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Fenômeno de vendas na Coreia do Sul, Shiva Ryu escreve narrativas provocativas, reflexivas e poéticas sobre a beleza e os obstáculos da vida.
Fenômeno de vendas na Coreia do Sul, Shiva Ryu escreve narrativas provocativas, reflexivas e poéticas sobre a beleza e os obstáculos da vida| Foto: Pixabay/Anja

Fenômeno editorial em seu país, o escritor sul-coreano Shiva Ryu já vendeu mais de 1,4 milhão de exemplares de seus livros – marcados por narrativas provocativas, reflexivas e poéticas acerca da existência.

Sua obra acaba de chegar ao Brasil por meio editora Sextante, que lançou em agosto 'Não Ponha um Ponto Final Onde Deus Pôs uma Vírgula: Histórias de Sabedoria e inspiração'.

O título traz uma coleção de parábolas sobre a beleza e os obstáculos da vida, extraídas de diversas tradições espirituais de todo o mundo. Leia um trecho a seguir.

Um homem fazia uma expedição pelo deserto argelino e se perdeu. Depois de um tempo reuniu todas as forças para seguir caminhando. Tinha que encontrar água e comida!

Sob um sol abrasador, perambulou durante dias, até que viu uma tenda ao longe. Com os joelhos trêmulos, caminhou com dificuldade, e quando chegou à tenda suplicou por água e comida.

De dentro da tenda saiu um pastor de cabras com o traje tradicional e o turbante dos beduínos.

– Lamento, não tenho como lhe oferecer água nem comida. Mas posso lhe dar uma gravata.

– Eu estou no meio do deserto, morrendo de sede e fome, e o senhor quer me dar uma gravata? – perguntou o viajante, incrédulo.

– A gravata é tudo o que eu tenho para lhe dar – respondeu gentilmente o pastor. – Eu mesmo não tenho água nem comida, mas sei onde podem ajudar você. É um lugar a dois quilômetros daqui, mas para conseguir que lhe deem água e comida, você vai precisar desta gravata.

– O senhor está de brincadeira? – gritou o viajante, furioso. – Por que quer me dar essa gravata? Estou quase morrendo de sede e fome!

O viajante atirou a gravata no chão e reuniu as últimas forças para seguir em frente, aos trancos e barrancos, e percorrer os tais dois quilômetros até o tal lugar. Quando chegou, suplicou novamente.

Outro beduíno saiu da tenda, mas este não vestia o traje típico do povo da região, e sim terno preto, camisa branca recém-passada por baixo e gravata-borboleta. O viajante o encarou, perplexo.

– Ninguém entra aqui sem gravata – disse o homem de terno. – Estou morrendo de sede e fome. Se não me ajudar, vou morrer.

– Lamento, mas se não está de gravata não posso fazer nada por você. Esta é a regra para entrar na minha tenda. Instruí todos os pastores num raio de dois quilômetros a entregar uma gravata aos viajantes que estejam perdidos, morrendo de sede e fome, e enviá-los para mim. Se você tivesse aceitado a gravata que o pastor lhe ofereceu, eu o deixaria entrar. Como não aceitou, agora não há o que fazer. É minha palavra final.

Nós sempre queremos o caminho mais direto rumo ao nosso objetivo, mas, se não fizermos algumas paradas, como vamos descobrir a beleza do caminho?

Todo artista precisa criar inúmeras obras até começar a ser levado a sério, assim como todo pássaro aprende a voar batendo as asas sem jeito, até que, em dado momento, consegue pairar no ar com desenvoltura.

Quando eu era jovem, certa vez fiz uma viagem a Busan, cidade portuária da Coreia do Sul. Dormia nos parques ou na praça em frente à estação central ferroviária, mas precisava comer, por isso decidi procurar um trabalho.

Um dia vi um cartaz colado num poste com uma oferta de emprego que parecia real e fui ao endereço. Era uma empresa que vendia bolinhas de naftalina.

Minha função era ir de casa em casa com uma sacola cheia das bolinhas de material tóxico. Aquele cheiro horrível me causou problemas graves. Sempre tive um olfato muito sensível – desde criança o simples cheiro de sardinha me dava vontade de vomitar.

Meu medo era a naftalina me matar, como faz com as traças. Após vender só dois ou três sacos, decidi procurar outro trabalho. Ainda hoje, quando sinto cheiro de naftalina eu me lembro daquela época.

Passava os dias cambaleando pelas ruelas de Busan, atordoado por aquele odor desagradável. Em seguida, trabalhei como vendedor de picolé. Tinha que usar um chapéu colorido.

Não é difícil imaginar como eu – um estudante de literatura de cabelo comprido, usando aquele chapéu ridículo numa lojinha no centro da cidade – me sentia quando um professor ou mesmo um aluno da faculdade passava por mim e me reconhecia...

Mas trabalhar ali me dava uma vantagem: eu tinha permissão para acampar no gramado em frente à estação ferroviária. Quem me concedeu esse privilégio foi um policial que passou a fazer vista grossa quando, após uma varredura de rotina na estação de Busanjin, me parou, pediu meus documentos e, conversando comigo, descobriu que tínhamos estudado na mesma escola.

Além de tudo, ele impedia que os outros sem-teto me importunassem, para eu poder escrever em paz – só não conseguiu afastar o desespero que eu sentia sempre que via ratazanas enormes avançando pelo gramado em minha direção.

Na época eu me perguntava: “Quem é Deus? Por que ele é tão cruel comigo? Em que página do livro do destino diz que eu tenho que passar por este sofrimento todo? Alguém arrancou o resto das páginas, para a minha vida acabar assim?”.

O poeta persa Rumi escreveu:

O mundo está repleto de dificuldades.

Atravesse-as com paciência

e encontrará um grande tesouro.

Sua casa é pequena, olhe para dentro

e ela revelará os segredos do mundo invisível.

Eu perguntei:

“Por que você me dá apenas isto?”.

Uma voz respondeu:

“Porque só isso levará você ao que deseja.”

Gritamos a Deus e à vida: “Por que você me dá apenas isto?” E uma voz responde baixinho: “Porque só isso levará você ao que deseja.”

Se não ouvimos o sussurro, desperdiçamos nosso tempo mantendo discussões mentais inúteis com o mundo.

Num dia chuvoso, um jovem de Los Angeles quis ir de carona até São Francisco. Ficou quatro horas parado na chuva, à beira da estrada, mas todos os carros que passavam iam na direção contrária.

Por fim, rogou: “Meu Deus, me ajude a ir para São Francisco!” Ao ouvir a oração fervorosa, Deus rapidamente enviou um carro naquela direção. O jovem fez sinal, o motorista parou, e o jovem disse para onde queria ir.

– Posso levá-lo até Monterey – disse o motorista.

O jovem fez que não com a cabeça. – Eu não quero ir para Monterey, quero ir para São Francisco.

O motorista explicou ao jovem que Monterey era bem perto de São Francisco e que de lá seria fácil encontrar outra pessoa que lhe desse carona até o fim do trajeto, mas mesmo assim o jovem recusou.

O motorista foi embora sozinho, deixando o rapaz na chuva. Nem Deus conseguiu ajudá-lo.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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