Cerca de 700 policiais alemães participaram de uma operação contra o grupo Artgemeinschaft, no final de setembro.| Foto: Jonas Augustin / Unsplash
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Depois de mais de 70 anos de monitoramento e vigilância, o governo alemão finalmente proibiu as atividades da Artgemeinschaft, uma espécie de seita neonazista e anticristã com cerca de 150 membros espalhados pelo país.

Até então registrado legalmente como uma associação convencional, o grupo (cujo nome em português significa "Comunidade de espécies") foi oficialmente banido no final de setembro, por conta de suas atividades consideradas suspeitas, extremistas e perigosas – que incluíam a doutrinação de crianças.

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A distribuição de livros infantis com mensagens racistas e antissemitas parece ter sido o motivo decisivo para que o governo alemão autorizasse uma ação policial contra a organização. No último dia 27, uma operação de busca e apreensão realizada em 12 dos 16 estados do país recolheu armas, coletes à prova de balas, ouro, dinheiro em espécie, símbolos referentes ao Terceiro Reich e toda a sorte de material impresso contendo discursos de ódio.

"Esse é outro duro golpe contra o extremismo e os incendiários intelectuais que continuam a disseminar ideologias nazistas até hoje", disse a ministra do Interior, Nancy Faeser. "Esse grupo tentou criar novos inimigos da Constituição com sua doutrinação repugnante de crianças e jovens."

Mas por que uma organização tão pequena, com menos duas centenas de integrantes, recebeu tanta atenção, a ponto de mobilizar 700 policiais durante a ação ocorrida em setembro? Segundo as autoridades alemãs, a Artgemeinschaft é um elo entre várias outras correntes ultrarradicais do país. Uma "cena" que movimenta quase 40 mil pessoas, muitas delas classificadas pelo governo como "potencialmente violentas".

Ou seja: à primeira vista restrito e fechado, o grupo utilizava seu status legalizado para disseminar mensagens e articular conexões por todo o território germânico. Parte de sua estratégia consistia na promoção de eventos ditos culturais ou associados à espiritualidade pagã (como a observação de solstícios e equinócios), mas que, na verdade, serviam de pano de fundo para a doutrinação ideológica.

Na superfície, a Artgemeinschaft defende o nacionalismo étnico e uma postura anti-imigração. No entanto, é importante não confundir seus preceitos com os do conservadorismo e da direita tradicionais, que operam dentro dos limites da lei e do sistema político estabelecido. Para o governo alemão, seus posicionamentos ameaçam a democracia e a coesão social, pois incentivam a violência e a discriminação – e, por esses e outros motivos, são taxados de neonazistas.

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Organização surgiu logo após a derrota alemã na Segunda Guerra

A fundação da organização, em 1951, é atribuída a Wilhelm Kusserow (1901-1983), um professor interessado na preservação das antigas tradições espirituais e da identidade cultural da Alemanha (então recém-derrotada na Segunda Guerra Mundial). Nesse contexto confuso e sem esperança para os alemães, suas ideias ganharam eco e influenciaram outros pensadores e grupos extremistas.

Para se ter uma ideia de como a Artgemeinschaft é articulada (vamos usar o verbo no presente, porque o banimento não significa sua extinção), sua estrutura conta com cinco subdivisões. Começando pelo Gefährtschaften, o “Eixo dos companheiros” – espinha dorsal composta por membros mais antigos, responsáveis pela manutenção dos ideais e o fortalecimento de laços internos.

Já a Guilden (“Guilda” ou “Associação”) é um guarda-chuva que abriga subgrupos de interesse em áreas como arte, cultura, espiritualidade, etc. Sua função é proporcionar aos integrantes o aprofundamento em tópicos específicos – sem, é claro, perder o alinhamento com a ideologia geral.

Freundeskreise (“Círculo de amigos”) se dedica a promover reuniões e atividades sociais, com a finalidade de criar uma sensação de comunidade. Apesar de ser considerada a divisão mais “solta” do Artgemeinschaft, é considerada fundamental para que o grupo seja visto como uma associação entre tantas outras existentes no país.

Por fim, porém não menos importante, há o Familienwerk (“Obra familiar”). Esta ala se concentra em questões familiares e educacionais importantes para a preservação da identidade étnica alemã. Um de seus pilares é a ideia de que os membros devem escolher um “cônjuge adequado”, da raça dita superior, para transmitir a composição genética “correta” às próximas gerações. Foram justamente as atividades da “obra” com crianças que mais preocuparam as autoridades germânicas ao longo dos anos.

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Grupo registrou como marca um símbolo que rejeita o cristianismo 

Mas o que diferencia o Artgemeinschaft de outros movimentos neonazistas é o seu lado místico – e anticristão. Sua doutrina incorpora elementos do paganismo germânico, com ênfase na adoração de deidades antigas e rituais relacionados à natureza. Isso, por si só, não caracterizaria um ataque ao cristianismo, apenas uma incompatibilidade.

Um dos ícones utilizados pelo grupo, no entanto, revela sua face intolerante. Trata-se do desenho de uma águia agarrando um peixe, que simboliza a rejeição ao cristianismo e já foi adotada por outras correntes radicais.

Conhecida como "Adler fängt Fisch", a imagem chegou a ser registrada legalmente, em 2003, como uma marca da organização por seu líder na época, o advogado antissemita Jürgen Rieger (1946-2009) – figura proeminente do nacionalismo alemão.

“O extremismo de direita tem muitas faces. E uma delas é usar essa cobertura de crença germânica pseudorreligiosa para difundir uma visão de mundo que viola a dignidade humana”, afirmou a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, após as operações que resultaram na proibição da seita.

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