Nas últimas semanas, foi a vez da NBC sofrer o impacto do discurso sobre "fake news" do presidente Donald Trump. Dessa vez, ele não atacou somente o jornalismo da empresa, mas também ameaçou revogar a licença de transmissão da companhia, indicando que adotaria uma manobra política mais agressiva para silenciar a oposição se fosse necessário.
Apesar das declarações recentes de Trump, que afirma ter inventado o termo "fake news" (notícias falsas), esforços para deslegitimar oponentes da imprensa já estão presentes na política americana desde a fundação do país, por vezes de maneira perigosa. Ainda que a Primeira Emenda proteja a liberdade de imprensa, a possibilidade de notícias falsas incentivou a aprovação da Lei de Sedição em 1798, que limita a abrangência de críticas legais ao governo. Assim como fez o então presidente John Adams, os ataques de Trump ameaçam sufocar a imprensa. Mas, se continuar assim, os ataques podem se virar contra ele.
No século 18, as notícias falsas estavam fora de controle. Os jornais compartilhavam notícias com pouco cuidado de apuração. Em 1731, Benjamin Franklin, então editor da Gazeta da Pennsylvania, expressou um sentimento compartilhado quando sugere que as gráficas devem imprimir o que for na esperança que "quando o certo e o errado estão em um jogo limpo, o certo sempre vai vencer".
Na época da Revolução Americana, muitas gráficas tiraram vantagem desse precedente para construir plataformas políticas poderosas. Elas frequentemente imprimiam boatos que confirmavam suas crenças insistindo que não era trabalho deles verificar o conteúdo antes de imprimi-lo. Em resumo, essas empresas funcionavam muito mais como os feeds de notícia modernos do que os jornais impressos e televisivos de hoje em dia.
Com federalistas e republicanos se distanciando cada vez mais e perdendo a confiança uns nos outros, a preocupação com as notícias falsas explodiu nos anos 1790. Especialistas frequentemente reclamavam que os americanos eram "seduzidos" e "enganados" por "desilusões e representações falsas". Alguns temiam que essas mentiras subvertessem o processo democrático – e existiam até rumores de que as gráficas trabalhassem em conluio com agentes britânicos e franceses.
Em junho de 1798, quando os EUA estavam em quase guerra com a França, o editor republicano Benjamin Franklin Bache publicou uma carta do Ministro de Negócios Estrangeiros francês, Charles-Maurice de Talleyrand, na qual tentou suavizar alguns problemas diplomáticos entre as duas nações. Em resposta, analistas federalistas agrediram Franklin por publicar mentiras de um adversário político. O federalista George Thatcher denunciou Bache, alegando que ele era um agente estrangeiro.
Intimidação
Os federalistas, liderados pelo presidente John Adams, dominavam o governo e estavam cansados de notícias que, segundo acreditavam, existiam para deslegitimar a liderança deles. Eles usaram esse episódio para passar a Lei da Sedição, que limita a liberdade da imprensa e o trânsito de estrangeiros no território americano.
Eles se basearam na premissa que a Primeira Emenda não tinha o objetivo de proteger notícias falsas. Depois da aprovação, o advogado Charles Lee defendeu a lei alegando que ela não reprime "a verdade, mas se esforça para suprimir mentiras maldosas".
Os oponentes da lei argumentaram que as mentiras publicadas eram um efeito colateral da liberdade de imprensa. O congressista Albert Gellatin, exatamente o tipo mais odiado pelos federalistas, alertou ao fato que, se a proposta se tornasse lei, ela permitiria que federalistas intimidassem os fornecedores de notícias reais, o que faria com que os EUA tivessem acesso a apenas um lado da história. E a acusação se mostrou verdadeira. Depois que Adams aprovou a lei, seu governo começou a processar as gráficas por declarações políticas e pela impressão de notícias com as quais discordavam.
Enquanto isso, os federalistas espalhavam suas notícias falsas impunemente. Henry Van Schaack, um federalista de Nova York, pediu que um editor amigo imprimisse algumas notícias que ajudariam "aqueles federalistas que não têm informação para inventar nada sozinhos a ter benefícios nas deduções de impostos". Se ele não tinha "nenhuma notícia do exterior", sugeriu Van Schaack, "por que não fabricar algumas?".
Mas eventualmente o tiro dos federalistas saiu pela culatra. O eleitorado se revoltou contra as tentativas de limitar a liberdade de imprensa. A indignação contra a Lei da Sedição contribuiu para que Adam não conseguisse se reeleger e que o partido Federalista passasse por um declínio nacional. Além disso, em resposta à aprovação da lei, os americanos articularam uma visão robusta da liberdade de imprensa que é hoje tida como dada. Em uma reviravolta irônica, veículos federalistas se viram vítimas da sua própria lei quando Thomas Jefferson ganhou as eleições e começou a também processar os adversários.
Os federalistas se apoiaram em precedentes ingleses, que podiam abrir processos por discursos que desestabilizassem o governo. Mas eles não conseguiram distinguir entre o próprio partido e o governo que então controlavam. Eles justificaram a restrição da liberdade de discurso enquadrando desafios à liderança deles como ataques contra a ordem e a unidade americana. Esse foi o erro fatal.
Erros
O presidente Donald Trump está cometendo um erro similar. Em resposta à imprensa adversária e ao jornalismo investigativo, ele não só enquadrou a grande mídia como sua inimiga mas também como "inimiga do povo americano". Esses ataques poderiam ser vistos como inapropriados, mas inofensivos, não fosse a ameaça de tirar a licença de transmissão da NBC.
E o uso de Trump do termo "fake news" desde as eleições como uma arma contra seus inimigos é ainda mais alarmante. A frase foi criada para descrever notícias manipulativas e provadamente falsas (como o "Pizzagate" ou o suposto apoio do Papa Francisco ao então candidato Trump) que se espalhavam rapidamente pelas redes sociais e que contribuíram para a surpreendente vitória de Trump.
Mas, assim como foi para John Adams e os federalistas, o uso de Trump do termo "fake news" serve a propósitos políticos. Em vez de se incomodar com teorias da conspiração e boatos, Trump usa a frase para a cobertura da grande mídia com a qual discorda, tentando enfraquecer o limite entre grandes e respeitáveis empresas de comunicação e perpetradores de boatos e deslegitimar a parte da mídia americana que ousa criticá-lo de alguma forma.
Tentando claramente avançar nesse objetivo, a secretária de imprensa de Trump, Sarah Huckabee Sanders, insistiu recentemente que não havia nenhuma diferença entre as notícias falsas criadas por propagandistas russos e o jornalismo americano que eles tentam enfraquecer.
Federalistas usaram a mesma estratégia em 1798. Eles tiraram vantagem na ansiedade pública quanto às notícias falsas para mostrar a divergência como desordem e minar a liberdade de imprensa adversária.
Mesmo assim, o presidente John Adams e seus aliados erraram o cálculo, o que os levou a consequências eleitorais terríveis. Ainda não está claro se o presidente Trump e o Partido Republicano vão seguir o mesmo caminho dos federalistas. Mas se a resposta à Lei da Sedição de 1798 servir de exemplo, eles não estão somente ameaçando uma liberdade que é essencial para nossa democracia, mas também vão deixar a última risada para seus oponentes.
Como as fake news alteram hábitos do público sobre polÃtica //bit.ly/2z0MkhD
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