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liberdade econômica

No Brasil, o mercado livre de energia não é tão livre assim

Parque eólico ‘Brisa Potiguar’, da Copel, em São Miguel do Gostoso, a 120 quilometros de Natal do Rio Grande do Norte | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Parque eólico ‘Brisa Potiguar’, da Copel, em São Miguel do Gostoso, a 120 quilometros de Natal do Rio Grande do Norte (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Por que não escolher sua própria fornecedora de energia elétrica, como se faz com serviços de telefonia? Qual o motivo para o consumidor se ver preso a uma cadeia de geração e distribuição, loteada pelo estado e com prazos de prestação de serviço que costuma ultrapassar os 15 anos? O mercado livre de energia é a solução para estimular a concorrência e a liberdade do consumidor. 

Ele já existe no mundo todo, em especial na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e na Austrália. Na teoria, o Brasil também estimula esse mercado: a primeira legislação autorizando o mercado livre data de 1995. Ainda assim, a política só alcança consumidores de grande porte, que ainda assim precisam encarar um cadastro complicado e cheio de burocracia, que costuma demorar seis meses para ser aprovado. 

O Brasil tem 82 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Mas o mercado livre de energia só é utilizado por 5.494 consumidores. De toda forma, o número representa um avanço, na comparação com os 1.826 consumidores de 2015 e os 940 de 2010. 

É pouco, mas esse total já responde por 30% do consumo nacional de eletricidade. Entre os maiores consumidores do mercado livre do país estão a Vale, a Companhia Brasileira de Alumínio, a Petrobras, a Braskem, o Carrefour, a Telefônica Vivo e a Claro. Isso acontece porque, de acordo com a legislação, o mercado livre de energia se aplica a dois públicos. 

O mercado livre se divide em dois grupos distintos. Existe a figura do consumidor especial: uma unidade, ou conjunto de unidades com mesmo CNPJ, com carga mensal igual ou maior a 500 kW, o que significa pagar uma conta de luz acima de R$ 70 mil mensais. Nessa categoria, os usuários do sistema livre devem, obrigatoriamente, consumir eletricidade de fontes renováveis. Entram nesse perfil shoppings, grandes redes de supermercados e varejistas. 

Acesso difícil 

Existe também o consumidor livre, com demanda contratada acima de 3.000 kW, o que gera uma conta mensal acima de R$ 300 mil. Consumidores menores, ou pessoas físicas, não são autorizados a participar desse mercado – são conhecidos no mercado como “consumidores cativos”, em oposição aos que podem negociar contratos definindo preço, prazo, volume e duração, que geralmente não ultrapassa os cinco anos. 

Fazem parte desse padrão as grandes indústrias de mineração e siderurgia, por exemplo. Entre 2002 e 2015, a indústria brasileira que aderiu deixou de gastar R$ 45 bilhões com eletricidade. 

A burocracia é grande, mas, para quem consegue aderir, o resultado é lucrativo. “Mais de 1.400 empresas compram e revendem energia no mercado livre, e essa competição permitiu que os grandes consumidores comprem energia 23% mais barata, em média, do que comprariam no mercado tradicional”, explica Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). Os integrantes do mercado pagam duas contas diferentes, uma para a geradora de energia, outra para a distribuidora. 

As vantagens são várias: além do preço mais baixo, os contratos favorecem a organização financeira dos clientes. “No mercado cativo, o consumidor não consegue prever o aumento de tarifa, que pode até passar de dois dígitos de um ano para outro. No mercado livre, quando você fecha um contrato de cinco anos, você sabe que o preço vai ser reajustado pelo IPCA”, explica o especialista em comercialização de energia Erick Azevedo, sócio da FDR Energia, uma empresa do ramo que elabora um índice de atratividade dos estados brasileiros para o mercado livre de energia. 

A maior vantagem do Ambiente de Contratação Livre (ACL) frente ao Ambiente de Contratação Regulado (ACR) é a possibilidade de negociação livre de preço, prazo e volume da energia”, explica a vice-presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Solange David. “Os contratos são fechados bilateralmente entre as partes, o que não ocorre no ACR, onde as compras de energia ocorrem via leilões e as tarifas são reguladas. A atratividade do mercado livre está na possibilidade de escolha de fornecedores e de preços que podem ser mais baixos”. 

Para participar, as empresas precisam levantar uma série de documentos, pagar uma taxa de adesão de R$ 6.300,00 e abrir conta bancária na agência Trianon USP do Bradesco em São Paulo – não pode ser nenhuma outra agência, mesmo no caso de empresas que já tenham conta no mesmo banco. 

Entre as exigências, está a mudança do tipo de relógio de leitura de luz, o que custa aproximadamente R$ 20.000,00 – esse procedimento envolve uma série de mudanças estruturais na empresa e segue normas estabelecidas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pela CCEE. O processo é tão complexo que as empresas costumam pagar para consultorias especializadas. 

“Caso o consumidor apresente a documentação correta, é possível realizar sua habilitação comercial e técnica em um mês”, pontua Solange David, da CCEE. Na Alemanha, em contraste, existe um simples aplicativo para as empresas e pessoas físicas realizarem cadastros. 

Penúltimo lugar 

A Abraceel elabora o Ranking Internacional de Liberdade no Setor Elétrico. O mais recente, divulgado em agosto, coloca o Brasil na 55ª posição de 56 países analisados. Está à frente apenas da China. 

“Como os chineses estão começando a se movimentar para entrar no mercado livre de energia, e eles costumam agir muito rápido, é possível que dentro de pouco tempo o Brasil caia para o último lugar”, afirma Reginaldo Medeiros. Os líderes do ranking são, pela ordem, Japão, Alemanha, Coreia do Sul, França e Reino Unido. O Brasil está atrás de Colômbia, Chile e México. 

Segundo a Abraceel, em 35 países o mercado é inteiramente livre, incluindo o consumidor residencial. Deste total, 27 nações estão na Europa, onde um total de 450 milhões de moradores pode escolher quem vai suprir sua eletricidade. Nos Estados Unidos, 23 dos 50 estados permitem que pessoas físicas escolham sua fornecedora de energia elétrica. No Canadá, as províncias de Ontário e Alberta também permitem que consumidores de menor porte participem do mercado. 

Tramita na Câmara dos Deputados brasileira um projeto de lei que prevê que a abertura para consumidores menores será gradual. Começaria com os segmentos de alta e média tensão, até 2026. Só então chegaria aos consumidores comuns, de baixa tensão. “Defendemos que a adesão dos consumidores menores poderia ser mais rápida”, diz Reginaldo Medeiros, presidente da Abraceel. 

“Para os próximos anos, está planejada uma redução gradual dos limites para acesso ao mercado livre, culminando com a abertura do mercado até 2026 para consumidores de alta e média tensão, alcançando o limite inferior de 75 kW de demanda”, diz Solange David. Por que tanta demora para levar o mercado livre para novos públicos, com padrão mais baixo de consumo? 

“Demorou por causa da diretriz dos governos a partir de 2003”, responde Erick Azevedo. “Agora, com a mudança de governo, espera-se que já em 2019 o consumo mínimo para participar baixe de 500 kW para 200 kW. Quando o governo sinaliza para fazer aberturas, o mercado se adapta rapidamente”.

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