O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa foi uma das grandes surpresas da mais recente pesquisa do Datafolha de intenção de votos para presidente. Mesmo sem ter anunciado qualquer disposição em se candidatar e com atuação quase inexistente nas redes sociais, o recém filiado do PSB detém entre 8% e 10% das intenções de voto, figurando entre terceiro ou quarto colocado, dependendo quem são seus concorrentes.
Caso sua candidatura se confirme, tudo indica que seu nome tende a crescer na corrida eleitoral. Barbosa entraria para o rol dos poucos candidatos negros que concorreram à presidência do Brasil. Mas se for eleito, não será o primeiro na história do Brasil. Quem detém este título é Nilo Peçanha, que em decorrência da morte do presidente Afonso Pena (de quem era vice), assumiu o comando do país em 1909.
Ele foi o sétimo presidente brasileiro da Primeira República e o primeiro negro a ocupar o cargo. Mas o fato simplesmente posto dessa maneira não revela as circunstâncias em que aconteceu. Peçanha provavelmente não se considerava negro e tentava esconder os traços de sua herança étnica, segundo afirmou o professor de História da PUC-SP Amailton Magno Azevedo.
“A sociedade brasileira durante a primeira República era totalmente racista. Nilo Peçanha era chamado de mulato e ridicularizado pela cor de sua pele. Na família, também enfrentou resistência quando sua sogra não aceitou o casamento dele com Anita, sua esposa. O ambiente político, na época, era muito desfavorável aos negros”, contou o professor.
Este cenário levou o político a negar constantemente suas origens africanas através de discursos e maquiagens que escondiam sua pele escura nas fotografias, segundo consta em sua biografia no Museu Afro Brasil. “Por isso essa memória de Nilo Peçanha como primeiro presidente negro do Brasil nunca se consolidou”, explicou Azevedo.
É válido lembrar também que na época em que foi eleito na mesma chapa de Afonso Pena, apenas uma pequena parcela da população tinha direito ao voto: analfabetos não tinham direitos políticos, ou seja, uma grande parcela da população negra do país, descendentes de escravos não votavam. Além disso, conforme lembra Azevedo, havia um debate em curso naqueles tempos sobre a construção de uma raça brasileira sem a presença indígena e de negros — não à toa, havia perseguição a práticas religiosas de matriz africana, à capoeira e ao samba.
“A maneira com que ele agiu em relação à sua cor, tentando esconder a herança negra para não sofrer preconceito é o oposto do que agora faz a geração atual, que afirma sua negritude para combater o racismo”.
Mas desde então nenhum outro presidente negro foi eleito no Brasil. O que explica isso, segundo o historiador, é o modo como os partidos políticos se comportam e se comportam em relação à diversidade e à pluralidade dentro de seus grupos — sejam eles de esquerda ou de direita —, além da rejeição à figura do negro no poder, que pode se dar de uma maneira muito velada.
Um exemplo recente foi quando o ministro do STF Luís Roberto Barroso chamou o ex-ministro Barbosa de “negro de primeira linha”, o que depois ele mesmo admitiu ser uma forma de racismo muito sofisticada “com ares de falso elogio, quando na verdade não é”.
Vida
Peçanha nasceu em Campos de Goytacazes em 1867. Se formou em Direito pela Faculdade de Direito de Recife e, de volta ao Rio de Janeiro, exerceu a advocacia e o jornalismo, defendendo causas da abolição e da república.
O primeiro cargo público que ocupou na República foi o de deputado da Assembleia Nacional Constituinte, em 1890. Já no regime democrático, em 1903 foi eleito presidente do Estado do Rio de Janeiro.
Foi eleito, três anos mais tarde, vice-presidente do Brasil na chapa de Afonso Pena. Com a morte do político mineiro, Peçanha assumiu a presidência, cargo que ocupou por 17 meses.
Anos depois, ele tentou a reeleição à presidência, em chapa composta pelo vice José Joaquim Seabra. Sua candidatura protestava contra o imperialismo destas oligarquias e investiu a candidatura de um forte apelo popular, mas não obteve êxito nas urnas e foi derrotada pelo mineiro Arthur Bernardes. Com isso, Nilo Peçanha se afastou definitivamente da cena política do país. Ele faleceu em 1924.
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