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Como muitas pessoas, não gosto muito de Emmanuel Macron. Ele parece ser um líder tecnocrático que conseguiu manter o cargo presidencial na França nos últimos sete anos estritamente faute de mieux [Nota da tradução: expressão francesa que significa "por falta de algo melhor ou mais desejável"] — por falta de uma alternativa mais aceitável ou menos alarmante.
Mas Macron e sua administração acabaram de dar um presente para o mundo inteiro neste Natal com a restauração bem-sucedida de Notre-Dame de Paris, uma das maiores e mais veneráveis catedrais medievais da Europa. Notre-Dame foi severamente danificada por um enorme incêndio de origem misteriosa em 15 de abril de 2019, uma catástrofe que abalou a França e o mundo inteiro.
A destruição de Notre-Dame atingiu muitos observadores como um símbolo potente do Ocidente em crise e do estado claudicante do cristianismo. Para piorar a situação, não estava claro de forma alguma que este santuário icônico poderia ser resgatado e trazido de volta da ruína sem uma reconstrução radical e extremamente cara. Na França secular, uma despesa tão grande não seria fácil de aprovar. Macron insistiu que o trabalho fosse concluído em cinco anos, um prazo que parecia improvável.
Previsivelmente, o projeto foi envolvido em intensa controvérsia. Esquerdistas e populistas dos Coletes Amarelos consideraram um desperdício de recursos e um projeto de luxo para as classes de elite — especialmente para os dois empresários bilionários que fizeram grandes contribuições iniciais (totalizando 300 milhões de euros, equivalente a R$ 1,9 bilhão) para o projeto.
Parecia obsceno gastar tanto em um projeto tão "inútil", quando os mesmos fundos poderiam ir para o alívio das desigualdades sociais generalizadas. Mesmo aqueles que eram a favor da restauração estavam ferozmente divididos. Alguns queriam tratá-lo como um experimento arquitetônico imaginativo, que poderia incluir uma modernização extensa e surpreendente da estrutura. Um desses projetos teria transformado o telhado de Notre-Dame em uma estufa educacional, com a torre funcionando como um apiário.
Por fim, a controvérsia se dissipou e o trabalho prosseguiu, visando a restauração do status quo ante [Nota da tradução: expressão em latim que significa "no estado em que estava antes"]. No fim de semana de 7 de dezembro, mais ou menos conforme o planejado, a grande catedral foi aberta ao público, parecendo mais brilhante e magnífica do que em séculos. Comparações foram feitas com a recente restauração da Capela Sistina, outra pedra angular estética do Ocidente, que libertou as cores vibrantes dos afrescos originais de Michelangelo do véu de fuligem e cera que os cobria há séculos. Em ambos os casos, a restauração representou algo muito mais do que uma reinicialização. Foi como o início de uma nova vida.
Macron fez um discurso emocionante durante uma visita de abertura da catedral em 7 de dezembro, agradecendo a todos os trabalhadores que tornaram esse feito possível. No dia seguinte, ele falou com igual paixão para um santuário lotado com uma assembleia de líderes mundiais, incluindo o presidente eleito Donald Trump. Em ambos os discursos, a maneira de Macron foi atipicamente emocionante e edificante, e não apenas porque foi um triunfo político para ele. Embora ele tenha falado da restauração como uma conquista "nacional", ele claramente entendeu que ela representava mais.
Foi uma afirmação gloriosa do Ocidente — assim como de suas raízes cristãs — diante de todas as forças dispostas contra ele, incluindo seus próprios lapsos de autoconfiança. Em um momento em que tanto sobre o futuro do Ocidente parece incerto, a restauração de Notre-Dame foi um poderoso impulso moral — um presente de Natal para todos nós.
Como o sucesso deste projeto e a perpetuação de Notre-Dame passaram a significar tanto para tantos, incluindo aqueles que não são católicos, cristãos, religiosos ou mesmo franceses? Como chegamos a pensar neste edifício como parte de nossa vida em comum?
Alguém poderia muito bem fazer perguntas semelhantes sobre o próprio Natal. Pense em todas as características do feriado, desde as refeições compartilhadas até as compras e a troca de presentes, as árvores de Natal e decorações em casas e locais públicos, até as letras de canções de natal familiares: esses enfeites estão entre as poucas e preciosas semelhanças de nossa cultura fragmentada e centrífuga.
É fácil ver por que alguns condenam a ostentação da temporada como um desperdício colossal e um desvio do verdadeiro significado do Natal.
E eles têm razão.
Mas essas características do feriado incorporam coisas boas que ainda compartilhamos, símbolos de esperança, alegria e deleite em nossa vida em comum. Eles também carregam um conhecimento comum, embalado dentro deles como cargas escondidas. Não queremos desistir deles. Nem deveríamos.
O conhecimento comum embutido no Natal se mostra em histórias populares como "Um Conto de Natal" e filmes como "Milagre na Rua 34" ou "A Felicidade Não Se Compra". Eles preparam o caminho para o desenvolvimento de uma sensibilidade moral distinta, mesmo naqueles que não se preparam para tal eventualidade. Papai Noel também desempenha essa função. Ele pode não ser exatamente o que os teólogos chamariam de uma “figura” de Cristo, mas nos oferece um vislumbre inicial do que significa viver em um mundo carregado de significado moral, no qual a justiça e a caridade são reunidas e o amor redentor é reconhecido como a força mais poderosa do universo.
Alguns cristãos condenam o Natal e seus excessos materiais como uma traição — uma substituição de ídolos reconfortantes e “civilização cristã” no lugar dos rigores da própria fé. Eles podem estar certos. Mas não devemos ser rápidos demais em exigir mais de nossos vizinhos do que eles (e talvez nós mesmos) podem oferecer. Essa abordagem carece de generosidade, mesmo que aqueles que a defendem se imaginem contadores fiéis de duras verdades. Certamente, uma maneira melhor é ser grato pelas bênçãos que se tem, buscar restaurar e valorizar a beleza de edifícios antigos e consagrados e, nas palavras do transformado Ebenezer Scrooge, honrar o Natal em nossos corações e tentar mantê-lo o ano todo.
Sim, vivemos em um mundo corrupto. Quando não foi assim? E, no entanto, somos criaturas encarnadas, cuja fragilidade significa que precisamos de coisas familiares que podemos ver e tocar: nossos lares, nossas cidades, nossas famílias, nossos países, nossos costumes e nossa cultura. Isso inclui nossas belas e antigas catedrais, nas quais não podemos entrar sem sentir a atração ascendente do amor de Deus, bem como uma comunhão horizontal com a história. E não podemos entrar no Natal sem sentir em nós mesmos o calor e a alegria que ultrapassam a compreensão, juntamente com uma gentileza incomum e um senso de comunhão com aqueles ao nosso redor.
Essas coisas materiais não são tudo, mas são um bom começo para nos aproximarmos de tudo o que importa. Então, obrigado, França, e obrigado, M. Macron. Joyeux Noël.
Wilfred McClay é professor de história no Hillsdale College. Seu livro mais recente é Land of Hope: An Invitation to the Great American Story ["Terra da Esperança: Um Convite à Grande História Americana", sem edição no Brasil].
©2024 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: A Christmas Present to the World