Autoridades dos Estados Unidos se reuniram com seres extraterrestres. As águas do rio Nilo ficaram da cor de sangue. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, sobreviveu a uma tentativa de assassinato.
Estas são três publicações feitas nas últimas semanas pela Choquei, que usa as redes sociais para espalhar fofocas sobre artistas e que passou a cobrir tudo o que possa dar audiência.
As três notícias também têm algo mais em comum: todas são falsas.
A imagem do rio Nilo na verdade era de um lagoa no Chile. O vídeo com a tentativa de assassinato de Mahmoud Abbas era de uma disputa entre criminosos e agentes de segurança. E não existem indícios confiáveis de que os americanos tenham conversado com alienígenas.
Mas estas e outras mentiras continuam no ar — mesmo depois que uma notícia falsa compartilhada pela Choquei foi apontada como motivação para que Jéssica Canedo, de 22 anos, tirasse a própria vida. A página de fofocas publicou conversas falsas entre a garota e o comediante Whindersson Nunes.
Recorde de contestações
Um levantamento da Gazeta do Povo descobriu que a Choquei tem a publicação com o maior número de “checagens” do X, o antigo Twitter.
Uma publicação em que a página tenta se eximir da responsabilidade pelo caso Jéssica, feita em 23 de dezembro, recebeu 13 notas consideradas úteis pelos usuários do X. Nenhuma outra publicação no mundo foi tão contestada.
O terceiro lugar da lista também tem a Choquei (empatada com outros quatro perfis): é uma nota de pesar pela morte de Jéssica Canedo, publicada em 28 de dezembro. A postagem teve sete notas da comunidade consideradas úteis.
No ranking, foram levadas em conta apenas as notas em que houve consenso, marcadas como “úteis”. Elas podem ou não ser exibidas; um mesmo tweet pode ter mais de uma nota exibida ao público, uma de cada vez, conforme os consensos flutuam.
Fake news têm dezenas de milhões de visualizações
A Gazeta do Povo também calculou o alcance das notícias falsas publicadas pela Choquei, que tem 6,7 milhões de seguidores no X.
A reportagem analisou 20 publicações da Choquei marcadas com Notas da Comunidade desde 29 de outubro (o total de postagens sinalizadas com correções é maior, mas alguns casos não configuram fake news). Resultado: juntas, essas publicações somaram 40,9 milhões de visualizações. É uma pequena amostra do poder da página, que atraiu um grande número de seguidores graças ao tom sensacionalista e à agilidade na publicação das informações — sempre com base em fontes de terceiros.
O cálculo não inclui os posts sobre o caso Jéssica, que, juntos, tiveram quase 27 milhões de visualizações. Além disso, o maior público da Choquei está no Instagram. Lá (onde não há um sistema equivalente às Notas da Comunidade), a publicação tem 20,5 milhões de seguidores. Ou seja: em dois meses, as mentiras da página tiveram muito mais do que 40,9 milhões de visualizações.
A mentira como método
A lista de notícias falsas publicadas pela Choquei inclui afirmações sobre o governo, a política internacional e o mundo do entretenimento.
Em 29 de outubro, a Choquei afirmou que o apresentador William Bonner abriu uma lata de cerveja no estúdio para comemorar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial do ano anterior — ele abriu uma lata de água.
Em 12 de novembro, a Choquei publicou uma esquete humorística como se fosse um vídeo real de uma briga em uma estação de metrô de Nova York. No mesmo dia, a página também afirmou que um projeto aprovado no Senado reduziu a jornada de trabalho — quando na verdade a proposta apenas dá mais flexibilidade à negociação entre patrões e empregados.
Embora essas postagens enganosas da Choquei tenham sido sinalizadas pelo sistema das Notas da Comunidade, as correções (que costumam entrar no ar depois de algumas horas) têm muito menos visualizações. Em média, o número de visualizações das notas é de 13,6% das visualizações da postagem original.
A superficialidade garante retorno financeiro para os donos da Choquei, que foi criada em 2014 pelo publicitário Raphael Sousa. O X e o Instagram remuneram os usuários da rede social com base no número de visualizações. Além disso, o alcance da página assegura anúncios de grandes marcas.
Como funciona o sistema de checagem do X
Qualquer usuário do X cuja conta tem mais de seis meses, não violou as regras da rede social recentemente e tem um número verificado de celular pode participar do programa de Notas da Comunidade. Uma vez aceito, o participante é anonimizado com um pseudônimo automático, formado por um substantivo e dois adjetivos, como “Avestruz Cítrico de Uva” (tradução do pseudônimo do usuário que escreveu a nota pública no tweet da Choquei que divide com quatro outros a posição de terceiro mais checado da história do programa).
Inicialmente, um participante só vota se as outras notas são úteis ou não. Só depois de adquirir certa reputação, medida por quantas vezes ajudou a formar consensos, ele ganha também a capacidade de escrever novas notas. O algoritmo das notas, que o programador criador da criptomoeda Ethereum chamou de “complexo”, decide se as notas são úteis ou não com base em consenso, não com base em número de votos. Esse consenso é encontrado pela classificação dos participantes automaticamente em “tribos” com base em seu histórico de votos. Tribos que geralmente discordam têm que convergir entre si. Isso tem o potencial de evitar perseguições por motivações políticas. O algoritmo também decide qual nota classificada como útil pelos participantes será pública. Um tweet pode ter mais de uma nota útil, e elas podem alternar em visibilidade para o público enquanto os consensos flutuam, inclusive podem ficar todas invisíveis.
Esta análise teve a colaboração do cientista de dados Matheus Souza.
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