Já faz algum tempo desde a última vez que uma nova série ou filme teve que trabalhar tão duro só para justificar sua existência quanto “O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder”. A adaptação da Amazon de partes dos escritos de J. R. R. Tolkien não diretamente retratados em “O Senhor dos Anéis” (precedendo os eventos do filme em séculos, dentro do universo da saga) criou uma mistura única de excitação, curiosidade e desprezo desde seu anúncio há vários anos, e ao longo sua ampla campanha de divulgação.
Para os pessimistas – e para muitos curiosos – a emoção predominante nesse período parece ter sido o medo: medo de que os showrunners J. D. Payne e Patrick McKay, mesmo com todos os milhões à sua disposição, apenas liderassem a ruína de outra franquia em nome do entretenimento moderno. Neste caso, especificamente, havia uma preocupação, amplificada por citações ambíguas ou às vezes francamente sinistras dos envolvidos na produção, de que o intrincado conhecimento inventado por Tolkien seria descartado em favor de tópicos contemporâneos ou – pior – do culto woke. Uma citação atribuída ao próprio Tolkien começou a circular nos comentários e fóruns do YouTube: “O mal não é capaz de criar nada de novo, ele só consegue corromper ou arruinar o que as forças do bem inventaram ou construíram”.
Exceto que esta não é, de fato, uma citação de Tolkien: faz parte da biblioteca de “arquétipos” da cultura pop criada em fóruns de discussão na internet. Deixando de lado a ironia dos puritanos da mitologia criando seus próprios mitos para expressar sua preocupação com possíveis danos ao original, esse receio era compreensível (Tolkien, de fato, expressou versões dessa ideia ao longo de sua obra, e ele mesmo acreditava nela). A cultura pop moderna está inundada pelo progressismo; enquanto a obra de Tolkien é distintamente antimoderna em praticamente todos os aspectos; assim, o medo de que o primeiro vencesse o segundo, à medida que outro estúdio procurasse lucrar com a propriedade intelectual disponível, era racional. Como alguém que acompanha de “curioso”, demonstrei um pouco disso.
Acontece que os dois primeiros episódios de “Os Anéis do Poder”, que estreou no início desta semana, não dão conta dos medos mais hiperbólicos. O que eles fizeram, em vez disso, foi estabelecer os testes que a própria série terá que passar para ter sucesso. Terá que provar ser razoavelmente fiel ao seu material de origem e, quando tiver que se desviar, fazê-lo justificadamente, ou, no mínimo, de forma a não profanar a obra. Terá que retratar uma Terra-média que seja ao mesmo tempo familiar aos espectadores e ao romance. E terá que fazer o ressurgimento e a derrota de um mal cujo fim é apenas temporário, no entanto.
Grande parte dos dois primeiros episódios de “Os Anéis do Poder” é material introdutório, estabelecendo os principais lugares, personagens e histórias. Começa com um prólogo narrado e focado na elfa Galadriel (Morfydd Clark), um dos poucos personagens imortais – interpretados nesta série por atores mais jovens – que também apareceu na tela na trilogia “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson. Ela configura, em linhas gerais, o pano de fundo da série: elfos, vivendo em um paraíso separado da Terra-média, são violados por um grande mal que eles então deixam sua terra natal para perseguir em vingança, a grande custo. O lugar de Galadriel neste drama, tocada pelo luto, é o foco da série. Outras histórias acontecem em toda a Terra-média e em diferentes raças: homens, anões e “pés peludos”. Tudo isso é retratado generosamente, com o vasto orçamento que a Amazon gastou visíveis em cada quadro, e acompanhamento musical, de Bear McCreary, que não combina muito – pelo menos ainda não – com a transcendência da trilha sonora de “O Senhor dos Anéis” de Howard Shore, mas que ainda mostra memorável em alguns casos e útil na maioria dos outros.
Embora esses dois primeiros episódios sejam amplamente introdutórios, é possível começar a avaliar os critérios apresentados para o sucesso do programa. Começando com a fidelidade à criação de Tolkien. A natureza precisa disso não é bem compreendida pelo público em geral, mas “Os Anéis do Poder” tem sérias estipulações sobre quais eventos podem retratar no que é conhecido como a “Segunda Era” da Terra-média. (A trilogia de Jackson mostrou a Terceira Era.) Alguma criatividade e invenção, portanto, são necessárias, se a série existir. E onde isso ocorre, o desvio é inevitável. O caráter da própria Galadriel mudou consideravelmente; os detalhes básicos são obtidos, mas “Anéis de Poder” realmente seguiu a descrição de Tolkien dela como uma vez tendo sido de disposição “amazônica” e fez dela a líder marcial de um busca élfica de longa data para destruir todos os vestígios do mal na Terra-média. A escolha de focar nela induz a alterações inevitáveis. São intoleráveis? Neste ponto, ainda não. O teste aqui é se o que acontece com seu personagem trai tão radicalmente sua natureza a ponto de torná-la irreconhecível. O mesmo se aplica ao relacionamento da série com Tolkien como um todo. Se isso ocorrer, vai aparecer logo e o show será arruinado de forma irrecuperável.
Voltemos agora para a própria Terra-média. Este é um lugar onde muitos dos que assistem à série – inclusive eu – já passaram muito tempo. Para “Anéis do Poder” ter sucesso, terá que mostrar este lugar como o conhecemos e como não o conhecemos. Os eventos desta edição aconteceram séculos antes do que é atualmente mais conhecido. Muito, portanto, é diferente de como nos lembramos, mesmo que a atemporalidade dos elementos envolvidos confira ao cenário uma certa constância. Vemos, por exemplo, o reino anão de Khazad-Dum – não como uma tumba, como em "Sociedade do Anel", mas em todo o seu esplendor. E vemos seu povo no auge de seu poder e habilidade. Durin (Owain Arthur) e Disa (Sophia Nomvete) são os destaques do segundo episódio. Em outras partes da Terra-média, existem homens, elfos e, o mais curioso, "pés peludos". Esses proto-hobbits são uma invenção absoluta para a série; os hobbits que conhecemos ainda não existem. No geral, os dois primeiros episódios conseguem estabelecer a vastidão dessa terra familiar em um tempo desconhecido e povoá-la com um punhado interessante de vida. O que acontece com a terra e como seu povo se cruza – tornar estes enredos atraentes é o maior testes que “Os Anéis do Poder” precisa passar até aqui.
O teste mais difícil de todos é que a grande batalha de "Os Anéis do Poder" seja significativa. Já sabemos que o grande mal, contra o qual o bem nesta série luta, sobrevive em um tempo posterior. O desafio que a série enfrenta é que essa briga pareça realmente importante, que nosso interesse pelos personagens e lugares envolvidos seja suficiente para aceitarmos suas dificuldades como nossas. E qualquer que seja a derrota que o mal enfrente seja, se não final, pelo menos uma de consequência significativa para seus próprios objetivos e seu próprio poder. Existe o escopo para tal conflito no material que "Os Anéis do Poder" provavelmente cobrirá. Mas isso não é garantia de sucesso. Por um lado, terá que mostrar tanto o mal quanto o bem em formas que o próprio Tolkien reconheceria, o que não é tarefa fácil em uma época em que a cultura confundiu tão completamente essas questões. É muito cedo para dizer se "Os Anéis do Poder" tem o núcleo moral necessário para fazer isso. Pode falhar nisso de maneira óbvia. Mas também pode falhar por persistir na ambiguidade.
Com esses testes estabelecidos, acho que há, até agora, um bom motivo para continuar para ver o que "Os Anéis do Poder" tem a oferecer. Como alguém com grande afeição pelo legendário, entendo a preocupação dos puritanos com essas e com as outras questões decorrentes da fidelidade à mitologia (ou falta dela). Mas vale lembrar que, no meio e na forma escolhida, a fidelidade total é impossível. Algum grau de interpretação e desvio é inevitável. Havia muito disso na trilogia de Jackson, mesmo com suas muitas qualidades admiráveis. Nesse ponto, reclamar exageradamente da série é rejeitar sua existência – o que é válido, mas a maneira mais fácil de resolver esse problema é não assisti-lo. Pretendo ver se "Os Anéis do Poder" faz algo digno de sua inspiração – e, caso contrário, lançar a produção no abismo de fogo de onde ela saiu.
© 2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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