Em 1917, o “artista” iconoclasta Marcel Duchamp inscreveu uma de suas obras no salão da Sociedade de Artistas Independentes de Nova York, que dizia aceitar qualquer obra de arte desde que a taxa de inscrição fosse paga. A obra inscrita por Duchamp, contudo, foi rejeitada porque o conselho (do qual Duchamp fazia parte) disse que aquilo não se enquadrava como arte. Era um urinol de cabeça para baixo que ele chamou de Fonte. Aquela pissotière en porcelaine — foi assim que ele a chamou numa carta para a irmã e é exatamente o que o nome sugere (um urinol de porcelana) – foi algo revolucionário.
A Fonte deturpou os padrões do que antes constituía a arte e desafiou o status quo que há séculos norteava as obras de arte quase que totalmente voltadas para a estética. Ela deu origem a uma era de arte conceitual que o movimento dadaísta conscientemente propagou feito uma metástase. Para os artistas contemporâneos, a pissotière en poreclaine se transformou no cordeiro de ouro, e assim permaneceu ao longo do último século. É o que diz o filósofo Stephen Hicks, crítico do pós-modernismo:
O artista não é mais um grande criador – Duchamp fazia compras em loja de materiais de construção. A obra de arte não é um objeto especial – é produzido em larga escala numa indústria. A experiência da arte não é empolgante nem tampouco enobrece – no máximo intriga e geralmente enoja. Para além de tudo isso, Duchamp não escolheu um objeto qualquer para exibir. Ao escolher um urinol, a mensagem dele foi clara: a arte é algo sobre a qual você mija.
Duchamp foi o pai das exibições de mijo que vemos nos museus hoje em dia e sua obra é o antepassado nem tão distante assim de “obras de arte” como o Aspirador de Ivanka – em vez de mijar na exposição, contudo, a plateia é levada a jogar migalhas nela.
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O Aspirador de Ivanka é uma exibição de arte em Washington, D.C., que mostra uma sósia de Ivanka Trump com um vestido cor de rosa de salto alto, passando um aspirador de pó sobre um carpete também cor de rosa num ambiente de paredes igualmente cor de rosa. A plateia é incitada a jogar migalhas (que lhe são dadas) na modelo. Sobre a obra, disse a artista Jennifer Rubell: “Gostamos de jogar as migalhas para a Ivanka limpar. Essa é a triste verdade em torno da qual gira a obra. É divertido, prazeroso, faz a gente se sentir poderosa e é algo que queremos repetir”.
É uma experiência de psicologia comportamental ou arte? É uma forma de escracho ou arte?
Minha impressão inicial da exibição é de que se trata de um posicionamento político que reduz a filha do presidente, que por sinal também é mãe e empresária, a um robô domesticado para ser humilhado e objetificado pela plateia. É algo consistente com a marca da artista, que geralmente se baseia em críticas de gênero e referências ao movimento #MeToo.
A exibição está numa galeria de arte de Washignton, D.C., onde imagino que não há muitas pessoas se opondo à profanação de tudo e todos ligados a Trump. E a hipocrisia fica explícita na reação que a exibição vem recebendo: se a mulher com o aspirador de fosse filha ou a esposa do ex-presidente Obama, a obra seria mais controversa? Os progressistas pensariam que a exibição estava reforçando a repulsa pública em relação a mulheres bem-sucedidas se a pessoa retratada não fosse Ivanka? Eles achariam “divertido” ou “prazeroso” atirar migalhas numa mulher que não estivesse de alguma forma relacionada a Trump ou será que Rubell usaria outras palavras para descrever a humilhação de outra mulher que não Ivanka?
Eu, particularmente, não me ofendo muito com a “mensagem” da exibição, seja ela qual for – é algo semelhante à mensagem do urinol de Duchamp, a mesma dissimulação de rigor intelectual. Espero que a maior parte da sociedade educada, para além dos radicais, saiba que não é aceitável atirar migalhas ou perseguir mulheres conservadoras (ou liberais) só porque a ideologia delas é contrária à nossa.
O que me ofende, contudo, é uma coisa: o fato de este espetáculo ser exibido numa galeria de arte.
A obra de Duchamp – novamente hesito em chamá-la de arte – foi rejeitada pela Sociedade de Artistas Independentes de Nova York porque não se qualificava como “arte”. Foi a decisão certa. A criação de Rubell talvez possa ser chamada de arte de acordo com o padrão atual, baixo e subjetivo. Mas Robert Florczak, artista que entrevistei sobre ao estado da arte atual, considera arte um tipo de “mídia visual”:
Ampliar ou corromper a definição [de arte] a enfraquece e acaba por torná-la algo sem sentido. A qualidade da obra de arte pode ser avaliada pelo uso de padrões estéticos antigos, criados há séculos, para ser mais exato, e que transcendem a história, a cultura, a moda e que, como tais, são objetivos e universais.
(...) A queda desses padrões levou a arte a se transformar em algo que tem mais a ver com ideias, mas ideias não são arte, porque quando uma obra visual tem a ver mais com seu sentido, sua mensagem ou teoria e menos com a experiência visual pura, é porque ela fracassou como mídia. Pode ser algo até interessante, mas é outra coisa – jornalismo, talvez, mas não arte.
As criações de Rubell e Duchamp têm isso em comum – são obras antes de mais nada interessadas em expressar ideias, não em exibir seu dom artístico. Elas não estão preocupadas a experiência visual estética que, por exemplo, o Davi de Bernini cria para a plateia. Elas exibem poucas (ou nenhuma) técnicas de contorno, sombra e modelagem que podem ser apreciadas pelo mundo racional a admirá-la, e elas tampouco apelam à nossa espiritualidade. No mínimo, foi a morte da espiritualidade o que levou à criação dessas obras.
“A verdadeira ameaça ao mundo da arte vem dos que apoiam e determinam a estética relativista que insiste em ignorar grandes obras de artes aguardando para serem descobertas”, me diz Florczak.
O que mais me revolta é o fato de O Aspirador de Ivanka ter recebido a atenção de uma galeria de arte na nossa capital, que turistas estrangeiros provavelmente estão visitando – é como convidar nossos parentes para jantar e não limpar a casa e depois até queimar o assado no forno. A mensagem da exibição de Rubell é seu único traço marcante e ela se baseia completamente em seu poder de comoção para esconder sua falta de qualidades estéticas.
A arte está morta e foram os modernistas que a mataram.
Marlo Safi é bolsista da Collegiate Network na National Review.
Tradução de Paulo Polzonoff Jr.
© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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