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Tep Khunnal foi secretário pessoal do ditador Pol Pot e se manteve fiel mesmo nos estertores do regime, nos anos 90. Hoje se dedica a dar palestras sobre os métodos de gestão do consultor austro-americano Peter Drucker. | Omar Havana/NYT
Tep Khunnal foi secretário pessoal do ditador Pol Pot e se manteve fiel mesmo nos estertores do regime, nos anos 90. Hoje se dedica a dar palestras sobre os métodos de gestão do consultor austro-americano Peter Drucker.| Foto: Omar Havana/NYT

Durante anos, Tep Khunnal foi o devotado secretário pessoal de Pol Pot, mantendo-se leal ao líder ultracomunista até mesmo durante o colapso do Khmer Vermelho no fim dos anos 1990.

Forçado a se reinventar após a morte de Pol Pot, ele fugiu para esta cidade remota na fronteira com a Tailândia e começou a seguir um guru consideravelmente diferente: o teórico da gestão e consultor empresarial austro-americano Peter Drucker.

“Percebi que em alguns outros países, na América do Sul e no Japão, eles estudavam Drucker, e usavam suas ideias para que seus países fossem mais prósperos”, afirmou.

Os habitantes dessa cidade agitada são quase todos ex-soldados, ex-membros do Khmer Vermelho e suas famílias, mas todos parecem ter adotado o capitalismo com o mesmo vigor que antes aplicavam para destruir a distinção de classes, o livre comércio e até o próprio dinheiro.

Tep Khunnal contribuiu abrindo o caminho, como fundador de uma empresa de exportação agrícola e um banco de microfinanciamento para agricultores, antes de se tornar o governador do distrito. Nessa sua posição, encorajou seus eleitores a fazer o mesmo.

O mercado local, com desenhos brilhantes de notas de dólar pintados na fachada – a propaganda de uma empresa de telecomunicações – é operado por uma cooperativa de ex-oficiais do Khmer Vermelho. Inspiradas pelo banco agrícola de Tep Khunnal, agora existem seis organizações desse tipo em Malai.

O sucesso de sua empreitada agrícola gerou cerca de uma dúzia de empresas de exportação de mandioca, quase todas lideradas por ex-soldados ou ex-seguidores do Khmer Vermelho. Todas as tardes da semana, a principal rua da cidade fica cheia de caminhões coloridos que levam a mandioca para o outro lado da fronteira.

“Nos juntamos aos comunistas, e agora estamos do lado dos capitalistas, que são muito melhores”, afirmou Dim Sok, uma autoridade local.

“Mercado de ações”

Trabalhadores descarregam um caminhão com mandioca em Malai. Cidade agora abriga várias empresas de importação e exportação.Omar Havana/NYT

Dim Sok, de 65 anos, era um agricultor quase analfabeto quando se tornou revolucionário em 1970, lutando na floresta ao lado do Khmer Vermelho por cinco anos, antes de o grupo assumir o poder. Na tentativa de transformar o país em uma utopia agrária, o governo do Khmer Vermelho levou toda a população urbana para o campo para viver como agricultores, destruindo bancos e escolas. Ao menos 1,7 milhão de pessoas morreram durante os quatro anos de governo.

Quando foram derrubados em 1979, retornaram para lugares como Malai, no extremo oeste do Camboja, junto com milhares de soldados e apoiadores do movimento. Enquanto Pol Pot continuava a restringir o livre comércio nas áreas que controlava, os habitantes de Malai podiam comercializar alguns itens e acumular bens privados a partir dos anos 1990.

A área se tornou independente do Khmer Vermelho em 1996, em parte para evitar as tentativas de Pol Pot de recoletivizar a propriedade, e em pouco tempo, alguns milhares de ex-comunistas juntaram dinheiro suficiente para construir o mercado, dividindo-o em cotas, em uma empresa coletiva.

Cada acionista tem direito a receber dividendos trimestrais baseados nos aluguéis pagos pelos vendedores. A taxa de retorno é alta: Dim Sok disse que recebe US$10 a cada três meses a partir de um investimento inicial de cerca de US$50.

“É como um mercado de ações”, afirmou sorrindo.

Dim Sok conta que não vê contradição entre sua vida atual e os anos que passou aplicando uma linha extremamente radical de comunismo.

“Na ideologia comunista, eles acusam o capitalismo de explorar as pessoas. Mas agora vivemos em uma sociedade capitalista e duas coisas podem acontecer: você pode ser explorado, mas também pode evitar que os outros explorem você.”

De soldado a agricultor e torcedor do Arsenal

Muitas pessoas na região parecem ter encontrado meios de evitar que isso aconteça.

Nget Saroeun, de 62 anos, passou mais de duas décadas como soldado, boa parte delas em uma guerra de guerrilha nas montanhas em volta de Malai. Atualmente é um agricultor próspero que caminha vigorosamente pelo campo, apesar de ter perdido uma perna ao pisar em uma mina terrestre. Ele é torcedor do time de futebol inglês Arsenal e gosta de conferir o preço das commodities e ler sobre técnicas agrícolas no celular.

“Anteriormente, a vida era muito difícil aqui. Antes só havia floresta. Mas agora está cheio de casas de concreto”, afirmou.

Ele elogiou Tep Khunnal por ensinar os agricultores “a responder às demandas de mercado”, optando pela produção de mandioca, usada para produzir amido e ração animal.

Espalhando o capitalismo

Mercado em Malai, controlado por uma empresa gerenciada por ex-soldados do Khmer VermelhoOmar Havana/NYT

Malai ainda era um reduto infestado pela malária no meio da floresta quando Tep Khunnal se mudou em 1998, trazendo consigo a viúva de Pol Pot, com quem se casou pouco depois da morte do chefe.

Ao lado de Soom Yin, um ex-soldado muito esperto, apesar de sua educação precária, ele fez um empréstimo para testar algumas de suas ideias. A empresa comprou a primeira máquina de secagem de milho da região, importou da Tailândia um tipo de milho resistente ao sol e estabeleceu sistemas de controle de qualidade para milho e mandioca, que depois também foram adotados nos armazéns.

Atualmente, Soom Yin é dono da maior empresa de exportação da região e adora conversar sobre as minúcias do comércio da mandioca, dos níveis de umidade, às flutuações de preço. Ele conta que também lê livros sobre gestão.

Os modos do Khmer Vermelho “são muito velhos agora”, afirmou. “Nem eu sonho mais com aquilo. Agora só fazemos negócios”.

Tep Khunnal, de 67 anos, se aposentou do governo e dos negócios há alguns anos e agora dedica seu tempo para espalhar as ideias de Drucker pelo país. Ele dá aulas em uma universidade em uma província da região e está traduzindo as obras do teórico para o khmer. Chegou até a crar um pequeno manual com seus trechos prediletos de Drucker.

“Tenho certeza de que se o Camboja adotasse essa ideia, o país caminharia na direção correta”, afirmou.

Ele não quis conversar sobre suas finanças, mas vive em um enorme sítio murado, cercado por jardins luxuosos. Quando sua enteada, a única filha de Pol Pot, se casou em 2014, ele deu uma festa regada a licor francês e candelabros de vidro pendurados em enormes tendas rosa e brancas.

Comunista fã de Friedman

Filas de caminhões esperando para carregar mandioca, principal produto agrícola da regiãoOmar Havana/NYT

Ele conta que começou a ler sobre economia quando era enviado do Khmer Vermelho nas Nações Unidas, nos anos 1980. Embora gostasse de Milton Friedman, o economista de livre mercado,e Frederick Taylor, pioneiro da gestão científica, sentiu-se atraído pela insistência de Drucker no fato de que os funcionários são fundamentais para o sucesso da empresa.

“O mais interessante para mim é que ele fala sobre pessoas, dá poder aos indivíduos, não ao coletivo”, afirmou a respeito de Drucker. “No início do século XX, Frederick Taylor falava sobre eficiência, mas Drucker falava sobre eficácia”.

Durante uma palestra recente, Tep Khunnal pedia para os alunos se lembrarem de que a boa gestão é tão importante quanto as boas ideias.

“In-no-vation”, afirmou, usando a palavra em inglês, “significa uma nova ideia, mas também significa ser bem sucedido em sua estratégia”.

Alguns de seus argumentos teriam sido úteis ao Khmer Vermelho em seus últimos dias, quando o movimento se desintegrou em inúmeras facções inimigas.

Ao ser questionado se Pol Pot era um bom gestor, seu antigo assistente mudou de assunto.

“Não quero ser o juiz deste caso. Deixe que a história faça isso. Eu só penso no futuro.”

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