As festividades públicas de Natal estão canceladas na cidade onde Jesus nasceu.
A prefeitura de Belém anunciou em 14 de novembro que estava removendo as decorações de Natal "em luto pelas almas dos mártires e em solidariedade com o nosso povo em Gaza". A prefeita da cidade, Vera Baboun, é uma cristã que governa em uma coalização com muçulmanos.
Dias antes, em um comunicado conjunto, os líderes das igrejas cristãs na Terra Santa pediram que os fiéis priorizem o aspecto espiritual da data em vez de eventos “desnecessariamente festivos”. "Desde o começo da guerra, tem havido uma atmosfera de tristeza e dor. Milhares de civis inocentes, incluindo mulheres e crianças, morreram ou sofreram ferimentos graves”, diz o texto.
O comunicado, que não menciona especificamente Israel ou Palestina, foi recebido por alguns como um sinal adequado em busca da paz. Por outros, como uma indicação de que os cristãos palestinos têm cada vez menos autonomia, porque são cada vez menos numerosos.
A população cristã de Belém passou de 84% em 1922 para 28% em 2007. Todas as estimativas atuais estão abaixo dos 20%.
Os números apontam para um problema maior: a diminuição geral no número de cristãos palestinos. Eles eram 11% da população local em 1922 e 6% em 1967. Hoje, são menos de 1%. A queda se deve sobretudo à emigração, além da baixa natalidade e das severas restrições ao trabalho missionário.
A Palestina está seguindo o caminho de países como Iraque, Síria e Irã, onde os cristãos já foram parte significativa da população, mas hoje se limitam ao papel de uma minoria quase invisível.
Capital palestina tem origem cristã
Os cristãos palestinos (a maioria, árabes) se concentram em um pequeno número de cidades — como Belém e Nazaré. Uma delas, surpreendentemente, é a própria capital da Autoridade Palestina. A Ramala moderna foi fundada no século 17 por um grupo de árabes cristãos do clã conhecido como os Haddadins.
Os cristãos são uma minoria fragmentada. Ramala, que tem cerca de 40 mil habitantes, abriga uma dezena de igrejas de confissões diferentes — uma demonstração da diversidade histórica do cristianismo na região.
A menos de dois quilômetros do mausoléu de Yasser Arafat, por exemplo, está a Igreja da Sagrada Família, de rito católico. A Igreja Católica Romana (chamada de "Latina" na região) e a Igreja Ortodoxa Grega, que tem uma presença na região desde o Império Bizantino, são as maiores denominações cristãs da Palestina. Luteranos, cooptas (com raízes no Egito), anglicanos, católicos gregos e evangélicos têm números reduzidos, mas também estão presentes.
Em 1945, os cristãos eram 87% da população de Ramala. Em 1967, ainda eram uma ligeira maioria. Uma década atrás, as estimativas falavam em 25%.
Falta de oportunidades e de direitos iguais
O desaparecimento dos cristãos palestinos tem a ver com um movimento migratório rumo a países como Estados Unidos e Canadá, que entendem a situação delicada desse grupo religioso.
O fluxo deve continuar. Um levantamento feito em 2020 pelo Centro Palestino de Política e Pesquisa mostrou que, à época, 23% dos cristãos palestinos queriam deixar o território palestino. "O desejo de emigrar é muito mais alto entre palestinos cristãos do que entre palestinos muçulmanos. Na verdade, o percentual entre os cristãos na Cisjordânia é quase o dobro do dos muçulmanos”, diz o relatório.
O estudo mostrou também que, entre os cristãos de 18 a 29 anos, mais da metade queria emigrar.
Os cristãos palestinos parecem ver tanto Israel quanto as autoridades palestinas com desconfiança. Na pesquisa, a maioria (62%) disse acreditar que Israel pretendia removê-los de onde vivem. Mas um número ainda maior (77%) afirmou temer a influência de grupos salafistas (fundamentalistas islâmicos) na região.
Os problemas econômicos parecem ser os mais urgentes. Pouco mais de 50% dos participantes afirmaram que a prioridade da Autoridade Palestina deve ser a criação de oportunidades de trabalho para os cristãos.
Mas os problemas econômicos também estão ligados às diferenças religiosas. Na mesma pesquisa, 43% dos entrevistados afirmaram acreditar que os muçulmanos não querem a presença de cristãos na Palestina e 44% disseram haver discriminação religiosa na busca por um emprego.
Igrejas não aceitam ex-muçulmanos
O cristão palestino Ehab Hassan comprovou na prática as dificuldades enfrentadas pelo grupo: ele foi demitido duas vezes por causa da sua religião.
Nascido em uma família muçulmana, Hassan se converteu em 2015. Não havia outros cristãos em sua vila.
Embora haja muitas igrejas cristãs em Ramala, ele conta à Gazeta do Povo que demorou até conseguir se tornar membro de uma delas. "Só fui aceito pela primeira igreja depois de três anos. As igrejas tradicionais diziam: ‘Não podemos aceitar convertidos’, porque eles têm um acordo com a Autoridade Palestina e têm medo deles”, explica Hassan. O acordo é este: os cristãos são protegidos pelo governo local desde que não tentem converter muçulmanos.
Hoje, Hassan vive na região de Washington, DC, onde cursa um mestrado em Direitos Humanos. Ele não pretende voltar à Palestina. Nos Estados Unidos, diz, ele tem a liberdade e a segurança necessárias para criticar as autoridades palestinas.
Drama em Gaza
Por mais que as condições de vida dos cristãos na Cisjordânia sejam difíceis, nada se compara à situação em Gaza.
Na Cisjordânia, que é 16 vezes maior do que a Faixa de Gaza, ainda existem pequenas bolhas de maioria cristã. Em Gaza, densamente populada (e do tamanho de Belo Horizonte), isso é inviável. Pior: a área é controlada pelos fundamentalistas do Hamas.
Restam menos de mil cristãos na Faixa de Gaza. A invasão militar de Israel depois dos atentados de 7 de outubro tornou a situação ainda mais dramática.
No fim de outubro, um bombardeiro aéreo atingiu um prédio anexo à Igreja Ortodoxa de São Porfírio, fundada pelos cruzados no século 12. O ataque atingiu cristãos refugiados no local. Entre os mortos, estavam familiares do ex-congressista americano Justin Amash, filho de cristãos palestinos que emigraram para os Estados Unidos na década de 1940.
Por estar sob controle do Hamas, Gaza é um local ainda mais hostil ao Cristianismo do que a Cisjordânia. “A situação em Gaza é mil vezes pior do que em Ramala”, diz Hassan.
Receio de críticas
Mas, mesmo na Cisjordânia, os cristãos estão cada vez mais resistentes a demonstrarem sua fé publicamente. Participar na vida política local também é um desafio: sem aderir aos princípios da maioria islâmica e anti-Israel, é impossível obter algum apoio.
Talvez por isso seja difícil encontrar críticas de líderes cristãos locais às autoridades palestinas. "Você não pode criticar livremente a comunidade muçulmana ou as autoridades muçulmanas", diz Hassan. "Eles acusam Israel por tudo, mas nunca dizem nada sobre o Hamas", critica.
É difícil saber se o cancelamento das festividades de Natal em Belém se deve, de fato, à solidariedade com Gaza ou ao receio de que demonstrações públicas da fé cristã sejam vistas como uma afronta em um momento de tensão.
Mas restam poucas dúvidas de que, sem poder pregar o Evangelho, com uma taxa de natalidade baixa com um alto índice de emigração, os cristãos na Palestina dependem de um milagre para sobreviver.