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O “blackout moral” do jornalismo enviesado

Operação na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Um policial civil morreu no local. (Foto: Reprodução / YouTube)

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Poucas coisas são tão evidentes, nos dias atuais, quanto a distância moral dos intelectuais e jornalistas, daqueles que eu e Chesterton denominamos de “homem comum”. Em um processo de afastamento cada vez mais acentuado da percepção mínima da realidade e da moral comum, o mainstream aposta em percepções enviesadas por um progressismo que não sobrevive fora dos laboratórios de ciências sociais da USP, dos estúdios televisivos e das redações jornalísticas.

O vislumbre da realidade, tal como ela é para os progressistas, soa como um copo de veneno. Eles preferem se autoafirmar na bolha e reaquecerem eternamente suas teorias ― afinal, elas são psicologicamente seguras e reconfortantes, sem antagonismos e enfrentamentos ― a abrir a janela e olhar a vida sem filtros.

A sensação do homem comum é a de que os jornais descrevem uma espécie de mundo paralelo ao que ele vive, que os problemas descritos e comentados pelos “especialistas” não são aqueles que ele enfrenta diuturnamente, que as causas que tais jornais abraçam são completamente descoladas das convicções que o povaréu cultua e defende.

Há duas semanas, os ditos “intelectuais”, jornalistas, artistas e influencers, estão defendendo os traficantes armados que empestavam a favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro. Sei que a versão oficial da turma progressista é que não se trata de “uma defesa de traficantes”, mas da “ilegalidade da ação”, “dos abusos” da Polícia Civil.

Óbvio que a legalidade da ação pode ser sempre questionada, assim como os exageros policiais podem ser apurados. Afinal, é a Polícia Civil que vive sob uma organização jurídica constituída, de baixo da ordem de um Estado de Direito, e não o crime organizado. Mas fato é que, quando o seu Tião vê um traficante desfilando com armamentos de guerra que nem mesmo as Forças Armadas brasileiras têm, ele não associa qualquer “exagero” operacional ao fato da Polícia Civil carioca ter matado tais bandidos-soldados.

Ao que parece, olhando daqui do cantão da realidade, o exagero está no fato de uma localidade de um estado da federação estar totalmente entregue ao crime organizado e ao tráfico de drogas. O exagero parece estar ― e desculpa a minha prepotência interpretativa da realidade ― no fato de existirem milícias armadas com instrumentos de guerra, incluindo munições, bombas, coletes, fuzis de precisão e lança-mísseis, tudo isso dentro de um Estado soberano e independente.

A mídia e seu roteiro

E sabe qual é mais assustador de todo esse enredo que aqui eu narro? A cobertura jornalística. A mídia enviesada, nas duas últimas semanas, diariamente destacou a falta de empatia e competência da Polícia Civil pela referida operação que matou 26 indivíduos com ligação com o tráfico de drogas no Jacarezinho. Tudo isso como se um território sitiado por traficantes armados fosse uma expressão máxima de humanismo e legalidade, ou que, ao menos, fosse melhor deixar como estava em vez de retirar esse vespeiro. É o reacionário de ocasião: “melhor manter o déspota de bairro do que questionar a sua legitimidade”.

O roteiro social dos últimos dias é o seguinte: a mídia trata como vítima um bando de traficantes com armas de guerra, se assusta com a negativa popular ante o seu discurso ideológico, critica a população por isso e alguns até chamam o povo discordante de “fascistas”. Tudo isso sem, no processo do absurdo, cogitar a possibilidade de estar errada. É um verdadeiro blackout moral.

A jornalista Daniela Lima, da CNN, num daqueles atos falhos memoráveis, seja pela incapacidade de formular suas ideias de maneira coerente e competente, seja porque deixou escapar aquelas convicções que só expressamos quando não há ninguém gravando, disse o seguinte: "O discurso da polícia é que estava todo mundo fortemente armado, aparentemente estavam muito armados, mas não sabiam atirar né. Porque eram 24 armados e mataram apenas 1 do outro lado, e morreram todos eles".

Destaco: “O discurso da polícia é que estava todo mundo fortemente armado”. Discurso? Há vídeos, fotos e muitos dos traficantes mortos tinham vídeos no Instagram e Tik Tok nos quais exibiam seus armamentos de guerra.

“Uma operação policial que chega num local para prender 21 pessoas, prende apenas seis e deixa 25 mortos”. Os traficantes estavam com armamentos de guerra e abriram fogo contra os agentes. No vídeo divulgado pelo G1, é possível ver os criminosos pulando as lajes das casas, vestidos com coletes e portando fuzis. Qual a solução sociológica e mil vezes sofisticada da douta jornalista? Devolver tiros de fuzis com beijos e afagos?

“(...) aparentemente estavam muito armados, mas não sabiam atirar né. Porque eram 24 armados e mataram apenas 1 do outro lado, e morreram todos eles”. Bom, acho que não preciso comentar. Qualquer indivíduo com um senso moral de um babuíno consegue rechaçar isso. Chega a ser bizarro.

Vejam que a jornalista não está lamentando a morte dos possíveis inocentes que naquela guerra acabaram saindo como subproduto do pandemônio do combate lá travado. Ela está deliberadamente lamentando a morte de traficantes “fortemente armados” com armas de guerra.

Caso restem dúvidas, o leitor pode conferir o vídeo do que acima transcrevo. É como se um corintiano estivesse descrevendo a derrota de seu time com indignação. Parece que a jornalista estava revoltada porque o time para qual ela torcia acabou perdendo. Novamente, é bizarro.

No campo da consciência, cada um pode apontar no outro a falha interpretativa ante a sua expressão. Entretanto, quantos podem dizer que o que entendemos dessa diarreia vocabular da referida jornalista não é o que ela de fato quis dizer? A jornalista, após o vexame moral e a repercussão negativa (que fez até os jogadores Neymar e Lucas Moura comentarem com indignação a sua fala), veio à público se defender e tentar amenizar seu discurso grotesco. Disse ela em seu Twitter:

"Para encerrar: em nenhum momento quis minimizar a morte do policial. Rogo por um país em que a polícia não tenha que matar e muito menos que morrer. Que tenha condições de, com segurança, cumprir a lei. Prender quem deve ser preso".

Incompetência ao se expressar, convicção enrustida, demência ideológica. Deixo a vocês que julguem cada um com suas próprias inteligências. Apenas digo, pela terceira vez, o que venho dizendo neste texto desde o início: “bizarro”.

O blackout

O preço que se paga quando a ideologia vem antes da sanidade é a eterna vergonha quando a bigorna da realidade aterriza em nossas frontes. Quando “a causa” vem antes da verdade, o mais belo discurso se converte em um poço fecal de doutrinas diabólicas. E, com esses óculos ideológicos calçados de forma alienante por milhares de jornalistas e “especialistas”, as redações diuturnamente se empenham em apregoar um humanismo mentiroso.

Humanismo jornalístico que, num silêncio ensurdecedor, se cala agora ante a morte de Thiago Freitas de Souza - fotógrafo assassinado no último sábado (15), em Niterói, após pedir silêncio ao vizinho traficante, a fim de que sua filha de 5 anos pudesse dormir.

As revoltas que habitaram as redações da UOL, Folha, et al, nas últimas semanas, acabaram. O espanto que caracterizava os comentários ríspidos e altamente “empáticos” dos colunistas e comentaristas progressistas, silenciou. Todos esses humanistas cessaram as revoltas, as postagens nas redes sociais pararam, as mães revoltadas do morro não mais desceram para protestar, os repórteres humanizados não abriram as chamadas com lágrimas nos olhos, o Jornal das 8 não começou com o mesmo ímpeto denunciador.

O cadáver de Thiago, meus caros, não serve como munição ideológica, não alimenta o discurso progressista, não faz mover as instituições da ONU. A morte de Thiago não importa à causa.

A Neide e o Tião

A Neide e o Tião, ainda que não sejam letrados, que não conheçam a Escola de Frankfurt e as teses chatas de Michel Foucault, continuam cultivando aquilo que falta às toneladas para os profissionais da informação: o senso da realidade.

Os discursos fofos, as retóricas sentimentais, o humanismo ativista dos progressistas, nada disso convence aqueles que dia e noite veem a violência a olho nu, sem intermédios ou floreios, aqueles que convivem com o medo, que um milhão de vezes já se depararam com o banditismo instaurado neste país e que a cada fim de semana têm que enterrar um Thiago.

O Tião, para o susto da Daniela e de seus pares progressistas, mora na favela e, por isso, consegue ver a distância estelar que existe entre o discurso jornalístico e a realidade. O Tião consegue enxergar os fatos sem o binóculo midiático, sem os sobrevoos de helicópteros televisivos. É ele que está no enfoque das lentes do comandante Hamilton todos os dias. Tudo isso, caros jornalistas e amigos progressistas, fica difícil de ver lá da Avenida Paulista ou do terraço na Tijuca.

E, se ainda se perguntam por que o progressismo não prospera na casa dos Tiões e das Neides do Brasil, está aí minha tese sociológica, podem explorá-la. Ao menos, cá entre nós, ela parece fazer mais sentido do que o discurso da Daniela e as soluções dos especialistas da Globonews.

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