O que é possível levar no bolso da calça? Moedas, papéis, documentos, cartões… uma arma. Para um brasileiro — mesmo acostumado com a violência diária do país — se deparar com a cena é um pouco chocante. Vêm à memória seriados e filmes em que bandidos expõem livremente suas armas para intimidar a população. Mas em alguns estados dos Estados Unidos isso é um direito, ou melhor, chega a ser tratado como “um dever” do cidadão.
“As armas fazem parte da nossa história, foram fundamentais na guerra da Independência contra a Inglaterra. Não é só um direito, é um dever termos uma arma, caso tenhamos que combater um governo corrupto” assim afirma o gerente da principal loja de armas de Phoenix, no Arizona, visitada pela reportagem da Gazeta do Povo.
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É claro que nem todos os americanos pensam igual, nem mesmo entre os governantes há unanimidade. A discussão é tão polarizada quanto as eleições americanas. Políticos democratas tendem a defender uma restrição maior ao acesso, políticos republicanos, geralmente, são a favor da posse e do porte de armas.
Califórnia x Arizona
Um bom exemplo é a comparação entre a Califórnia e o Arizona. Dois estados vizinhos, que mais parecem pertencer a países diferentes. Enquanto no Arizona é permitido o porte de arma carregada (municiada), sem que o governo exija nenhuma licença especial do cidadão; na Califórnia a liberação de armas é uma das mais restritas do país. É preciso justificar a compra da arma e o porte somente é permitido em áreas rurais de alguns condados.
Por isso, na Califórnia, é comum os estabelecimentos comerciais e pontos turísticos ter placas avisando “Not Permitted: Weapons” (Armas não permitidas), e no mês de janeiro a campanha “End Family Fire” chegou aos pontos de ônibus de Los Angeles, trazendo um alarmante dado: todos os dias 8 crianças são vítimas, em alguns casos com ferimentos fatais, de acidentes provocados por conta de armas de fogo em casa.
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Uma percepção diferente de quem vive em Phoenix, no Arizona. Lojas de armas estão espalhadas pela quinta maior cidade americana. Na principal loja da cidade, 20 clientes compraram algum produto, entre munição e armas, em 30 minutos que a reportagem da Gazeta do Povo esteve no local.
Nesse dia, Veronica Smith de 22 anos, comprava a sua primeira arma, uma pistola .40 milímetros. “Estou comprando essa arma para a minha defesa pessoal e também para me divertir no campo. Eu acho que o fato de eu ter uma arma intimida as pessoas, assim ninguém mexe comigo, ninguém tenta me roubar.”
No Arizona, qualquer residente cidadão americano que não tenha antecedentes criminais nem doenças mentais e que tenha sido aprovado no curso de tiro pode comprar uma arma e andar com ela. A idade mínima é de 21 anos e não há restrição ao tipo de arma.
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É possível comprar uma pistola calibre 38 por 139 dólares, um rifle AK-47 por 643 dólares ou até mesmo um AR-15 por 3.161 dólares. A compra é feita em lojas especializadas, pela internet ou até mesmo em redes de supermercado.
No meu caso, um imigrante legal, com visto de trabalho, a compra de arma só é permitida em casos excepcionais. Além de ser residente há mais de 6 meses no Arizona, é preciso obter uma licença de caça esportiva, que custa 165 dólares por ano, ou provar que sou um atleta de tiro. Mesmo assim, o FBI irá fazer uma investigação sobre meu passado, para depois o Governo conceder uma autorização para realizar a compra de uma arma.
Segurança pessoal
Ver pessoas portando armas de fogo no Arizona é algo comum. Carlos Medina, que também está em sua primeira arma, disse que comprou a pistola para proteger a esposa. “Eu comprei pensando na segurança da minha família. Minha esposa trabalha em um posto de gasolina, frequentemente assaltam o local à mão armada, e situações assim nos assustam”.
A principal justificativa para a compra de arma é a segurança pessoal. O gerente da principal loja de armas defende a seguinte tese: “Se em uma cidade você tem uma população armada e em outra não, em qual delas os bandidos vão preferir assaltar um banco? Assaltantes sempre vão ter armas, o governo permitindo ou não”.
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Em comparação com Los Angeles, as estatísticas do FBI contradizem essa tese. Em 2017, a região metropolitana de Phoenix registrou mais assassinatos e assaltos com arma de fogo, a cada 100 mil habitantes, do que a Grande Los Angeles. Foram 302,6 assaltos com arma de fogo e 5,7 assassinatos em Phoenix, contra, respectivamente, 277,2 e 4,8 em Los Angeles.
Restrição
Senadora pela Califórnia pelo partido Democrata, Dianne Feistein, no Congresso desde 1992, é uma das principais vozes a favor da restrição da venda de armas de fogo. Em 2016, após um atentado que matou 49 pessoas em Orlando, a Senadora apresentou uma emenda que proibia as lojas de venderem armas a pessoas suspeitas de terrorismo. O atirador de Orlando estava numa lista do FBI sobre terrorismo. Mesmo assim a emenda foi rechaçada pelo Congresso.
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Em novembro do ano passado a Califórnia também foi vítima de um atentado. Na pequena cidade de Thousand Oaks, um atirador matou 12 pessoas num bar e depois se suicidou. Gage, namorado de Veronica Smith, e que é contra uma restrição maior no comércio de armas, não se deixa impressionar. “Os atentados com armas de fogo também acontecem em locais em que a venda é restrita, onde é mais difícil consegui-las”.
Segundo um levantamento do Washington Post, em 2018 foram 8 atentados, que assassinaram 68 pessoas. Este ano o primeiro foi registrado na Flórida, no dia 23 de janeiro, que matou 5 pessoas.
Além da Califórnia, estados como Nova York, Nova Jersey, Illinois e o Distrito de Columbia adotam regras mais rígidas para a venda, posse e porte. Já Arizona, Vermont e Alaska são os estados em que o acesso é mais fácil.
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O relatório anual da Associação Comercial das Indústrias de Arma de Fogo mostra que em 2017 armas e munições foram responsáveis direta e indiretamente por 311 mil empregos nos Estados Unidos, gerando um impacto na economia de 51 bilhões de dólares.
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