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Não há nada de corajoso no boicote de Neil Young ao Spotify

Spotify, Neil Young e Joe Rogan são todos ente privados. Mas nessa lição básica de liberalismo falta um elemento importante: a tolerância. (Foto: EFE/EPA/RITCHIE B. TONGO)

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Desde que Neil Young anunciou que tiraria suas músicas do Spotify, num protesto contra o fato de Joe Rogan ter um podcast na plataforma, personalidades favoráveis ao cantor se ocuparam em busca de sinônimos para “bom”. Até aqui, a decisão de Young tem sido descrita como “moral”, “empoderada”, corajosa”, “ética”, “inspiradora” e até mesmo “imperativa”.

Tenho uma palavra a acrescentar: intolerante.

Neil Young não gosta do podcast de Joe Rogan. E daí? Agora quer dizer que se Neil Young não gostar do que outra pessoa diz publicamente ele se recusará a estar perto dessa pessoa? O que Young acredita que vai acontecer se suas músicas estiverem na mesma plataforma que abriga obras de pessoas das quais ele não gosta? Ele teme que os códigos binários entupirão os cabos e contaminarão a pureza de sua arte?

Ou será que ele acredita que uma coincidência de domínios e endereço de IP significa que ele seja cúmplice de algo? Se for assim, é de se perguntar por quanto tempo ele ficará buscando a pureza digital antes de essa busca se revelar um evidente absurdo. Ele pretende ter um data center próprio? E quanto a seus ISPs e torres de celular? Antigamente tolerância significa compartilhar os mesmos espaços físicos com pessoas de cujas ideias você discordava e até repudiava. Agora essas pessoas não conseguem nem compartilhar a mesma Internet.

Os críticos de Rogan dizem que ele mente e permite que os outros mintam. Em nome discussão, vamos partir do pressuposto de que isso seja verdade. É de se perguntar em que momento isso se tornou uma exceção em nossa cultura que garante a liberdade de expressão? O próprio Neil Young gravou um álbum inteiro baseado em mentiras sobre alimentos transgênicos. Por acaso a banda REO Speedwagon deveria boicotar o Spotify como reação a isso?

A Epic Records contratou a banda Rage Against the Machine e prometeu nunca interferir no trabalho deles. Será que os colegas de gravadora da banda, como o grupo ABBA, deveriam rasgar seus contratos em reação a isso? A pergunta é séria: a que ponto queremos impor a segregação ideológica? Ela deve chegar às páginas de opinião dos jornais? À seção de comentários, talvez? Ao serviço que hospeda o site dos jornais?

Será que eu devo boicotar a seguradora Farmers’ Insurance se o cara nos comerciais da empresa mente no Twitter? Devo me recusar a voar com a Delta ao ver no avião um passageiro de que não gosto? Eu já estive na TV com a progressista Joy Reid, meu Deus! Será que eu deveria ter saído do estúdio assim que ela disse a primeira mentira?

Onde está o limite? Para os consumidores que estão seguindo o exemplo de Neil Young, a opção parece ser a Apple, uma plataforma mais aceitável porque... bom, por que mesmo ela é mais aceitável? Sim, a Apple não tem o podcast de Joe Rogan. Mas distribui praticamente todos os podcast do mundo, entre eles podcasts apresentados por personalidades que os progressistas conseguiram cancelar em outras plataformas.

É para acreditarmos mesmo que a Apple — que direta e indiretamente facilita a monetização do discurso — é um “vetor” menos perigoso para as notícias falsas do que o Spotify? E quanto à associação da Apple com o trabalho escravo? E quanto ao lobby que a empresa faz contra legislações que a obrigariam a melhorar suas práticas comerciais? Ao contrário de uns e outros, não acho que quem use um MacBook Pro seja cúmplice dos pecados da Apple. Ao contrário de uns e outros, não associo minhas escolhas de consumidor à suposta pureza dos fornecedores.

Um dos problemas da postura de Neil Young, dizendo-se incapaz de trabalhar com Spotify, é a ideia de que todos aqueles com quem Neil Young trabalha são aceitáveis ou, no mínimo, “menos ruins”. Será que isso se sustenta? Será a Apple menos moralmente culpável por usar trabalhadores muçulmanos uigures do que o Spotify por hospedar o podcast de Rogan?

Spotify, Apple, Joe Rogan e Neil Young são todos entes privados e podem fazer o que bem entenderem. Isso é o básico do liberalismo e nem se eu pudesse iria querer mudar isso. Mas há outros elementos do liberalismo igualmente importantes para a nossa ordem política. Eu poderia, claro, recusar a oferta que a editora Random House fez de publicar meu lviro porque considero os outros autores da casa intoleráveis. Mas se eu fizesse isso estaria sendo um intolerante estúpido. É meu direito também me recusar a participar de qualquer debate público com alguém que está sendo pago para discordar de mim. Mas, novamente, isso faria de mim apenas um intolerante estúpido.

Não há nada de liberal em ver plataformas artísticas ou mecanismos de distribuição como criaturas políticas dignas de condenação. Ao contrário, isso é um gesto totalitário. Ao longo da semana, me perguntaram se estou ao lado de Joe Rogan ou Neil Young, e minha resposta foi a de que não estou ao lado de nenhum dos dois. Prefiro viver num mundo onde eu possa assinar um serviço de streaming musical sem me envolver com controvérsias, histerias, estupidez e neopuritanismo.

Charles C. W. Cooke é redator sênior da National Review.

©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

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