Menino em parque europeu coberto com a bandeira do movimento trans, 2019.| Foto: Bigstock / Sergey Kozienko
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Uma análise sem precedentes em número de pessoas incluídas concluiu que houve uma explosão de 70% na quantidade de crianças diagnosticadas com disforia de gênero — uma persistente e autodeclarada vontade de ser do outro sexo — entre 2020 e 2021 nos Estados Unidos. A análise foi feita pela empresa de tecnologia médica Komodo Health Inc em seu banco de dados de 330 milhões de americanos, a pedido da agência de notícias Reuters. A empresa tem acesso a reivindicações de seguros de saúde e outros registros médicos. Foram encontrados 121.882 crianças e adolescentes, entre seis e 17 anos, com o diagnóstico em 2021 e nos cinco anos anteriores. Dessas, 17.683 tomaram drogas para bloquear a puberdade ou tomaram hormônios do sexo oposto.

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Essa intervenção medicamentosa foi aplicada em 2.394 crianças em 2017, subindo mais que o dobro para 5.063 crianças em 2021. A expectativa é que o número subestime a quantidade real, pois deixa de fora os casos não cobertos pelos planos de saúde ou casos em que o tratamento hormonal foi aplicado sem o diagnóstico de disforia. Nos últimos 15 anos, o número de clínicas de mudança de sexo para crianças passou de zero a 100 nos Estados Unidos.

Falando à agência Reuters, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos disseram que “são limitadas as evidências a respeito de esses tratamentos apresentarem riscos de saúde de curto ou longo prazo para adolescentes transgêneros”. A maior organização de apoio aos transexuais do mundo, a Associação Profissional Mundial da Saúde Transgênero (WPATH, na sigla em inglês), publicou no mês passado novas diretrizes de tratamento em que reconhece que há poucos estudos a respeito da segurança do tratamento hormonal. A Sociedade Endócrina dos Estados Unidos reconhece o problema, admitindo que suas próprias diretrizes dispõem de certeza baixa ou muito baixa.

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O que está acontecendo?

A narrativa progressista busca reduzir o aumento repentino de transexuais dos últimos dez anos ao efeito de “menos armário”, ou seja, menos resistência social a identidades que seriam espontâneas. Para Erica Anderson, psicóloga clínica que trabalhou na clínica de gênero da Universidade da Califórnia em São Francisco e presidiu a seção americana da WPATH, ela própria uma transexual, está havendo “falsos positivos”. Jovens com problemas outros que não a disforia estão sendo encaminhados com pressa e sem cautela para “mudanças físicas irreversíveis”. Por que esses jovens estariam interpretando assim os próprios problemas?

Aí se encaixa como uma candidata para explicação a hipótese do contágio social de identidades LGBT. Como mostrou anteriormente a Gazeta do Povo, há evidência de que entre jovens americanos com novas identidades LGBT, acima do nível esperado por cientistas de 5% da população (uma minoria menor ainda dos quais seriam transexuais), a adoção dessas identidades vem junto com ideologias progressistas, especialmente as mais radicais. Entre os universitários americanos, como indicou a ONG FIRE, enquanto conservadores LGBT são 5%, entre os progressistas mais engajados o número vai a 49%.

Historicamente, transexuais eram poucas dezenas de pessoas a cada 100 mil. Hoje, junto a novas identidades de clara raiz ideológica como “não binário” (os que alegam que não são homens nem mulheres), os “transgêneros” chegam a 5% dos americanos com menos de 30 anos, como indicou pesquisa do Pew Research Center. Além disso, enquanto no passado a maioria dos transexuais era de homens que queriam ser mulheres, hoje isso se inverteu. Esses fatos em conjunto apontam para um fenômeno de contágio social, isto é, imitação e aprendizado com base em influências que são mais culturais que biológicas.

Diretrizes

Na história recente dos Estados Unidos, a política de tratamento para transexuais começou a mudar em 2016, quando o então presidente Barack Obama proibiu que planos de saúde ou serviços médicos limitassem tratamento por causa da “identidade de gênero” dos pacientes. Mais de metade dos 50 estados americanos hoje oferecem o tratamento de mudança de sexo (envolvendo hormônios, com ou sem cirurgias) pelo Medicaid, programa público de saúde do governo para famílias de menor renda. Nove estados excluíram essa cobertura, inclusive a Flórida, sob a justificativa de que os tratamentos para disforia “não se enquadram na definição de necessidade médica”. O governador da Flórida Ron DeSantis, do Partido Republicano, que é cotado para disputar a presidência, criticou explicitamente em agosto quem permite esse tipo de tratamento para crianças. O tema se tornou um dos objetos de disputa centrais na política americana.

No Brasil, quem regula a questão é o Conselho Federal de Medicina. Comparadas a normas de muitos estados americanos, as diretrizes brasileiras optam pela cautela: somente maiores de 18 anos podem realizar cirurgias de mudança de sexo, como prevê uma resolução de 2019. Já a hormonioterapia sexual só é autorizada a partir dos 16 anos, mediante diagnóstico psiquiátrico de disforia e autorização de pais ou responsáveis.

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É comum, em coberturas da imprensa, que sejam selecionados casos individuais de pessoas que manifestaram muito cedo a disforia e estão satisfeitas com a mudança de sexo. É o caso tanto em filmes sobre transexualidade quanto em matérias jornalísticas. Menos atenção é dada aos casos de arrependidos, que parecem estar em ascensão. Como explicou a Gazeta do Povo, o uso do termo “crianças trans” é muito questionável, bem como essa comum seleção de “casos de sucesso”, diante do fato de que 11 estudos da área apontam que a grande maioria das crianças disfóricas — 60 a 90% — tem remissão da disforia, ou seja, se resolvem em seu próprio sexo com o tempo, geralmente até a puberdade, sem qualquer necessidade de intervenção hormonal ou cirúrgica.

Isso significa que uma minoria chega à maioridade ainda precisando de alguma abordagem que alivie seu sofrimento. Para esses casos, cautela médica, compaixão da família e da comunidade não podem ser substituídas por ideologias cujo propósito é desafiar as bases tradicionais da sociedade, não oferecer o bem-estar. A própria pesquisa com transexuais sofre pressão dessas ideologias, ao ponto de, por exemplo, uma cota para transexuais implementada na Defensoria Pública de São Paulo, baseada em um estudo publicado, ter inflado a quantidade dessas pessoas no Brasil em dez vezes.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]