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Vale do Silício

No Twitter, 98,7% para democratas, 1,3% a republicanos: os motivos do viés esquerdista das Big Techs

Manifestantes pedem a saída do então presidente dos EUA, Donald Trump, e de seu vice-presidente, Mike Pence, em frente à sede do Twitter em San Francisco, Califórnia, EUA, no dia 06 de novembro de 2020. (Foto: EFE/EPA/JOHN G. MABANGLO)

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Um dia após a compra do Twitter pelo bilionário sul-africano Elon Musk, a administração da rede social chamou por uma reunião com todos os seus mais de cinco mil funcionários. Áudios vazados e publicados pelo Project Veritas (grupo norte-americano que tenta expor o viés progressista na imprensa) revelam que no dia seguinte ao acordo houve muitas manifestações de descontentamento pela aquisição. Há relatos de que executivas ligadas à “moderação de conteúdo” chegaram a chorar, incluindo Vijaya Gadde, advogada que é apontada como principal nome por trás da censura à conta do jornal New York Post por ter publicado informações corretas sobre um laptop abandonado por Hunter Biden, filho do presidente, na época da campanha para as últimas eleições presidenciais americanas. Há indícios que Hunter tenha usado o nome do pai para fazer tráfico de influência. Vijaya teria sido também a principal cabeça por trás da decisão de banir o ex-presidente americano Donald Trump da rede social.

Por que o choro e ranger de dentes? Um fator para isso é que Elon Musk não se encaixa na ideologia dominante entre os funcionários do Twitter. Ele critica a “extrema-esquerda” e a “extrema-direita”. Porém, com opiniões sérias e “memes” (piadas geralmente baseadas em imagens), também critica o identitarismo cada vez mais popular entre progressistas, maioria dentro do Twitter. Por exemplo, depois que foi revelado que seu rival Bill Gates, da Microsoft, tentou apostar contra a fabricante de carros elétricos Tesla (chefiada por Elon) no mercado de ações, o sul-africano respondeu com um tuíte comparando Bill ao novo emoji do homem grávido. Por outra piada envolvendo transexual o Twitter havia suspendido a conta do site satírico Babylon Bee.

Interpretações sensíveis desse tipo de humor por parte dos progressistas identitários geralmente levam a acusações de “transfobia” (preconceito contra transexuais), que, como outros preconceitos percebidos ou reais, um crescente consenso progressista prega que está além dos limites da liberdade de expressão. Em contraste, Elon defende que o Twitter tenha a liberdade de expressão como previsto em lei, o que frustra os planos censórios com a desculpa da defesa aos “oprimidos”, e ele foi um crítico das políticas autoritárias da pandemia feitas em nome da segurança.

Doações para a esquerda

Embora haja alguns funcionários empolgados com a nova direção do Twitter sob a batuta do bilionário excêntrico, as respostas negativas e até emocionadas não são grande surpresa. Em pesquisa feita em 2018, antes das eleições de meio de mandato americanas, o Centro de Política Responsiva investigou doações feitas para a campanha de candidatos Democratas (mais progressistas ou pró-redistribuição de renda pelo Estado) ou Republicanos (mais conservadores e pró-livre mercado) entre funcionários de 18 grandes empresas de tecnologia. Do dinheiro doado dos funcionários do Twitter, 98,7% foram para candidatos Democratas. Esse desequilíbrio político só perde para o das doações de funcionários da Netflix: 99,6% para os Democratas. O padrão de favorecimento desse partido se segue em outras empresas: 97,5% na Apple, 96% no Google, 94,5% no Facebook, 91,7% na Microsoft, 89,3% na Amazon e 81,5% no Uber.

Em nenhuma das outras empresas investigadas houve uma maior parte de doações para o partido Republicano. O máximo observado na proporção de doações foi de 33,9% na Oracle, 21,5% na Intel e 20% na HP. Essa distribuição já dá uma evidência dos motivos da desproporção.

Personalidade e sexo

Em 2017, o engenheiro de software James Damore foi demitido por ter escrito um memorando interno discutindo evidências científicas de diferença entre os sexos nas preferências. Ele foi encorajado por superiores e pela cultura da empresa, que é famosa por cultivar uma cultura aberta e informal entre os funcionários, que devem “trazer todo o seu ser para o trabalho”.

James se opunha a práticas que já estariam acontecendo na época, de cotas para mulheres em certos empregos dentro da tecnologia que naturalmente são menos interessantes para elas como um grupo (interessadas seriam mais raras entre mulheres do que entre homens). A consequência disso é que o sonho da paridade de 50% para cada sexo termina em injustiça. Ao ser demitido, James foi acusado de sexismo pelo chefe executivo do Google, Sundar Pichai.

No memorando, o engenheiro faz uma breve discussão de diferenças de personalidade entre homens e mulheres que fariam com que seria mais comum entre as mulheres o interesse pela parte da tecnologia da informação que lida com a interface de usuário, chamada de “front end”, enquanto entre homens seria mais comum o interesse pela programação pesada e mais próxima do hardware, conhecida como “back end”. Empresas como a Oracle, Intel e HP são conhecidas por sua maior ênfase em back end que em front end, enquanto é o contrário no Twitter e no Facebook.

É possível que a rejeição a Elon Musk não seja somente uma questão de política, mas uma questão de política e sexo: ele é mais rejeitado por mulheres do que por homens. Sendo o progressismo mais atraente para certa parte das mulheres, pois usa uma retórica de cuidado, salvamento e empatia (mesmo que os resultados práticos indiquem o contrário, como no caso do aborto), a rusga política pode encerrar em si uma rusga de sexo.

James Damore, cuja franqueza em assunto socialmente sensível poderia ser explicada ao menos em parte por ele ser um portador da síndrome de Asperger (uma forma leve de autismo), enfrentou um cancelamento furioso envolvendo até cientistas mais simpáticos ao progressismo que estudam essas questões de sexo e comportamento. Mas profissionais como Felipe Novaes, doutor em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ecoam a mensagem geral de Damore: “É muito provável que o pessoal do Vale do Silício seja mais aberto a novas experiências, o que facilita a adesão a pautas progressistas”, disse Felipe à reportagem.

A abertura a novas experiências é um dos cinco fatores de um dos mais bem estabelecidos modelos científicos da personalidade, o “Big Five” (algo como “Os Grandes Cinco”). “Acadêmicos e outros profissionais acostumados a ganhar a vida com o intelecto tendem a ter personalidade mais aberta, e talvez o processo educacional pelo qual passam estimule uma abertura maior ainda, pois aprendem a se guiar pela racionalidade e a questionar as tradições”, acrescenta o dr. Novaes. Ele especula por que razão, também, autistas como James Damore são atraídos pela área: “muitas pessoas ligadas à tecnologia têm se mostrado desajustadas socialmente. Tenho a impressão de que tendem mais que outras a querer reformar a sociedade, os hábitos, os costumes, para que o mundo se torne mais convidativo para eles próprios”.

Cerca de 10% dos homens e das mulheres não têm traços de personalidade que difiram entre si, estão na intersecção entre um sexo e outro neste aspecto. Uma das maiores diferenças de interesse conhecidas entre homens e mulheres é que eles preferem trabalhar com “coisas” (objetos inanimados, sistemas etc.) e elas preferem trabalhar com pessoas e cuidados. Os traços de personalidade também variam entre progressistas e conservadores: os primeiros têm mais abertura a novas experiências, os últimos têm mais conscienciosidade (outro dos “grandes cinco” que diz respeito a ser uma pessoa regrada, pontual e organizada).

O estudo da personalidade, da diferença entre os sexos e de como essas diferenças são tratadas em ideologias políticas que as interpretam de formas radicalmente diferentes (ao ponto de até negá-las, entre progressistas mais radicais) dará as melhores respostas sobre por que as grandes empresas de tecnologia, a academia, Hollywood e o Vale do Silício são como são. Sua baixa diversidade de pensamento não é uma questão cientificamente intratável.

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