Por onde quer que se olhe, a romance da Mongólia com a democracia é uma história recente. Tornada famosa pelas conquistas de Gengis Kahn, seu filho mais conhecido, o país passou dois séculos sob domínio chinês, e outras sete décadas sob domínio de uma ditadura comunista. Menos de 25 anos portanto, separam séculos de regimes autoritários de uma democracia liberal. Os resultados porém, são até aqui bastante expressivos.
Como parte do seu processo de mudança de regime, o governo mongol optou por uma ampla abertura econômica e política, iniciada logo após a queda do muro de Berlim e concluída com as eleições gerais de 1995. De lá pra cá, o país segue adotando medidas austeras de controle dos gastos públicos, e tornando-se um destaque nos chamados Rankings de Liberdade Econômica, dentre os quais o Doing Business, do Banco Mundial.
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Definir o que é liberdade econômica pode parecer um contrassenso, afinal, não existe liberdade pela metade. Ou se é livre, ou não se é. Na prática porém, as nuances burocráticas e o peso do Estado variam, e muito, em cada país, ou mesmo em regiões de um mesmo país. Daí a conclusão do Banco Mundial por optar um caminho mais simples, respondendo a uma pergunta complexa: onde afinal é mais fácil fazer negócios no mundo?
No ranking de 190 países, o Brasil encara uma nada honrosa 123ª colocação, atrás dos hermanos argentinos e dos iranianos por exemplo. Enquanto isso, a Mongólia segue em sua crescente, e já figura em 64º, logo atrás de países como Porto Rico, que recentemente aprovou sua entrada nos Estados Unidos como 51º estado americano.
Casos de ex-repúblicas socialistas convertidas ao capitalismo não costumam ser raros, apesar disso porém, a maior parte dos exemplos bem sucedidos encontram-se no continente europeu, do que o leitor pode concluir, com certa razão, que a proximidade com economias maduras tenha tido grande impacto. Justamente por isso a pergunta a seguir torna-se tão intrigante:
Mas afinal, como o Brasil conseguiu a proeza de ter menor facilidade para fazer negócios do que o uma ex-república socialista espremida entre a Rússia e a China?
Responder a esta pergunta não é das tarefas mais fáceis, e se o leitor que ir além do óbvio, como austeridade por parte do governo e estabilidade macroeconômica, é importante notar um fator histórico crucial: o momento no qual cada país optou por sair de um regime autoritário.
Terminado em 1985, nosso regime ditatorial foi logo seguido de uma nova constituinte, realizada em 1988, pouco menos de um ano antes da queda do Muro de Berlim. Substituímos um regime economicamente perverso que alimentou as elites e favoreceu o crescimento por meio da concentração de renda por um modelo similar ao europeu, com grandes benefícios sociais, como que para compensar os anos da lógica de “primeiro fazer o bolo crescer para depois dividir”, adotada durante nosso regime militar. Faltou nos atentar a um mero detalhe: nossos trabalhadores não possuem uma produtividade sequer próxima da dos europeus para bancar tamanhos benefícios.
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No caso mongol, a lógica seguiu sua própria história. Anos de escassez de produtos básicos e um governo incapaz de produzir, aliado a vizinhos com vasta quantia de capital disponível para investir, fizeram o país se abrir para o mundo, e lutar para se mostrar um destino digno do capital estrangeiro.
O resultado é que hoje, 25 anos depois, o índice de desenvolvimento humano do país não para de crescer, tendo superado recentemente países do sudeste asiático como Tailândia e Filipinas, que optaram por caminhos distintos nas últimas décadas, e ainda não conseguiram superar conflitos internos e externos com a mesma capacidade dos mongóis.
Na prática, cada um a seu modo, os mongóis e os brasileiros optaram por seguir o caminho que a história parece reservá-los. No caso de lá, a abertura com o resto do mundo e a globalização, ensaiada séculos atrás com a rota da seda. Por aqui, ainda nos portamos como o país do futuro, que parece cada vez mais improvável.
O que a Mongólia fez de diferente?
Abençoado por uma das maiores reservas de petróleo do planeta, o Brasil vinha, até 2008, seguindo um mesmo padrão na área de petróleo e gás, permitindo que estrangeiros comprassem participações em campos de produção, e se comprometessem a investir nestes mesmos campos. O resultado foi, além de desafogar a Petrobras, que não possuía capital suficiente para investir em todos os campos sozinhas, um crescimento da produção diária de petróleo no país de 720 mil para 2,2 milhões de barris diários.
Ao contrário do que se poderia pensar, um modelo bem sucedido como este acabou sendo descartado quando o governo presenciou a oportunidade de ganhar verdadeiras fortunas, explorando tudo sozinho.
Quase seis anos se passaram desde que o pré-sal foi descoberto até que o mesmo governo admitisse que precisaria de recursos extras para explorar algum campo. Os bilhões que entraram em investimentos no campo de Libra, leiloado para franceses e chineses, além da Petrobras, permitiram não apenas o governo fechar as contas, como também milhares de empregos gerados.
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Imagine que no momento onde o dinheiro sobrava no mundo e o petróleo valia US$ 140 o barril, decidimos não receber 1 centavo gringo, pois estávamos ocupados demais imaginando como eles agiriam para nos roubar. Resultado mais prático: 6 anos sem crescimento da produção, e uma estatal sem condições financeiras de tocar todo o projeto.
Ao contrário deste cenário, a Mongólia tem visto na comunidade estrangeira, incluindo aí gigantes como a brasileira Vale, oportunidades de transformar sua economia, antes baseada em nômades e agricultores, em uma mais diversificada, ao menos no campo primário.
O resultado é que nenhum país asiático, nem mesmo a China, atingiu taxas de crescimento similares as mongóis.
Como consequência, as taxas de pobreza no país, ainda fortemente ligado a terra, seguem uma marcha de queda, bastante similar a brasileira, porém com uma economia muito mais diversificada. Em dez anos, a pobreza no país recuou 25%, enquanto o PIB per capita simplesmente dobrou. Feito que não ocorre no Brasil desde nosso chamado milagre econômico.
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Ao contrário do milagre brasileiro, o crescimento mongol não vem repleto de surpresas, como um endividamento elevado do governo e inflação descontrolada. Nem mesmo a concentração de renda, caraterística comum em economias com forte crescimento, tem ocorrido no país.
Por lá, o gasto público representa apenas 11% do PIB. Apesar de crescente, dado o aumento de demandas do estado com a migração da população do campo para a cidade, a dívida segue sob controle, representando hoje menos de 6% do PIB do país.
Comentar casos de países relativamente pobres e com crescimentos expressivos em percentuais de sua economia, via de regra suscita um debate comum: países assim crescem muito porque tem pouco e cada investimento gera um grande impacto, ou seu potencial é de fato genuíno?
Tal pergunta pode parecer boba, e em certo ponto reproduz um senso comum, de que basta abrir uma pequena fábrica em um país pobre, e ele terá um enorme crescimento.
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Justamente aí o desenvolvimento torna-se um fator relevante. Ao aliar a constância do crescimento com melhora em indicadores sociais, é possível perceber sem grandes dificuldades que não falamos aqui de um processo meramente exploratório, onde a empresa estrangeira chega, produz riquezas e vai embora.
Ao conceder mais de 3 mil licenças para mineração em um espaço de meros dez anos, o país passou a de fato valer seu imenso potencial, antes destinado apenas a ser linha auxiliar de países maiores, como a ex-União Soviética.
Para qualquer brasileiro que já tenha imaginado o potencial transformador do pré-sal na nossa economia e se deparado com a realidade em que estamos hoje, dez anos após o ocorrido, não é difícil notar que se desenvolver é via de regra o oposto da maravilha propagada nas peças publicitárias de políticos. Exige trabalho duro, poupança, perseverança e autocrítica.
Se você já se aventurou a abrir uma empresa e pagar impostos por aqui, já deve ter sacado que coisas assim, em especial a parte da autocrítica, não são lá muito realistas no cotidiano da maior parte dos empreendedores e burocratas brasileiros.
Imagine por exemplo, que neste país, repleto de estepes e tribos nômades, sem nosso revolucionário modelo de cartórios, juntas comerciais, e uma tecnológica Receita Federal, é possível pagar TODOS os seus impostos em 204 horas, contra 2600 horas no Brasil. É possível também, abrir uma empresa em 3 vezes menos tempos.
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Assim como inúmeros casos, como o Paraguai, ou Botswana, entender que bênçãos da natureza não são nada se tivermos fadados a morrer com nossa própria burocracia, é parte fundamental do processo para se ficar mais rico, ou nem que seja, menos pobre.
Falamos aqui de um país sem estruturas básicas de atendimento social, de fato, mas que ainda assim, vê sua população ter um crescimento na renda 4 vezes superior ao brasileiro, todos os anos.
Como já ocorreu no caso chinês e no caso paraguaio, não seria surpresa portanto ver até mesmo os mongóis, presos em um canto de mundo aparentemente esquecido por todos nós, passar a nobre nação do futuro em renda e qualidade de vida da sua população.
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