Aviso: este texto contém spoilers do quinto episódio da última temporada de Game of Thrones.
Se você já assistiu a Game of Thrones (ou leu os livros), sabe muito bem como o autor George RR Martin adora frustrar as convenções da ficção de fantasia. Assim que a espada cortou a cabeça de Ned Stark, no fim da primeira temporada, os espectadores perceberam que estavam diante de algo completamente diferente. Heróis fracassavam. O mal triunfava.
Essa realidade voltou à tona no Casamento Vermelho, quando fãs (que não tinham lido os livros) se sentiram certos de que conheciam o verdadeiro arco narrativo. Game of Thrones não era a história de Ned Stark; era a história da vingança virtuosa de Robb Stark – até deixar de ser. Não perdemos a esperança nem mesmo depois que Robb morreu vergonhosamente. Daenerys Targaryen, no Leste, rompia os grilhões. Ao Norte, Jon Snow herdou o legado do pai e, quando as espadas tiraram sua vida, ele venceu a própria morte. Por fim, entendemos quem venceria e esperamos ansiosamente por sua vitória.
Mas não. Mesmo vendo o herói em Jon Snow e a libertadora em Dany, também percebíamos as origens de seu fracasso. À medida que o poder de Dany aumentava, também aumentava sua sede de morte e vingança. Ela crucificou inimigos no Leste, alimentou seus dragões com os corpos dos nobres de Meereen, pôs fogo nos Tarly e foi convencida a abandonar os maus feitos por seus conselheiros. Por fim, ela ficou sozinha, ferida pela perda de todos os que realmente a amaram e furiosa pelas muitas traições de todos os que permaneceram por perto. Assim que Jon se afastou dela, a sorte estava lançada.
E quanto a Jon? Num momento crucial, o herói foi tão-somente um peão. Ele se mostrou completamente impotente quando Drogon queimou pessoas inocentes. Ele não teve forças para impedir a sede de sangue de seus próprios homens. Ele deu poder a Daenerys – e ela se transformou num mostro. Jon talvez tenha outro momento de heroísmo antes do fim da série, mas as ruínas do Porto Real permanecem como um monumento ao seu fracasso. O melhor homem de Westeros não foi capaz de impedir o genocídio de sua rainha.
Houve uma cena no episódio que monstrou claramente que a queda de Dany estava em seu destino – que ela era de fato filha de seu pai. Ao sobrevoar seguidamente a cidade – lançando fogo do alto – o hálito de Drogon começou a apagar o incêndio causado pelo Rei Louco que queimava sob a cidade. Quando o fogo verde dele se misturou ao fogo vermelho e alaranjado dela, ela se tornou de fato herdeira do Rei Louco. Ela concluiu o que ele havia começado.
A cena foi especialmente emocionante, em parte, porque as duas últimas temporadas foram cheias do que os críticos maldosamente chamam de “subserviência aos fãs”. Personagens que amávamos triunfaram. Personagens que odiávamos morreram. No terceiro episódio desta temporada, testemunhamos a cena mais subserviente aos fãs de todas — quando toda a esperança parecia perdida, Arya Stark matou o Rei da Noite. No quinto episódio, a subserviência aos fãs acabou. Um dos personagens mais heroicos da história passou a agir da forma mais sombria possível. Foi como se Aragon se tornasse Sauron. Queríamos que ela derrotasse seus demônios. Em vez disso, ela deu vazão a eles. Ela se transformou no mal que tanto desprezava.
Calvinismo sem Cristo
Não temos ideia de como a série terminará. Não sabemos quem – se é que alguém – se sentará no Trono de Ferro. Jon tirou os soldados do Norte do Porto Real, possivelmente traindo sua rainha vingativa. Arya está na cidade e não sabemos o que aconteceu a Sansa Stark. Mas é difícil imaginar um final realmente feliz para uma das melhores séries na história da televisão. Numa reportagem de capa da National Review publicada há dois anos, descrevi Game of Thrones como “um calvinismo sem Cristo”. A devassidão humana está à solta e até mesmo os bons homens e mulheres sofrem o peso de seus horríveis defeitos. E não há um bem maior ao qual as pessoas possam apelar em busca de redenção e esperança.
É uma versão melancólica, sem dúvida, mas é também uma visão interessante e relevante. Martin expressou uma verdade importante. Quando homens e mulheres confiam apenas em si mesmos na busca por justiça e esperança, eles fracassam. Tolkien sabia disso e libertou seu mundo por meio de uma esperança que transcende os parcos esforços dos homens falhos. Martin também conhece essa verdade, mas ele impede a libertação de seu mundo – porque um mundo sem uma verdade transcendente é um mundo sem justiça. Daenerys Targaryen é agora a Rainha Louca. Não deveríamos ter esperado outra coisa. O suspense que resta não é o do bem triunfando sobre o mal, e sim o de que qualquer decência possa ser preservada.
À medida que a série chega ao fim, a visão sombria de Martin prevalece. Não esperamos mais encontrar redenção, e sim alguma paz. Não há finais felizes em Westeros.
David French é redator sênior da National Review, bolsista sênior do National Review Institute e veterano da Guerra do Iraque.
Tradução de Paulo Polzonoff Jr.
©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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