1983 o comércio exterior correspondeu a 63% do PIB de Cuba.
Em 1980, Fidel permitiu que cubanos descontentes deixassem a ilha, o que ocasionou a fuga em massa de cubanos para a Flórida, em barcos superlotados e botes improvisados. Algo entre 125 a 150 mil pessoas fugiram da ditadura cubana. Em resposta, o governo norte-americano criou a política “pés secos, pés molhados”, permitindo aos cubanos que pisassem ilegalmente nos Estados Unidos ganhar cidadania de forma imediata.
Com o colapso do regime soviético, em 1991, Cuba acabou ficando por conta própria, perdendo o respaldo militar e passando a ter maior falta de itens básicos.
“George Bush assinou uma lei em 1991 que aumentou as sanções econômicas dos EUA contra Cuba. Navios que trocassem mercadorias com Cuba foram proibidos de atracar em portos norte-americanos e as subsidiárias estrangeiras de empresas norte-americanas não podiam mais fazer comércio com Cuba”, explica Lobão.
Com o endurecimento das sanções e, principalmente, com a perda do principal parceiro comercial, houve queda no comércio exterior em Cuba, que em 1992 correspondeu a apenas 11% do PIB.
Contudo, o embargo econômico impede haver relações comerciais e financeiras com praticamente todo o mundo, punindo empresas que negociam com a ilha, restringindo o turismo (cerca de 10% do PIB da ilha) e afetando a população.
Para piorar, em 1996, militares cubanos derrubaram dois pequenos aviões americanos que partiram de Miami. A desculpa dada pelos cubanos foi a de que as aeronaves "invadiram o território cubano", enquanto o governo norte-americano sustentou a posição de que estavam em águas internacionais. O episódio fez com que o congresso aprovasse e Bill Clinton sancionasse a lei Helms-Burton, que endureceu o embargo. A partir de então, qualquer empresa passou a ficar sujeita às mesmas punições aplicadas às empresas americanas que negociam com Cuba.
Com a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, o governo cubano ganhou fôlego extra. O indicador de comércio voltou a subir com o aprofundamento das relações entre os dois países, incluindo missões médicas em troca de petróleo, e com recursos enviados por outros países latino-americanos ideologicamente mais alinhados com o regime cubano.
No governo Obama, houve diminuições das restrições, com Donald Trump endurecendo novamente as sanções. No primeiro semestre do governo de Joe Biden, não houve mudança de postura nesse sentido.
Na opinião do historiador, o embargo nunca atingiu o objetivo principal de isolar Cuba e forçar a abertura política, mas forçou o regime a se tornar altamente dependente da União Soviética. “Quando a URSS foi dissolvida em 1991, a economia cubana foi devastada. Cuba continuou comercializando com o resto do mundo, mas o embargo ao movimento de pessoas e mercadorias entre a ilha e a nação mais rica e poderosa da região desferiu um golpe em sua economia”, analisa.
O embargo à Cuba custa anualmente à economia norte-americana US$ 1,2 bilhão, segundo a Câmara de Comércio dos Estados Unidos. Já a Fundação de Política de Cuba estima que esse custo chegue a US$ 4,84 bilhões por ano, custando à Cuba US$ 685 milhões anualmente, quase 0,7% do PIB da ilha, diante de 0,0012% do PIB dos Estados Unidos.
Erros econômicos
Seria fácil colocar toda a culpa do péssimo desempenho da economia cubana no embargo norte-americano, como querem políticos brasileiros da esquerda e da extrema-esquerda. Mas além do embargo ter sido provocado pelas próprias escolhas erradas de Fidel Castro e companhia, inúmeros erros econômicos foram cometidos pelos dirigentes comunistas desde os anos 1960.
É notório o terraplanismo dos comunistas quando o assunto é economia. Costumam desprezar os fundamentos mais básicos da ciência econômica, gerando miséria e fome nos países que governam. No caso de Cuba, desde o primeiro momento da revolução a economia foi colocada nas mãos de amadores. O primeiro ministro da economia e presidente do Banco Nacional do país após a revolução foi ninguém menos que Che Guevara, um zero à esquerda nas artes econômicas.
Como nos conta Lawrence Reed, da Foundation for Economic Education, "em poucos meses, o peso cubano já não valia praticamente nada. Castro o nomeou ministro da Indústria também. Nessa função, Che se provou igualmente incompetente. Uma vez ele importou uma frota de limpadores de neve da Tchecoslováquia porque achava que eles seriam ótimos para colher cana, mas infelizmente as máquinas simplesmente esmagaram e mataram as plantas."
Dado o exemplo acima, não foi por acaso que, juntamente com o embargo, os erros de planejamento central e dos controles governamentais acabaram estrangulando a economia, deixando a maioria dos cubanos lutando por comida decente e desesperada por melhores padrões de vida.
Há uma correlação forte entre índices de liberdade econômica e desenvolvimento econômico e social. Contudo, em apenas dois dos 12 indicadores avaliados pelo levantamento de liberdade econômica da Heritage Foundation, Cuba tem pontuações acima de 50, em uma escala que vai até 100 e que para ser considerado livre é preciso pontuar ao menos 80 pontos.
Cuba pontua apenas 28,1% do score máximo, ficando na 176º posição, à frente somente de Venezuela (24,7%) e Coreia do Norte (5,2%), países que, sem nenhuma coincidência, também são comunistas.
Há, por exemplo, graves problemas de Estado de direito no país, com baixa separação entre o judiciário, a Assembleia Nacional e o Partido Comunista, que podem nomear ou destituir juízes a qualquer momento. Isso faz com que o país tenha problemas de corrupção e de integridade.
A mamata venezuelana não durou muito tempo. As dificuldades econômicas do país comandado por Maduro obrigaram o regime a buscar maiores níveis de liberalização, com a Constituição de 2019 reconhecendo a propriedade privada em teoria, mas o Estado ainda possui a maioria dos meios de produção, com o país ainda sem uma estrutura de mercado de capitais.
Houve corte de alguns empregos no setor público, e a criação de mais de 500 mil pequenos negócios, ampliando a existência de negócios da propriedade privada, algo que, ironicamente, é criticado pela esquerda brasileira mais radical.
O exemplo de Hong Kong
A história de Cuba não precisava ser assim. Uma outra ilha, bem menor territorialmente, e com pouco mais da metade da população cubana, prosperou economicamente, crescendo sete vezes mais rápido do que a de Cuba desde os anos 1950. É o caso de Hong Kong, que utilizou a receita para prosperidade composta por mercados livres e um governo limitado.
O britânico John Cowperthwaite foi o secretário financeiro da ilha entre 1961 e 1971, sendo protagonista em reformas econômicas. Ele implementou políticas de mercado livre amplamente creditadas na literatura para a transformação de Hong Kong do pós-guerra em um próspero centro financeiro global, com livre comércio, baixa tributação, superávits orçamentários, intervenção estatal limitada na economia, desconfiança no planejamento industrial e moeda sólida.
Conhecido por ser um pragmático, e não um ideólogo, se opôs aos subsídios e implementou políticas horizontais, com a legislação sendo o mais equânime possível a todos os agentes econômicos.
O resultado? Ao final dos anos 1950, tanto Cuba quanto Hong Kong tinham um PIB per capita de cerca de US$ 4.500 em dinheiro de hoje. Em 2018, Cuba havia um pouco mais do que dobrado seu PIB per capita para cerca de US$ 9 mil por pessoa, enquanto Hong Kong alcançou US$ 64 mil per capita, sete vezes mais que Cuba, superando até o Reino Unido.
A despeito das preocupantes intervenções recentes da China, Hong Kong continua entre as economias mais livres do mundo.
Alguns podem argumentar que em 1959, quando Fidel assumiu o poder e optou pelo planejamento central, ainda não havia consensos na literatura econômica sobre o que justificava a prosperidade e o fracasso das nações. Porém, quando houve o colapso da União Soviética em 1991, já havia o entendimento que o desenvolvimento econômico depende de instituições com segurança jurídica, respeito à propriedade privada e liberdade econômica. No entanto, Castro dobrou as apostas, mas quem ainda paga o preço pelas condições de vida aquém do que poderiam ser são os cubanos.