Aquilo a que a escritora e editora colaboradora do jornal New York Times Bari Weiss chamou recentemente de “guerra civil” interna no Times fez mais uma vítima: a própria Bari Weiss.
Em uma contundente carta aberta ao editor A. G. Sulzberger, que imediatamente viralizou no Twitter e em outras mídias sociais, Weiss afirmou que ela estava se demitindo do cargo como uma forma de protesto contra o jornal, que falhou em defendê-la de práticas de bullying externo e interno; contra o abandono, por parte do editor sênior, de um aparente compromisso em publicar notícias e opiniões fora do espectro ideológico ortodoxo do jornal; e contra a rendição de muitos dos repórteres e editores do Times à intolerância de pessoas ligadas à extrema esquerda, mobilização que prevalece no Twitter e chamada por ela de “o editor final” do jornal.
Weiss foi aparentemente retirada de seu papel como editora sem ter recebido nenhuma oferta para ocupar outra função no jornal. Os motivos que a tornaram persona non grata no Times não ficaram claros. “As matérias do jornal são, mais e mais, matérias sobre pessoas que parecem viver em uma galáxia distante, cujos problemas são profundamente diferentes da vida da maioria das pessoas”, ela escreveu. “Hoje em dia, firmar uma posição sobre um princípio dentro do jornal não lhe dá aplausos. Isso acaba colocando um alvo nas suas costas.”
Weiss foi procurada para comentar sua demissão, mas não respondeu às solicitações. Contudo, amigos e apoiadores disseram que a decisão foi tomada em parte por situações envolvendo a saída forçada, em junho, do editor de opinião James Bennet, a quem ela esteve subordinada por três anos no Times.
Bennet saiu do jornal, e seu substituto James Dao foi rebaixado de cargo depois de algumas pessoas de dentro do Times se revoltarem contra a decisão de Bennet em publicar um artigo de opinião do senador Tom Cotton. No texto, o político pedia a entrada em ação de militares para acabar com as manifestações em cidades americanas onde as forças locais de segurança falharam na restauração da ordem pública. Muitos desses trabalhadores do jornal protestaram contra o fato de o Times ter dado voz e espaço ao senador em sua poderosa plataforma que é a página de opinião.
Alguns repórteres discutiram sobre o fato de que as reivindicações do senador conservador seriam contraditórias à própria cobertura feita pelo jornal, e argumentaram que a publicação de tal texto colocava em risco a vida dos negros, incluindo aqueles que trabalhavam como repórteres no Times. Outros colaboradores criticaram a caracterização dada por Weiss de “guerra civil” ao debate sobre a publicação do artigo do senador. Seria um combate entre “aqueles que haviam despertado a consciência” (na maioria jovens) e os “liberais” (a maioria com idades acima dos 40 anos), o que refletiria uma guerra cultural mais ampla em todos os cantos do país. Muitos daqueles que a atacaram teriam como motivação uma traição por parte de Weiss em escancarar os chamados “feudos internos” do jornal.
Como consequência ao episódio envolvendo a publicação do senador, Weiss e muitos outros se opuseram ao novo sistema de “bandeira vermelha” do jornal, o qual efetivamente dava poderes mesmo aos editores júnior para “postergar ou mesmo parar a publicação de artigos contendo visões ou opiniões controversas”, conforme a definição de um editor do Times.
Weiss vinha sendo um para-raios de críticas desde que chegou do Wall Street Journal, junto com seu amigo e antigo colega de trabalho, o colunista Bret Stephens, que não quis comentar a saída dela do jornal. Logo após entrar para a equipe do Times, ela escreveu um artigo sobre a conquista da patinadora artística Mirai Nagasu: ela foi a primeira americana a conseguir um salto axel triplo nas Olimpíadas de Inverno, em 2018. Em uma postagem no Twitter, Weiss relacionou a conquista de Nagasu a um trecho do musical da Broadway “Hamilton”: “Imigrantes, vocês concluíram o trabalho” - a patinadora nasceu nos Estados Unidos, mas é filha de japoneses. Bastou para que ela passasse a sofrer ataques na rede social por supostamente ter “estigmatizado” de forma racista uma mulher americana descendente de asiáticos.
No Times, Weiss se autodefinia como uma liberal de centro preocupada com um possível risco de que o livre discurso venha a ser sufocado pelas críticas da extrema esquerda. Ela escrevia com frequência sobre o antissemitismo e sobre a Marcha das Mulheres, e alertou sobre os perigos das propostas fervorosas da cultura #MeToo em uma coluna controversa sobre o comediante Aziz Ansari, que chegou a inspirar um esquete no programa de humor Saturday Night Live.
Um de seus amigos disse que colegas de Weiss no Times se ressentiam e invejavam o sucesso da editora no jornal. “Ela era uma editora de nível médio, mas que conseguiu fazer bastante barulho. Seus artigos se tornaram argumentos para os esquetes do Saturday Night Live”, disse uma colega de trabalho que pediu para não ter o nome revelado.
Na carta de demissão, Weiss disse ter entrado no jornal para ajudar na publicação de “vozes que de outra forma não apareceriam naquela mídia, como escritores iniciantes, pessoas de centro, conservadores e outros que à primeira vista não viriam o Times como sua casa.”
Segundo ela, sua contratação foi feita depois que o jornal falhou em prever a vitória de Donald Trump nas eleições de 2016: “o jornal não tinha a real compreensão dos acontecimentos no país o qual se propunha cobrir.” Mas depois de três anos no jornal, disse Weiss na carta aberta, ela concluiu “com tristeza” que não poderia mais cumprir essa missão no jornal de maior leitura do país por causa do bullying dentro da redação e dos ataques quase diários que vinha sofrendo, a maioria de colegas do Times, nas mídias sociais. Ela lamentou a falta de vontade do jornal em defendê-la das intimidações online. “Me chamaram de racista e nazista; eu tive que aprender a ignorar comentários sobre como estou ‘de novo escrevendo sobre os judeus’”, disse.
Suas críticas ao editor Sulzberger foram vistas como verdadeiras por muitos veteranos do Times: ele já vinha sendo acusado de ceder aos apelos de liberais descontentes dentro do jornal. Profissional que frequentemente intervinha nas decisões editoriais do jornal, Sulzberger primeiro defendeu James Bennet e a decisão dele em publicar o artigo de opinião do senador Cotton, por exemplo. Mas depois de uma revolta interna, ele criticou a edição e a publicação do artigo, dizendo que naquele caso o processo editorial foi muito “apressado” e que aquela edição “não se adequava aos padrões” do jornal.
A saída de Weiss foi rapidamente celebrada nas mídias sociais por muitos de seus críticos, dentro e fora do jornal. O jornalista Glen Greenwald, por exemplo, a chamou de “hipócrita” por seus supostos esforços em “sufocar” professores de origem árabe ainda na faculdade, e pela defesa de Weiss, como jornalista, ao estado de Israel e algumas de suas políticas controversas.
Mas a pungente carta também encontrou apoio de muitas outras pessoas, como o aspirante a presidente Andrew Yang e o apresentador Bill Maher. “Como um leitor de longa data, que nos últimos anos lia esse jornal com um desânimo cada vez maior por causa de todas essas razões aqui apresentadas, espero que a carta [de Weiss] encontre ouvidos receptivos dentro do jornal. Porém, pelas mesmas razões aqui apresentadas, duvido muito que isso aconteça”, escreveu Maher no Twitter.
A demissão de Weiss também foi lamentada por pensadores e representantes da centro-direita americana, como Glenn Loury. “Que vergonha – para o país e para o Times”, escreveu Loury, professor de Economia na Brown University. Chamando Weiss de “corajosa”, ele disse também que o clima interno do jornal descrito por ela “não era uma surpresa”, e que tais fatos “a levaram até esse ponto, verdadeiramente chocante.”
Ele também aponta o fato de ela ter sido uma das poucas integrantes do Times a assinar uma polêmica carta enviada à Harpers Magazine, o que na opinião do professor pode ter sido a “gota d’água” para o jornal.
Essa carta, assinada por mais de 150 acadêmicos, escritores, intelectuais e artistas, condenou uma “nascente falta de liberalismo” resultante não apenas das provocações do presidente Trump e de seus apoiadores, mas também daquilo que os signatários chamam de “crescente cultura de dogmas e coerções” contra aqueles que se opõem a Trump.
O surgimento de mobilizações online para abafar visões polêmicas às quais essas pessoas são contrárias, diz a carta, se tornou “uma força potencialmente destrutiva.” Os signatários também lamentaram o que foi descrito por eles como uma “intolerância a visões opostas, uma popularidade do ostracismo e da execração pública e uma tendência a anular questões políticas complexas na forma de uma convicção moralmente cega” por parte dos liberais americanos.
Apenas um repórter proeminente do Times agiu rápido da defesa de Weiss. “É fato que muitos dos nossos leitores e pessoal interno discorda das visões de Bari Weiss – tudo bem”, tuitou Rukmini Callimachi, um premiado repórter e correspondente internacional. “Mas o fato de que ela vinha sofrendo ataques não só nas mídias sociais, mas também nos corredores internos do jornal, isso não é OK.”
Em nota, a editora em exercício Kathleen Kingsbury, responsável pela editoria de opinião do Times, disse que o jornal “agradece as muitas contribuições feitas por Bari ao Times”. Um porta-voz da empresa disse que Sulzberger não vai se manifestar publicamente em relação à carta de demissão de Weiss. O silêncio não deveria ser uma surpresa, dado o evidente clima de censura que paira sobre a imprensa nesses dias atuais.
Judith Miller é editora do City Journal e autora de "The Story: A Reporter’s Journey" e "Germs, Biological Weapons and America’s Secret War."
© 2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
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