O aquecimento global causado pela atividade humana não pode ser responsabilizado pela movimentada temporada de furacões que atinge o Atlântico Norte, de acordo com a melhor evidência científica disponível, mas muito provavelmente teve, e terá, um papel na intensificação dos danos e no aumento do número das mortes causadas pelas tempestades. Cientistas estimam ainda que, até o fim do século, a mudança climática trará uma proporção cada vez maior de furacões das categorias 4 e 5, as mais intensas.
Neste ano, a temporada, que vai até novembro, já viu dois furacões potentes, Harvey e Irma, chegarem aos Estados Unidos, e na semana passada produziu um evento sem precedentes no registro do Centro Nacional de Furações (NHC) americano – três furacões, Irma, Jose e Katia, ameaçando, de forma simultânea, zonas habitadas. No entanto, os dados disponíveis não permitem atribuir esses fatos às emissões humanas de CO2.
Tanto uma revisão da literatura científica sobre o tema, publicada recentemente no site da Administração Nacional de Oceano e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, sob o título “Global Warming and Hurricanes” (“Aquecimento Global e Furacões”), quanto um extenso relatório sobre os impactos e perspectivas da mudança climática, de autoria de treze agências federais americanas, incluindo Nasa, NOAA e Agência de Proteção Ambiental (EPA), concordam que é impossível afirmar que existe, hoje, uma influência da mudança climática sobre os furacões.
O relatório das treze agências não foi oficialmente publicado ainda, mas há uma versão preliminar do texto disponível em vários endereços da internet – por exemplo, no site do jornal The New York Times. O trabalho afirma: “Ainda há pouca confiança de que qualquer aumento de longo prazo na atividade de ciclones tropicais seja robusto”. Mais adiante, acrescenta: “Isso não significa que nenhum aumento tenha ocorrido, mas que os dados não têm qualidade que permita determinar isso com muita confiança (...) o sinal de tendência ainda não teve tempo de aparecer acima da variabilidade dos processos naturais”.
Nível do mar
Escrevendo para o jornal britânico The Guardian, o climatologista Michael Mann – famoso por ter sido o principal autor do estudo que produziu o “taco de hóquei”, o famoso gráfico que mostra a disparada do aquecimento global a partir do século 20 – diz que, embora seja mesmo impossível atribuir a existência dos furacões deste ano à mudança climática, efeitos já devidamente vinculados ao aquecimento global pela ciência, como a elevação do nível dos mares e o aumento da intensidade das chuvas, tornaram as tempestades mais perigosas e letais.
Mann aponta que a elevação do nível do mar atribuível à mudança climática na costa do Texas, atingida pelo furacão Harvey, já é de mais de 15 centímetros ao longo das últimas décadas. “Isso quer dizer que a ressaca da tempestade foi 15 cm mais alta do que teria sido poucas décadas atrás, significando mais enchentes e destruição”, escreve o cientista, baseando-se em dados divulgados no início do ano pela NOAA. Um artigo publicado por Mann e colegas no periódico PNAS, em 2015, apontava os riscos da elevação do nível do mar para a cidade de Nova York, num cenário de intensas tempestades.
O relatório de 2014 do Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC), órgão da ONU que analisa a ciência disponível sobre o assunto, apontava que “é provável que alterações extremas no nível do mar (por exemplo, como as vistas em ressacas) tenham aumentado desde 1970, principalmente como resultado da elevação média do nível do mar”. “Provável”, na linguagem do IPCC, representa um grau de confiança superior a 66%.
“Prematuro”
“É prematuro concluir que as atividades humanas, particularmente as emissões de gases do efeito estufa que causam aquecimento global, já tenham tido um impacto detectável na atividade de furacões de Atlântico”, diz o documento sobre furacões e mudança climática publicado online pela NOAA.
As previsões da própria agência, no entanto, não são boas. Cientistas vinculados a ela assinam estudos, como um publicado na revista Science em 2010, que preveem que a mudança climática em curso terá a consequência de produzir, até o fim deste século, um número talvez menor de furacões, mas uma fração maior de furacões de grande intensidade. “O modelo projeta que a frequência de tempestades de categoria 4 e 5 quase dobrará até o fim do século 21, a despeito de uma queda na frequência geral de ciclones tropicais”, diz o estudo.
Outro trabalho, publicado no mesmo ano em Nature Geoscience, envolvendo pesquisadores da NOAA e dos serviços meteorológicos da Índia e da Austrália, afirmava que “estudos de modelagem de alta resolução tipicamente projetam aumentos substanciais na frequência dos ciclones mais intensos, e aumentos da ordem de 20% na taxa de precipitação dentro de 100 km do centro da tormenta”.
A prévia do relatório americano sobre o efeito da mudança climática considera “provável” o aumento da velocidade e da taxa de precipitação dos ciclones tropicais, e “mais provável do que não” – linguagem que denota um grau de confiança superior s 50% – que a frequência dessas tempestades permanecerá inalterada ou diminuirá.
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