“A farsa da imunidade natural”, decretou um articulista de jornal. “Só ignorantes ou desonestos defendem que imunidade natural é melhor do que vacina”, completou. Com sua pressa típica, diferentes agências de checagem decretaram que é falso ou insustentável afirmar que a imunidade natural adquirida por quem já foi infectado com a doença poderia proporcionar maior proteção contra a Covid-19 que a vacina. Este foi o tom de boa parte dos comentadores de ciência durante todo o ano de 2021, retórica que chegou às autoridades sanitárias. Evidentemente que as vacinas salvaram vidas e ainda salvam, e elas têm um importante papel como a primeira linha de defesa para aqueles que não foram infectados pelo novo coronavírus, que se contraírem a doença podem ter sintomas graves ou até morrer. Mas insistiu-se em não distinguir vacinado de imunizado, tratados como sinônimos. Passaportes vacinais foram criados até em campi de universidades públicas com a justificativa de que os não-vacinados são uma ameaça, não importa se já tiveram a doença.
Essa retórica de segurança acima da liberdade não deve sobreviver ao escrutínio científico que já começa a chegar. No mínimo, assim como a hipótese do vazamento laboratorial, a hipótese de superioridade da imunidade natural é viável. Entretanto, o foco das agências de checagens e comentaristas em derrubar a afirmação de que a imunidade natural é melhor que a vacinal também tem o efeito de não tocar na possibilidade mais firme de que as duas são igualmente boas, o que também impõe dúvidas sobre as medidas autoritárias.
Um estudo retrospectivo longitudinal (que segue os pacientes a longo prazo e considera informações anteriores ao início do estudo) com 8.344 participantes seguiu quase 500 deles que testaram positivo para infecção com covid. Por nove meses esses indivíduos foram acompanhados pelos pesquisadores, junto com mil participantes que testaram negativo no exame sorológico. Neste período, 1% dos previamente infectados foram infectados novamente, em comparação com 15% dos sem infecção prévia. Isso significa que a eficácia da imunidade natural é de cerca de 94% (na “margem de erro”, de 86 a 98%). É basicamente o mesmo valor de eficácia da vacina da Pfizer noticiado no fim de 2020. Esse estudo foi realizado entre abril e junho de 2020, antes da variante ômicron. A primeira autoria é de Antonio Leidi, da Divisão de Medicina Geral Interna dos Hospitais da Universidade de Genebra, Suíça.
Comparação conforme variantes
O Qatar tem produzido bons estudos sobre a imunidade natural pós-covid. Em uma carta com colaboradores à prestigiosa revista The New England Journal of Medicine, Heba Altarawneh, do instituto Weill Cornell Medicine em Doha, informa que a proteção da imunidade natural contra a reinfecção é forte para as variantes alfa (90%), beta (87,5%) e delta (92%), e moderada para a ômicron (56%). Os pesquisadores usaram quase todos os dados disponíveis do país desde o começo da pandemia. Nenhuma das reinfecções observadas deu em morte ou doença grave. A eficácia calculada da imunidade natural contra covid severa, crítica ou fatal foi de 69% contra a alfa, 88% contra a beta, 100% contra a delta e 88% contra a ômicron.
Quanto à eficácia da vacina de mRNA, um estudo do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos discutido aqui na Gazeta do Povo calculou que a proteção conferida contra hospitalização pela segunda dose é de 54% após cinco meses da inoculação, e a da terceira dose é de 78%.
Natural e duradoura
Enquanto a proteção da vacina de mRNA decai rapidamente em poucos meses — em crianças, cai 20 pontos percentuais em apenas um mês —, a proteção da imunidade natural parece mais duradoura. Em um estudo com funcionários da empresa espacial SpaceX, do bilionário Elon Musk, pessoas previamente infectadas apresentaram uma eficácia de proteção entre 72% e 86%. Este resultado se replica em outros estudos, atingido um zênite de possível longevidade de proteção, até o momento, no estudo de Jennifer Alejo, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins em Baltimore. Alejo e colaboradores, com uma amostra de 1.580 indivíduos analisados até novembro de 2021, não encontraram uma redução nos níveis sanguíneos de anticorpos contra o novo coronavírus até 20 meses após a infecção. Os autores fazem a ressalva de que não podem afirmar que esses níveis necessariamente significam imunidade contra reinfecção.
Escrevendo ao site Medscape UK sobre esses e outros estudos, a médica Sheena Meredith comenta que o quadro geral “está de acordo com a opinião geral pré-covid de que a infecção natural oferece proteção superior e duradoura à doença, comparada à vacinação”. Ela complementa que “enquanto as vacinas para covid protegem contra a doença severa, não previnem a infecção em si, e está claro agora que não param a transmissão, como até o Primeiro-Ministro [do Reino Unido] reconheceu”.
Usuários das redes sociais relatam que o texto de Meredith estava sendo marcado como “desinformação” no Twitter e que foi banido da maior página de ciência do Reddit.
Como a eleição de Trump afeta Lula, STF e parceria com a China
Moraes não tem condições de julgar suposto plano golpista, diz Rogério Marinho
Policial federal preso diz que foi cooptado por agente da cúpula da Abin para espionar Lula
Rússia lança pela 1ª vez míssil balístico intercontinental contra a Ucrânia
Deixe sua opinião