Ouça este conteúdo
Dois estudos publicados na semana passada apresentam um panorama mais atualizado sobre a imunidade conferida por três doses das vacinas de mRNA contra COVID-19 e a imunidade adquirida na recuperação pós-infecção. Os estudos são independentes entre si, mas ao serem analisados em conjunto mostram que a proteção da terceira dose começa a diminuir quatro meses após aplicada, enquanto a imunidade natural dura seis meses ou mais.
A pesquisa a respeito da terceira dose é do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, tendo como principal responsável Jill M. Ferdinands, da Equipe de Resposta a Emergências do próprio centro, além de autores de outras 13 instituições, incluindo universidades e hospitais. Eles consideraram cerca de 240 mil visitas à emergência hospitalar em dez estados americanos que resultaram em aproximadamente 93 mil hospitalizações em dois períodos. O primeiro deles, com predominância da variante delta e outro, mais recente, com predominância da ômicron, entre agosto de 2021 e janeiro de 2022. A predominância de uma variante foi definida como igual ou maior a 50% das amostras em que o RNA do vírus foi sequenciado em laboratório.
Terceira dose
Em ambos os períodos, Ferdinands e colaboradores observaram que inicialmente a terceira dose protegia mais que a segunda, mas essa proteção diminuía com o tempo. Durante a predominância da ômicron, ao se considerar apenas pacientes que visitaram à emergência, a eficácia vacinal da terceira dose caiu de 87% nos dois primeiros meses para 66%, quatro a cinco meses após ser aplicada. Já a eficácia naqueles que foram hospitalizados caiu de 91% para 78%. A queda na eficácia vacinal contra a ômicron foi mais dramática para aqueles que haviam sido inoculados apenas com a segunda dose: de 69% nos primeiros dois meses para 37% após cinco meses, considerando atendimento na emergência, e de 71% para 54% no caso das internações.
No período de predominância da variante delta, comparando-se a imunidade dos primeiros dois meses após a vacina com aquela de quatro meses ou mais, a queda foi de 97% de eficácia da terceira dose para 89%, considerando atendimentos na emergência.
A conclusão geral, tanto para variante delta como para a ômicron, foi a de que uma pessoa com Covid que tenha tomado a terceira dose da vacina corre menos risco de ser internada, mas possivelmente ainda precisará de atendimento na emergência médica.
A tese reforça o consenso já estabelecido de que a vacina protege contra a versão mais severa da doença. Os pesquisadores consideram ainda que o declínio da proteção conferida por ela “reforça a importância da consideração de doses adicionais para sustentar ou melhorar a proteção contra visitas à emergência associadas à COVID-19 e as hospitalizações por causa da doença”.
Imunidade natural
O outro estudo, publicado na revista PLoS Biology, liderado por Emilie Finch, analisou se a infecção prévia por Covid protege contra a reinfecção. Finch é do Centro de Modelagem Matemática das Doenças Infecciosas da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM), Reino Unido.
Os cientistas partiram do fato de que a resposta do sistema imunológico diante do vírus varia entre os indivíduos. Cerca de 95% das pessoas com Covid-19 sintomática desenvolvem anticorpos contra a doença, sendo que na maioria dos casos, isso ocorre dentro de três semanas após o início dos sintomas. A pesquisa de Finch cita outros três estudos segundo os quais pessoas infectadas pela versão mais leve da doença ou assintomáticas tendem a desenvolver menos anticorpos, além de uma proteção natural que declina mais rápido em comparação àquela adquirida pelos que desenvolveram a versão mais grave da Covid.
A pesquisa recolheu dados de 4.411 voluntários, 309 dos quais se infectaram acidentalmente. A infecção foi aferida por teste de anticorpos no sangue. Dos 309, 14 pegaram Covid mais uma vez. A eficácia da infecção natural para evitar reinfecção foi de 72% a 86%.
O estudo fornece evidências de que “a infecção primária com o SARS-CoV-2 resulta numa proteção contra a reinfecção na maioria dos indivíduos, ao menos por um período maior do que seis meses”. Os resultados são convergentes com outros estudos.
Comparação requer cuidados
A comparação com o estudo do CDC é dificultada pelo fato do estudo de Finch ter sido encerrado em fevereiro de 2021, bem antes da ascensão da variante ômicron, cuja capacidade de driblar tanto a proteção da vacina como a imunidade natural era previsível, por causa do grande número de mutações que carrega. As diferenças de amostras e de métodos também são relevantes.
Apesar da ressalva, o fato dos cientistas terem encontrado evidências de que a imunidade natural é mais duradoura não chega a ser surpreendente, especialmente nos casos daqueles que desenvolveram sintomas mais fortes. A vacina de mRNA apresenta ao sistema imunológico uma única proteína do vírus, contra a qual anticorpos específicos são produzidos. O contato com o vírus completo, por outro lado, fornece ao sistema imunológico mais alvos de ataque, resultando em mais tipos de anticorpos produzidos.
Num estudo anterior, o CDC também investigou as diferenças entre expor-se ao vírus sem nenhuma proteção, com a proteção da vacina, com a proteção conferida por infecção prévia, e com ambas. Naquela pesquisa, os cientistas concluíram que a proteção combinada entre vacina e infecção prévia seria a mais forte.