É difícil enquadrar a nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos num estereótipo ideológico. A história de Damares Alves, 54, como pastora, assessora jurídica da bancada evangélica no Congresso e o fato de ser uma das fundadoras do Movimento Brasil Sem Aborto fariam um analista apressado colocá-la na direita conservadora com facilidade. Contudo, seu envolvimento com a causa dos índios – que a levou a adotar uma criança indígena, hoje com 19 anos –, dos ciganos e de outras minorias provoca um inevitável estranhamento com essa rotulação. Como advogada, ela também atende de graça, há 30 anos, mulheres em situação de vulnerabilidade social e vítimas de violência doméstica.
A lista de causas nas quais já se engajou é ainda mais extensa e inclui o cuidado às crianças de rua, o combate à pedofilia e às drogas. Em sua biografia, contudo, nada chama mais a atenção do que o terrível crime do qual foi vítima na infância, relatado inúmeras vezes nos testemunhos que já deu em igrejas. Aos seis anos de idade ela foi sexualmente abusada seguidas vezes por um conhecido da família. A violência foi tão brutal que a tornou incapaz de gerar uma criança em seu útero.
A partir de 2019, a ativista terá à sua disposição os recursos de um ministério inédito para atender àqueles que tanto a cativam, mas também terá de lidar com grupos que a veem com desconfiança ou até rechaço. No dia em que seu nome foi anunciado para chefiar a pasta, ela falou com exclusividade à Gazeta do Povo.
Numa declaração recente, Flávio Bolsonaro disse que o presidente queria “outra vertente” na área de Direitos Humanos, diferente daquela que dominou a área nos últimos governos. Como será essa nova abordagem?
Primeiro é importante que fique claro que não podemos relacionar política de direitos humanos com questões ideológicas, pois o ser humano não pode estar aprisionado a rótulos, mas deve ser reconhecido como um ente detentor de direitos. Penso que há um grande descontentamento da população com casos de atentado à dignidade humana, nos quais as vítimas continuavam desassistidas, enquanto o beneficiado acabava sendo o infrator. Nosso trabalho, portanto, será de criarmos políticas públicas que garantam a equidade para todos, tendo como base sempre a Constituição Federal.
Você é muito ligada à luta contra o aborto e à defesa de valores familiares, mas também à causa indígena e até dos ciganos. Essa não é uma combinação muito comum. Vê alguma conexão entre essas causas?
Sim! O primeiro direito humano a ser protegido é o direito à vida. Nesse sentido, vamos lutar pela proteção da vida de todos, em especial dos mais vulneráveis, e isso inclui os membros de comunidades tradicionais.
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A sua pasta também deve cuidar de políticas públicas exclusivas para mulheres, mas você não tem o perfil de uma feminista. Como pretende lidar com a provável rejeição desse segmento ao seu nome?
A Constituição Federal em seu artigo 5º garante a igualdade de oportunidades e direitos a homens e mulheres, mas sabemos que infelizmente ainda temos muito o que conquistar. Trabalhei e continuo trabalhando pelos direitos das mulheres ribeirinhas, das quilombolas, das indígenas, das nordestinas, das ciganas, que são praticamente mulheres invisíveis nessa nação. Quando a pauta é a defesa das mulheres, não temos divisões entre feministas ou não. Somos todas mulheres em defesa daquelas que estão em situação de desigualdade, em todos os seguimentos. Convido a todas que desejem agregar nesta pasta que contribuam com seus conhecimentos e vivências para trazermos ao protagonismo todas aquelas que ainda estão marginalizadas.
O que vai mudar em relação às políticas públicas dedicadas ao público LGBT?
A resposta à esta pergunta não é o que vai mudar, mas o que será assegurado. Os direitos das pessoas gays ou heteros já constam na Constituição Federal. Precisamos fazer cumprir os direitos já resguardados por ela. Uma das pautas mais fortes para esta parcela da sociedade é em relação ao combate à intolerância e este é um compromisso. Estar sensível ao que se refere à segurança e à não violação dos seus direitos garantidos pela Constituição.
Bolsonaro fez questão de destacar o termo “Família” no nome do seu ministério. Que tipo de ação relacionada ao tema a pasta pretende tomar?
Sou mãe de uma jovem índia da etnia kamayurá. Eu e ela somos uma família, e o que nos une é um amor que não depende dela ter vindo ou não do meu útero. Em todo o país existem famílias que precisam ser abraçadas e valorizadas. Precisamos de políticas públicas que fortaleçam a instituição familiar e, mais ainda, contribuam para que mais famílias se formem. Nesse sentido, tive a honra de compor a equipe técnica que recentemente apresentou novos e importantes aperfeiçoamentos na lei da adoção, que entrará em vigor em 2019, trazendo alegria e segurança jurídica para milhares de pessoas que já são família no coração e, em breve, serão de fato.