Katalin Karikó, bioquímica húngara, e Drew Weissman, pesquisador médico americano, são os ganhadores do prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina este ano, anunciou a Academia Sueca nesta segunda-feira (2). Depois de se conhecerem em 1998 em torno de uma máquina de Xerox na Universidade da Pensilvânia, os cientistas, hoje sexagenários, colaboraram no problema de tornar mais estáveis as moléculas de RNA mensageiro (mRNA) para que fossem lidas por células em cultura. A mensagem molecular poderia então ser traduzida em proteína viral, tornando viável uma forma totalmente nova de fazer vacinas.
Karikó, além do talento científico, teve também o mérito de não ter desistido do problema nos anos 1990, quando a fé na solução era pouca e o investimento, idem. Quando começaram a colaborar, os dois notaram que, enquanto o mRNA produzido em laboratório era reconhecido e rejeitado pelas células cultivadas, o mRNA natural produzido por outras células era aceito. Havia uma lacuna no conhecimento da biologia molecular a respeito: os blocos construtores do mRNA natural passam por modificações químicas até então não conhecidas. Descobrindo quais eram essas modificações e administrando-as ao mRNA sintético, eles finalmente abriram as portas para a tecnologia utilizada na Comirnaty, uma das vacinas mais utilizadas no mundo contra a Covid-19. Sua principal publicação é de 2005.
Em pesquisa de ponta nessa área, os cientistas com frequência conversam com o mercado. Karikó agiu rápido, fundando a empresa RNARx dois anos depois da publicação. Ainda havia ceticismo: ela conseguiu apenas 100 mil dólares do governo americano, uma quantia pequena para a empreitada. A empresa durou seis anos, mas o trabalho chamou a atenção da BioNTech, fundada concomitantemente por um casal de cientistas turcos residentes na Alemanha que tiveram mais sucesso em atrair investimento: 150 milhões de euros em 2007. A Comirnaty veio da experiência da Pfizer em parceria com o conhecimento da BioNTech. As patentes da RNARx também foram utilizadas na produção da vacina concorrente da empresa Moderna, rendendo centenas de milhões de dólares.
O RNA é similar ao DNA, mas não tem forma de dupla hélice, como a mais famosa molécula. Seu papel é muito mais versátil, atuando às vezes como enzima. Por ter um papel que poderia ser tanto de guardar informações genéticas quanto de atuar nas reações químicas da célula, muitos cientistas acreditam que o RNA foi salutar na origem da vida. Na forma de mRNA, seu papel é passar a informação genética contida no DNA para pequenas máquinas moleculares que constroem as proteínas, inclusive aquelas que ficam na superfície dos vírus e facilitam sua entrada nas células humanas.
A história da laureada é de curiosidade natural, trabalho duro e superação. Filha de um açougueiro e uma contadora, ela cresceu em uma vila da Hungria numa casa sem água encanada, geladeira ou televisão. Desde pequena, ela sempre foi curiosa a respeito de bichos, plantas e a natureza. Ainda na escola, ela ficou em terceiro lugar nas olimpíadas de biologia da Hungria. Ela conciliou a vida familiar com a pesquisa: casou-se aos 17 anos e defendeu a tese de doutorado enquanto estava grávida. A oportunidade de trabalhar nos Estados Unidos surgiu em 1985, com uma bolsa de pós-doutorado.
Weissman, apesar de ser médico, também começou com um bacharelado em bioquímica no começo da década de 1980, já com interesse em imunologia. Ele foi aluno de Anthony Fauci, controverso czar da pandemia nos EUA. Falando ao Philadelphia Jewish Exponent dois anos atrás, ele disse que “sou mais taoísta, nesse ponto de vista penso que a Terra, a natureza é o ser supremo, o principal componente da vida. E é isso o que tem que ser celebrado”.