Vimos a público manifestar nosso repúdio ao artigo de opinião, traduzido e publicado na Gazeta do Povo de 16 de agosto de 2019, intitulado “Como os grupos LGBTQ estão destruindo as normas e mudando a educação”, assinado no original por Dennis Prager ao Daily Signal.O artigo de cunho LGBTIfóbico, preconceituoso e discriminatório, é uma afronta aos direitos à prática de esporte, lazer, à cidadania e ao acesso universal à educação para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais.Cabe-nos ressaltar que a liberdade de expressão deve ser analisada em sua relação com as demais garantias fundamentais insertas na Constituição Federal. Assim, discursos que afiam a faca, que agridem e assassinam centenas de LGBTI a cada ano no Brasil, devem ser repudiados de modo enérgico.Desse modo, nos posicionamos ponto a ponto, conforme se verá a seguir, como forma de reafirmamos um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, verdadeiramente “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

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1º Sobre a transfobia no esporte

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Segundo o autor, as mulheres transexuais estariam “destruindo os esportes femininos”, referindo-se a uma suposta vantagem que elas teriam com relação às mulheres cisgênero.O primeiro ponto é que desde 1978, a Carta Internacional da Educação Física e do Esporte da Unesco já afirmava que a prática da educação física e do esporte é um direito fundamental de todos. Ou seja, não é exclusividade das pessoas cisgênero. Diz o texto: “Todo ser humano tem o direito fundamental de acesso à educação física e ao esporte, que são essenciais para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. A liberdade de desenvolver aptidões físicas, intelectuais e morais, por meio da educação física e do esporte, deve ser garantida dentro do sistema educacional, assim como em outros aspectos da vida social”.Para que atletas trans (transexuais e travestis) possam competir em esportes de alto rendimento é preciso seguir as diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI), elaboradas em 2015 por vinte especialistas. Dentre as exigências, está o controle do nível de testosterona, que precisa estar abaixo dos 10 nanogramas (ng). As atletas que não seguem tais determinações correm o risco de serem suspensas por 12 meses. São regras rígidas, adotadas após um rigoroso debate junto à principal entidade dos esportes do mundo.

2º A confusão entre sexo biológico e identidade de gênero

Ao contrário do que diz o artigo, não há uma tentativa de “destruição do gênero ainda no nascimento”. O autor, por desconhecimento, má-fé ou desonestidade intelectual, confunde sexo biológico com gênero, este, uma construção social.Os Estudos de Gênero não negam as características biológicas que a pessoa tem ao nascer. Podem incluir cromossomos, genitália, composição hormonal, e um sexo biológico: macho, fêmea ou intersexual. O autor ao falar apenas da existência de dois tipos de sexos biológicos (macho e fêmea), deixa na invisibilidade a intersexualidade. Isto é, “pessoas que nascem com anatomia reprodutiva ou sexual e/ou um padrão de cromossomos que não podem ser classificados como sendo tipicamente masculinos ou femininos”.Diferente do sexo biológico, a identidade de gênero “é uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo” (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2006).Falar sobre gênero e sexualidade em sala de aula não é “destruir as normas escolares”, como sugere o artigo. Mas possibilitar a prevenção da LGBTIfobia, encorajar as vítimas de violência doméstica a denunciar seus agressores e conscientizar os alunos para a necessidade de uma sociedade plural, que valoriza a diversidade e a democrática.

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3º As pessoas LGBTI também têm famílias

Cada LGBTI+ nasce numa família como qualquer outra pessoa: com pai, mãe, irmãos e irmãs. Vindo a constituir suas próprias famílias posteriormente. Respeitamos a família.Aliás, todas as famílias.Não queremos “destruir a autoridade parental”, como afirma o artigo publicado pela Gazeta do Povo. Todavia, não se pode ignorar que muitas das violências físicas, psíquicas e verbais que a comunidade sofre, acontecem “dentro de casa”, por familiares que se recusam a aceitá-los como são. Além disso, há a violência que se abate sobre as mulheres. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

4º Direito à dignidade e o devido respeito à nossa história

Além da violência física, a comunidade LGBTI+ vem enfrentando, no Brasil e no mundo, a violência simbólica por parte de grupos reacionários, ultraconservadores que tentam apagar aquilo que Walter Benjamin chamou de “tradição dos oprimidos”.É por isso que defendemos um currículo escolar que preserve nossa memória coletiva, ressaltando uma narrativa capaz de dar voz às excluídas e excluídos, às marginalizadas e marginalizados, contrapondo-se aos discursos dominantes que tentam nos apagar.Essa tentativa de apagamento, de invisibilidade, é física, no caso dos crimes de LGBTIfobia, já que a cada 16 horas um LGBTI+ é assassinado no Brasil, e apagamento simbólico, que tenta apagar nossas conquistas históricas.

5º Os Direitos Humanos não têm ideologia partidária

Conquistas históricas ainda longe de ser o ideal. Ainda há um longo caminho pela frente a percorrer, pois a relação homossexual é crime em 73 países, e 13 preveem pena de morte.É por isso que defender grupos minoritários independe de ideologia partidária. Não precisa ser de Esquerda ou de Direita para defender gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais. Não precisa ser de Direita ou de Esquerda para defender Direitos Humanos. Só precisa de empatia e respeito à diversidade sexual e de gênero.

6º O eco da ideologia conspiratória histórica

A argumentação contida no texto publicada na Gazeta do Povo é, desde o Século XIX, bem conhecida de minorias e grupos vulneráveis. Este tipo de representação faz eco histórico às teorias da conspiração da extrema-direita europeia, que usa minorias como bode expiatório para crescer politicamente.Essa estratégia faz eco, por exemplo, ao Manuscrito dos Sábios do Sião – um texto produzido em meados do século XIX como arma de propaganda para denunciar um suposto e irreal complô judaico-comunista, e continua o discurso proto-nazista do entre guerras, quando minorias sociais e étnicas eram apontadas como fonte de todo mal e “degradação".Esse tipo de discurso não é apenas nefasto por incitar o ódio, mas também é precursor das “fake news” e constitui falseamento da realidade e da história. Não importa se o grupo identificado é de negros, judeus, imigrantes ou LGBTIs. Esse discurso usa dos preconceitos populares com o objetivo inequívoco do crescimento político. No caso desta tradução, LGBTIs estão sendo usados como espantalhos do neoconservadorismo de extrema-direita estadunidense, replicados pelo bolsonarismo filo-fascista brasileiro.O que seria da escravidão sem os abolicionistas? O que seria dos direitos das mulheres sem as sufragistas? O que defendemos é exatamente o direito inalienável dos LGBTIs de existir. E, desse modo, é importante recordar a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADO n. 26, que assim estabelece:“Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe" (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”).São nestes termos, que, afirmamos ser lamentável, senão criminoso, o ato de publicação da referida opinião pelo jornal Gazeta do Povo. A responsabilidade da empresa de comunicação pela conduta LGBTIfóbica deve ser apurada. E, por essas razões é que as entidades abaixo-assinadas subscrevem a presente nota, repudiando veementemente todas as afirmações veiculadas na referida matéria.


20 de agosto de 2019.

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