Nas últimas décadas, houve uma profunda discussão sobre as raízes ideológicas do fascismo e, sobretudo, um grande mal-entendido sobre os princípios coletivistas que esse movimento autoritário defendeu. Para entender melhor essa ideologia, é necessário conhecer em profundidade a vida, as crenças e os princípios tanto de seus líderes políticos (como Benito Mussolini) quanto de seus líderes filosóficos (como Giovanni Gentile).
Mussolini foi um militar, jornalista e político italiano que foi membro do Partido Socialista Italiano por 14 anos. Em 1910, foi nomeado editor do semanário La Lotta di Classe (A luta de classes) e, no ano seguinte, publicou um ensaio intitulado “O Trentino visto por um socialista”. Seu jornalismo e ativismo político o levaram à prisão, mas logo após sua libertação, o Partido Socialista Italiano — cada vez mais forte e tendo conquistado uma importante vitória no Congresso de Reggio Emilia - o colocou à frente do jornal milanês Avanti!.
Esse intenso ativismo político foi seguido pela Primeira Guerra Mundial, que marcou uma virada na vida de Mussolini. No início, o líder do Partido Socialista fazia parte de um movimento anti-intervencionista, que se opunha à participação da Itália na Primeira Guerra Mundial. No entanto, ele mais tarde se juntou ao grupo intervencionista, o que lhe rendeu a expulsão do Partido Socialista.
Mussolini participou da guerra e passou a aproveitar a insatisfação do povo italiano, pelos poucos benefícios obtidos com o Tratado de Versalhes. Ele então culpou seus ex-camaradas do Partido Socialista por isso, e foi então que deu início à formação do Fasci Italiani di Combattimento, que mais tarde se tornaria o Partido Fascista Italiano.
Com forte base nos sentimentos nacionalistas que floresceram em decorrência do combate, Mussolini chegou ao poder pela mão da violência, lutando contra os socialistas tradicionais e se blindando no famoso esquadrão dos camisas pretas. Só então o complexo ideológico do fascismo começou a se delinear.
Quem é o pai ideológico do fascismo?
Praticamente todos sabem que Karl Marx é o pai ideológico do comunismo e do socialismo e que Adam Smith é o pai do capitalismo e do liberalismo econômico. Você sabe, em contraste, quem é a mente por trás do fascismo? É muito provável que não, e posso dizer-lhe de antemão que o filósofo por trás do fascismo também era um socialista declarado.
Giovanni Gentile, um filósofo neo-hegeliano, foi o autor intelectual da “doutrina do fascismo”, que escreveu em conjunto com Benito Mussolini. As fontes de inspiração de Gentile foram pensadores como Hegel, Nietzsche e também Karl Marx.
Gentile chegou a declarar que “o fascismo é uma forma de socialismo; na verdade, é sua forma mais viável”. Uma das reflexões mais comuns sobre isso é que o fascismo é em si um socialismo baseado na identidade nacional.
Gentile acreditava que toda ação privada deveria ser orientada para servir a sociedade. Ele era contra o individualismo, para ele não havia distinção entre o interesse privado e o público. Em seus postulados econômicos, ele defendeu o corporativismo estatal compulsório, querendo impor um estado autárquico (basicamente a mesma receita que Hitler usaria anos depois).
Um aspecto básico da lógica de Gentile é que a democracia liberal era prejudicial porque era focada no indivíduo, o que levava ao egoísmo. Ele defendeu a “verdadeira democracia”, em que o indivíduo deve ser subordinado ao Estado. Nesse sentido, ele promoveu economias planejadas em que era o governo quem determinava o que, quanto e como produzir.
Gentile e outro grupo de filósofos criaram o mito do nacionalismo socialista, no qual um país bem dirigido por um grupo superior poderia subsistir sem comércio internacional, desde que todos os indivíduos se submetessem aos desígnios do governo. O objetivo era criar um estado corporativo. É preciso lembrar que Mussolini veio do tradicional Partido Socialista Italiano, mas devido à ruptura com este tradicional movimento marxista, e devido ao forte sentimento nacionalista que prevalecia na época, as bases para a criação do novo “socialismo nacionalista”, que eles chamaram de fascismo, foram criados.
O fascismo nacionalizou a indústria armamentista, porém, ao contrário do socialismo tradicional, não considerou que o Estado deveria possuir todos os meios de produção, mas sim que deveria dominá-los. Os donos das indústrias podiam “manter” seus negócios, desde que atendessem às diretrizes do Estado. Esses empresários eram supervisionados por funcionários públicos e pagavam altos impostos. Essencialmente, “propriedade privada” não era mais uma coisa. Estabeleceu também o imposto sobre o capital, o confisco de bens de congregações religiosas e a abolição das rendas episcopais. O estatismo era a chave de tudo, graças ao discurso nacionalista e coletivista, todos os esforços dos cidadãos deveriam ser a favor do Estado.
Fascismo: a antítese do liberalismo e do capitalismo
O fascismo afirmava se opor ao capitalismo liberal, mas também ao socialismo internacional, daí o conceito de uma “terceira via”, a mesma posição que seria sustentada pelo peronismo argentino anos depois. Essa oposição ao socialismo internacional e ao comunismo é precisamente o que causou tanta confusão na localização ideológica do fascismo, do nazismo e também do peronismo. Tendo se oposto à tradicional esquerda marxista internacionalista, estes foram atribuídos à corrente de movimentos de ultradireita, quando a verdade é que, como foi demonstrado, suas políticas econômicas centralizadas obedeciam a princípios coletivistas e socialistas, opondo-se abertamente ao capitalismo e ao mercado livre, favorecendo nacionalismo e autarquia.
Nesse sentido, conforme estabelecido pelo filósofo criador da ideologia fascista, Giovanni Gentile, o fascismo é outra forma de socialismo, logo, não foi uma batalha de esquerda contra direita, mas uma luta entre diferentes ideologias de esquerda, um internacionalista e um nacionalista.
De fato, em 1943, Benito Mussolini promoveu a “socialização da economia”, também conhecida como socialização fascista; para esse processo Mussolini procurou o conselho do fundador do Partido Comunista Italiano, Nicola Bombacci; o comunista foi o principal autor intelectual do "Manifesto de Verona", a declaração histórica com a qual o fascismo promoveu este processo de "socialização" econômica para aprofundar o anti-capitalismo e o autarquismo, e na qual a Itália ficou conhecida como a "República Social Italiana".
Em 22 de abril de 1945 em Milão, o líder fascista declararia o seguinte:
“Nossos programas são definitivamente iguais às nossas ideias revolucionárias e pertencem ao que no regime democrático é chamado de “esquerda ”; nossas instituições são resultado direto de nossos programas e nosso ideal é o Estado Trabalhista. Nesse caso, não pode haver dúvidas: somos a classe trabalhadora em luta pela vida ou pela morte, contra o capitalismo. Somos os revolucionários em busca de uma nova ordem. Se assim for, invocar a ajuda da burguesia acenando com o perigo vermelho é um absurdo. O verdadeiro espantalho, o perigo real, a ameaça contra a qual lutamos implacavelmente, vem da direita. Não é do nosso interesse ter a burguesia capitalista como aliada contra a ameaça do perigo vermelho, mesmo que na melhor das hipóteses seja uma aliada infiel, que tenta fazer-nos servir aos seus fins, pois tem feito mais do que uma vez com algum sucesso. Vou poupar palavras, pois é totalmente supérfluo. Na verdade, é prejudicial, porque nos faz confundir os tipos de revolucionários genuínos de qualquer matiz, com o homem de reação que às vezes usa nossa própria linguagem”.
Seis dias após essas declarações, Benito Mussolini seria capturado e fuzilado.
*Emmanuel Rincón é advogado, escritor, romancista e ensaísta. Ele ganhou vários prêmios literários internacionais. Ele é editor geral da El American
©2021 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês
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