Após enfrentar uma longa fila, provavelmente de inspiração cubana, a reportagem da Gazeta do Povo finalmente fez o seu primeiro pedido no caixa do Arraiá #TôComMST, realizado no último sábado (22) em Curitiba. “Deu R$13. Número sugestivo, hein?”, brincou um dos responsáveis pela distribuição das fichinhas, reforçando o clima de parque temático de esquerda montado na sede do Sindiquímica-PR (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Petroquímica do Paraná), no bairro Cidade Industrial.
Obviamente, o lugar estava inteiro decorado de vermelho – a exceção foi um ônibus laranja da Federação Única dos Petroleiros (FUP), estacionado dentro do terreno e plotado com a frase “Privatizar faz mal ao Brasil”. E como era de se esperar, expositores ofereciam produtos da “economia solidária” e toda sorte de lembrancinhas engajadas (canecas, bandeiras, camisetas, bottons e, claro, bonés com a logo do MST). Só faltaram mesmo os próprios sem-terra para abrilhantar o evento.
Sim, eles devem ter reservado aquela tarde de sol para curtir nos assentamentos. Porque, tirando algumas senhoras que vendiam alimentos orgânicos, uma quilombola numa mesinha e um ou outro trabalhador “raiz”, o público do encontro era formado basicamente por militantes da classe média urbana – dirigentes sindicais, professores, estudantes universitários, jornalistas e muitos, muitos hipsters (uma surpresa, em se tratando de uma tribo que raramente sai do centro da cidade).
Na fila do bar, uma garota não conseguiu esconder sua frustração com a falta de representatividade. “Achei que iria ver algum índio aqui”, disse, baixinho, para uma amiga em busca de quentão e pastel.
E haja gente barbuda, tatuada, de cabelo colorido, raspado do lado, com coque de samurai... A maioria vestindo camisetas estampadas com slogans (como “Lute Como uma Garota e “Sem Feminismo Não Há Agroecologia”) e imagens de personalidades do socialismo cult (Carlos Marighella, Marielle Franco, Frida Kahlo, Che Guevara).
Ainda foram vistas blusas com a bandeira de Cuba, a logo do Movimento Popular por Moradia (MPM, que traz um martelo e um serrote no lugar da foice) e da Vigília Lula Livre, grupo de apoio do atual presidente durante seu período preso em Curitiba.
Enfim: foi o “rolê consciente” do fim de semana, como alguém definiu no Instagram. Aliás, um dos points preferidos da turma era o chamado “cantinho instagramável”, onde as pessoas tiravam fotos, com a bandeira do movimento ao fundo, para compartilhar nas redes sociais.
Também rendeu muitos cliques o estandarte com a inscrição “Ministério do Amor”, uma espécie de versão do correio elegante (a ideia era resgatar o “Ministério do Namoro” prometido por Lula, de brincadeira, durante a campanha do ano passado).
Arraial politicamente correto
Outra peculiaridade desse pequeno Lulapalooza curitibano deu conta da tentativa de adaptar algumas tradições juninas à era do politicamente correto. Começando pela ausência quase completa de trajes típicos. Afinal, o pessoal “consciente” vem condenando, nos últimos anos, a caracterização com roupas remendadas, dentes pintados de preto para parecerem estragados e os trejeitos exagerados dos personagens das quadrilhas – dá para apostar que o próximo passo é a condenação do casamento heteronormativo na roça.
Já existe até uma palavra para definir a alegada caricaturização da cultura caipira: “caipirismo” (como se o público que passeava pelo Sindiquímica praticamente uniformizado não representasse uma caricatura do militante esquerdista presente no imaginário popular).
Duas inovações woke do arraial chamaram a atenção por envolverem as crianças. Em vez de tentar acertar a “boca da nega”, elas arremessavam bolas na boca de um boneco branco e de cabelo loiro – segundo a moça da barraquinha, era para ser um palhaço. Até aí, tudo bem, não há necessidade de polemizar em nome da preservação de uma simples brincadeira.
Mas deu pena de ver os rostinhos tristes quando as prendas da pescaria eram reveladas. No lugar dos doces e das quinquilharias chinesas que os pequenos adoram ganhar, os monitores entregavam sacolas de papel reciclado contendo ecobags, bottons, produtos orgânicos e livros com mensagens sociais.
Os únicos brinquedos disponíveis no local eram bonecas negras, produzidas artesanalmente e vendidas na área dos expositores – cá entre nós, bem mais voltada aos souvenires comunistas do que à oferta de alimentos cultivados em assentamentos.
Destaque, aqui, para a incrível variedade de canecas pintadas com figuras admiradas pela galera da “canhota”. De Paulo Freire à Graúna do Henfil, passando por Mercedes Sosa, Julian Assange, Angela Davis, José Mujica, Nina Simone, Salvador Allende, Simone de Beauvoir, Mafalda (aquela personagem de quadrinhos chatinha da Argentina), Leonel Brizola, José Saramago... Quem recusaria um bom café orgânico servido numa louça com o rosto da economista Maria da Conceição Tavares, não é mesmo?
Festa junina sem humor
A julgar pela empolgação dos presentes, o ponto alto do Arraiá #TôComMST foi o sorteio do bingo, comandado por um representante do Movimento Popular por Moradia (aquele do serrote e o martelo) e uma palhaça da Cia. Mirabólica – dupla de contação de histórias e “arte performativa” que se apresentou durante a festa. Os prêmios incluíam kits de churrasco, cestas com produtos da reforma agrária, vale combustível, almoço para casal em um restaurante italiano, massagem relaxante e R$ 2 mil em dinheiro (este último oferecido, de acordo com uma das organizadoras, por um deputado estadual do PT).
Talvez tenha sido o único bingo da história do Brasil em que ninguém deu risada e tirou sarro dos amigos quando saiu o número 24. E nem foi culpa da palhaça. Depois ela até fez alguma graça na hora do sorteio do 69, porém só recebeu em troca um silêncio constrangedor
A artista ainda tentou brincar com o fato de que a plateia não estava rezando para ganhar os prêmios, “porque comunista não é religioso”. Mas foi repreendida pelo colega de palco. “Jesus foi o maior comunista da face da Terra”, explicou para todos o militante do MPM.
O humor, elemento importante em qualquer festa junina, definitivamente não deu as caras no Sindiquímica. Pelo contrário. Uma expressão de tristeza tomou conta de todos quando sortearam o 17, número de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018. “Esse traz más recordações. É para lembrar que a vida é dura”, comentou a palhaça, talvez numa tentativa de se conectar com o público. Foi a única menção ao nome de Bolsonaro durante toda a tarde.
Nos últimos anos, gritos de “Fora Genocida!”, entre outras expressões de revolta contra o governo anterior, eram repetidos como mantras em encontros do gênero. Mas, com o PT de volta ao poder, a turma parece ter relaxado, entrado numa onda “Lulinha paz e amor”. E mesmo não sendo muito afeitos ao riso, os militantes radicais estão demonstrando alguma alegria.
No final da jornada, já à noite, alguns até dançaram ao som do grupo Geração Nativa (vindo diretamente do assentamento Eli Vive, na região de Londrina). Outros, à primeira vista carrancudos, sorriam. Em 2023, está tudo azul no mundo dos vermelhos.
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