Uma pesquisa do instituto Gallup publicada em fevereiro, indicando que quase 21% dos adultos mais jovens nos Estados Unidos se identificam como LGBT, o dobro desde 2017, levantou suspeitas de que está havendo um contágio social dessas autoidentificações nessa faixa etária, desacopladas de elementos genuínos espontâneos de sua intimidade. Agora, essas suspeitas ganharam corroboração de uma nova análise feita por Eric Kauffman, professor de ciência política no Birkbeck College, Universidade de Londres, e membro do conselho executivo do Centro de Estudo do Partidarismo e Ideologia (CSPI), onde a análise foi publicada na segunda-feira (30).
O fenômeno data da última década. Na população americana em geral, os LGBT saltaram de 5,6% em 2020 para 7,1% em 2021. O número é o dobro do aferido em 2012. Uma fonte alternativa de alta qualidade, a Pesquisa Social Geral (GSS), concorda com as descobertas do Gallup: LGBTs americanos foram de 4% em 2012 a 7,6% em 2021; com 19,8% dos adultos mais jovens se dizendo LGBT. A ciência ainda não tem uma resposta completa de qual seria a proporção esperada sem influências sociais, mas um grande artigo de 2016 sugere que a estimativa de 5% de não-heterossexuais na população em geral seria “generosa”. Entre jovens universitários, especificamente, a Fundação pelos Direitos Individuais na Educação (FIRE) indica que os autointitulados LGBT chegaram a mais de um quarto deles em 2021.
Eric Kauffman considera três hipóteses em seu relatório:
- Ser LGBT, assim como ser canhoto, é uma expressão da diversidade fisiológica humana que até recentemente havia sido reprimida por normas sociais. O aumento vem do relaxamento dessas normas.
- O aumento vem de experimentação de jovens, é apenas uma fase e eles vão voltar à identificação anterior quando envelhecerem.
- Identidades sexuais alternativas estão aumentando por contágio social (uma imitação que acontece por incentivos sociais diversos), que ocorre especialmente pela internet com participação de instituições educacionais e médicas.
As hipóteses 1 e 3 são favorecidas pela análise. Para entendê-las, é preciso diferenciar comportamento LGBT de identidades LGBT, pois as imitações dizem mais respeito às autoidentificações que ao comportamento sexual de fato.
Evidências do contágio social e influência de ideologia
O carro-chefe do contágio é a autoidentificação bissexual entre jovens mulheres: 12% se dizem bissexuais e 5% lésbicas. Porém, a coisa muda de figura quando se investiga o comportamento. Somente 7% delas tiveram uma experiência com alguém do mesmo sexo no ano anterior. Quase 60% das ditas lésbicas ou bissexuais só tiveram homens como parceiros sexuais nos 12 meses que precederam a pesquisa. Entre os rapazes que se dizem gays ou bissexuais, este número é 38%, aumentando de 20% na década anterior. Se fosse só uma questão de “sair do armário”, o número de rapazes que se dizem gays ou bissexuais que só fizeram sexo com mulheres no ano anterior teria caído, não aumentado dessa forma. Até entre homens, portanto, está havendo um desacoplamento entre o comportamento e a autoidentificação.
“Muito do aumento ocorreu entre jovens muito progressistas ou da extrema-esquerda”, comenta o pesquisador. O sinal de motivação política está especialmente entre jovens brancos e com educação superior. Entre americanos com menos de 30 anos, 25% dos progressistas se dizem LGBT, comparados a 9% dos conservadores. Nos dados da FIRE, 49% dos universitários ‘muito progressistas’ se dizem LGBT, em comparação a 5% dos ‘muito conservadores’.
Já a onda de “transgêneros”, que na última década tem aumentos alarmantes que vão de mil porcento nos Estados Unidos a 1500% na Suécia e até 4000% no Reino Unido, concentrados em jovens do sexo feminino (ao contrário do que era no passado, em que maioria dos transexuais eram do sexo masculino) parece ter caído entre 2020 e 2021. Mas é digno de nota que muitos desses jovens não entendem o “T” como “transexual” (pessoas com diagnóstico de disforia que buscam mudar sua expressão para o sexo oposto), mas como “transgênero”, termo que aceita invencionices teóricas pós-modernas e até místicas. Um jovem transgênero observado em consulta com a psicóloga transexual Erica Anderson pelo jornal Los Angeles Times diz que o gênero tem “múltiplas dimensões” e que tem um amigo que se identifica com as “vibrações caóticas de um guaxinim na caçamba de lixo”. Sites sérios na internet fazem listas gigantescas de “identidades de gênero” como “gênero praia” e “gênero fofo”, cada uma com sua bandeira. O abandono do aspecto “sexo” a favor de “gênero” muitas vezes vem com um paradoxal pedido desses jovens para tomar hormônios sexuais, o que contradiz sua pressuposta distinção entre sexo e gênero.
No mês passado, pela primeira vez o IBGE publicou uma estimativa da frequência de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais no Brasil: menos de 2%. O número está dentro ou um pouco abaixo do esperado de acordo com pesquisas anteriores em diversos países, o que indica que uma fração das minorias de sexualidade no Brasil continua não se identificando publicamente como tal. Por aqui, portanto, se está havendo contágio social de identidades LGBT, deve estar mais concentrado em bolsões culturais de jovens de mais escolaridade e afluentes, mais em contato com a cultura falante do inglês.
Uganda ameaça matar gays, mas pede por evidências
Em 2009, a Uganda, país da África, fez manchetes internacionais por uma proposta de lei que endurecia a criminalização da homossexualidade. O projeto de lei, chamado Ato Anti-Homossexualidade, previa prisão perpétua e até pena de morte para o que chamava de “homossexualidade agravada”, que consistia em ter relações sexuais com indivíduos abaixo de 18 anos do mesmo sexo, entre outros agravantes como estar infectado com HIV.
Em dezembro de 2013, depois de modificações que removiam a pena de morte, mas mantinham a prisão perpétua, o Ato Anti-Homossexualidade foi aprovado no parlamento. O presidente Yoweri Museveni, que governa o país desde 1986, aprovou a lei em fevereiro de 2014. Os Estados Unidos impuseram sanções à Uganda em junho daquele ano por causa da lei, e o Banco Mundial adiou um empréstimo de 90 milhões de dólares. Muitos cristãos, inclusive o Arcebispo da Cantuária da Igreja Anglicana, da qual Museveni é fiel, se opuseram ao ato. Depois que a Corte Constitucional do país derrubou a lei em agosto de 2014 por ter sido aprovada na ausência de um quórum mínimo, o próprio Museveni teria instruído seus apoiadores a não fazer apelações por causa da retaliação internacional. A homossexualidade continua ilegal na Uganda.
Dez dias antes de sancionar a lei, Museveni anunciou que a aprovaria pois ouviu “especialistas médicos” que disseram que “a homossexualidade não é genética, mas um comportamento social”. Dias depois, retirou o que disse após uma crítica do ex-presidente Barack Obama e pediu conselho de cientistas americanos.
Em pronunciamento publicado em 22 de fevereiro de 2014, o presidente de Uganda diz que concorda que a promoção da homossexualidade “deve ser criminalizada porque os britânicos [colonizadores] já haviam feito isso”, mas que tem um ponto de discordância com alguns dos parlamentares “sobre as pessoas que eu acho que nasceram homossexuais”. “Eu, portanto, estimulo o governo dos EUA a nos ajudar trabalhando com os nossos cientistas que estudam se, de fato, há pessoas que nasceram homossexuais. Quando isso for provado, podemos rever essa legislação”, conclui Museveni.
Em resposta a Museveni, mais de 200 cientistas assinaram uma declaração que diz que, enquanto as causas da homossexualidade são só parcialmente entendidas, “a orientação sexual não é uma matéria de escolha”, nem uma doença mental; e que emerge espontaneamente, tem correlatos neurobiológicos e é observada em outras espécies, como ovelhas.
Um dos signatários, o psicólogo e geneticista do comportamento J. Michael Bailey, que leciona na Universidade do Noroeste nos EUA, é o primeiro autor de uma resposta mais detalhada publicada em 2016 na revista Psychological Science in the Public Interest.
Não há contágio social de atração
O artigo de Bailey e colaboradores chama a atenção não só pelo detalhamento, mas também pela ausência de retórica inflamada. As crenças populares compartilhadas por Museveni, como a de que a homossexualidade pode ser passada por “recrutamento” de menores, são analisadas com seriedade.
“A controvérsia mais significativa através dos tempos e lugares trata de a que medida a homossexualidade é influenciada socialmente e, mais especificamente, se pode ou não se espalhar como resultado de contágio e tolerância social”, diz o artigo. “Não há boas evidências de que qualquer uma das duas coisas [contágio ou tolerância] aumenta a incidência da orientação homossexual, embora a tolerância possa facilitar a expressão comportamental do desejo homossexual”. Ou seja, os cientistas não têm evidências convincentes de que o desejo espontâneo por pessoas do mesmo sexo possa mudar conforme influência externa, inclusive contágio social.
O contágio social de identidades e autoidentificações LGBT que agora se observa é parte de um novo fenômeno, e sua consideração não deve ser confundida com antigas crenças preconceituosas sobre a origem dos homossexuais. É, na verdade, fruto de um sucesso excessivo na defesa do grupo, pois atrai para ele jovens que não têm elementos íntimos espontâneos que os fariam LGBTs genuínos — que têm uma combinação complexa de variantes genéticas e influências hormonais no desenvolvimento com influências ambientais não escolhidas —, criando um novo problema de inautenticidade similar ao antigo armário — um estado de afastamento da realidade do que realmente se é, pouco condutivo à felicidade.