Como muitos observadores já notaram, a segurança virou nossa religião. Assim como todas as outras religiões, o “segurancismo” crê que seus valores – neste caso, o valor de se sentir seguro – são maiores do que os outros valores.
O segurancismo explica a disposição dos norte-americanos de abdicaram de seus valores mais importantes, incluindo o da liberdade, em nome da segurança. Foi assim no último ano e meio.
Milhões de norte-americanos não apenas abdicaram de seu direito ao trabalho, ganhar a vida, ir à igreja ou sinagoga e visitar amigos e parentes como também abdicaram de seu direito de visitar parentes e amigos nos hospitais.
Pode-se dizer que praticamente todos os que morreram de Covid-19 morreram sem ter um ente querido por perto, desde que entraram no hospital até a morte.
A aceitação dessa crueldade – irracionalmente e anticientífica – só pode ser explicada pelo fracasso de toda uma geração de educadores e pais que não conseguiram ensinar a liberdade, embora tenham ensinado as pessoas a adorarem a segurança.
Se seu pai teve de morrer sozinho, valeu a pena, em nome da segurança. Se sua mãe teve de ficar confinada a um asilo, sem visitas por mais de um ano, valeu a pena, em nome da segurança. E, claro, se os líderes políticos, da ciência e da medicina, tiverem de mentir em nome da segurança, que seja. A verdade é menos importante do que a segurança.
Não há nenhuma novidade nisso. Há 25 anos, escrevi e falei sobre a disposição dos norte-americanos em verem seus direitos individuais esmigalhados na guerra contra o cigarro, sobretudo na aceitação absurda dos supostos perigos a que estariam expostos os fumantes passivos.
Ninguém nega que a exposição intensa à fumaça do cigarro pode exacerbar doenças pré-existentes, como a asma. Mas os zelotes antifumo dizerem que 50 mil norte-americanos morrem todos os anos por estarem expostos à fumaça do cigarro alheio é uma bobagem.
Em 2013, por exemplo, o Journal of the National Cancer Institute noticiou que não havia uma relação estatística clara entre o câncer de pulmão e o fumo passivo.
Ainda assim, por causa daquela afirmação absurda quanto aos 50 mil mortos por ano, as pessoas hoje não podem mais fumar nos aviões – o que, por educação, é o correto – como também em estabelecimentos comerciais.
Na cidade de Burbank, na Califórnia, controlada há décadas por esquerdistas que, como todo esquerdista, desprezam a liberdade pessoal, o cigarro é proibido até mesmo em tabacarias. Ainda que ninguém seja obrigado a trabalhar numa tabacaria e ainda que o lugar seja ventilado, o fumo não é permitido.
É importante notar que essas restrições irracionais à liberdade pessoal não incomodam ninguém, exceto os fumantes. A quantidade de fumantes em Burbank que se opõem a essas leis é zero.
Se Burbank proibisse o álcool, haveria uma revolta — isso apesar de metade dos casos de violência doméstica envolver álcool, assim como as mortes, danos neurológicos, deficiências físicas e outros danos permanentes causados por motoristas bêbados.
Alguém já morreu por causa de um motorista fumante? Alguém foi assassinado ou alguma criança ou mulher foi molestada ou espancada porque o assassino era fumante?
Assim, os zelotes da segurança aprenderam, graças à cruzada antifumo, que, se você disser aos norte-americanos que algo não é seguro, poderá tolher os direitos deles, que acatarão tudo bovinamente. E, só para deixar registrado, isso serve para praticamente todos os países do mundo. “Segurança uber alles”.
Eles não aprenderam só isso com os fanáticos antifumo. Ao longo das duas últimas gerações, a busca pela segurança privou os norte-americanos de liberdade e alegrias. As crianças são tão superprotegidas que as últimas duas gerações provavelmente tiveram menos alegrias e mais medo do que as gerações anteriores.
As crianças não podem ficar à toa na rua sem que os serviços de proteção sejam chamados. As pranchas de mergulho, antes encontradas em praticamente toda piscina caseira, foram proibidas. E barras e gangorras foram retiradas dos parquinhos. Como disse a manchete do site australiano Babyology: “As gangorras são perigosas e devem ser retiradas dos parquinhos, dizem especialistas”.
Jovens de até 15 anos não podem viajar sem supervisão da companhia aérea. Por quê? Voei sozinho de Miami a Nova York quando tinha sete anos e ninguém disse que meus pais eram irresponsáveis.
Dois cientistas noruegueses, Ellen Sandseter e Leif Kennair escreveram um estudo sobre as crianças e as brincadeiras arriscadas, publicado no periódico “Evolutionary Psychology”, no qual concluem:
“Notamos um aumento nas neuroses e psicopatologias na sociedade quando as crianças são impedidas de participarem de brincadeiras arriscadas adequadas à idade”.
O desejo de viver uma vida a mais segura possível é um fator a explicar por que cada vez menos jovens estão se casando e tendo filhos. Casamentos e filhos não são seguros. Ambos são cheios de riscos.
Semana passada, no website do programa “Today Show”, da NBC, lia-se: “Adultos sem filhos são tão felizes quanto os com filhos, diz estudo”.
Além da dúvida quanto à possibilidade de se comparar a felicidade de dois grupos com experiências totalmente distintas (como se fosse possível dizer que cães são mais felizes do que os seres humanos) e até quanto à possibilidade de se obter respostas honestas (afinal, quantas pessoas confessam que consideram suas escolhas de vida infelizes?), o artigo ilustra bem o argumento deste texto. “Estar seguro” certamente inclui não se casar nem ter filhos.
Pode-se ter uma vida segura. Ou pode-se ter uma vida plena. Não dá para se ter ambas.
Dennis Prager é colunista do Daily Signal, radialista e criador da PragerU.
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