O Brasil caminha para a segunda década perdida em 40 anos. A avaliação é do banco norte-americano Goldman Sachs. Entre as duas décadas perdidas, a de 1980 e a de 2010, o crescimento real do PIB per capita deve ficar, na média, em torno de 0,8%. Nesse ritmo, estima-se que demorará 87 anos para que a renda per capita real dos brasileiros dobre.
Você provavelmente já sentiu ou ainda está sentindo no bolso os efeitos do que foi apontado por um relatório do FMI: 183 de 192 países analisados pelo fundo registraram crescimento econômico superior ao brasileiro entre 2015 e 2016.
Nada disso é novo. Em 2014, a revista britânica The Economist chamou de “A soneca dos 50 anos” o fato de a produtividade brasileira ter praticamente estagnado aos níveis da década de 1960. Chama-se de produtividade quanto cada trabalhador consegue produzir a partir da utilização de uma mesma quantidade de recursos ao longo do tempo. Dessa forma, a despeito de todos os avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas, pode-se dizer que um brasileiro hoje não produz muito mais do que um trabalhador dos anos 60.
Quer saber como estamos pobres? Em 1980, a renda per capita brasileira era de US$ 4,8 mil, 62% superior do que a renda per capita mundial de US$ 3 mil. Em 2018, segundo a estimativa do FMI, a renda per capita anual do brasileiro estava em US$ 17,4 mil, enquanto a média no mundo passou para US$ 19,6 mil. Um ranking divulgado pela Global Finance Magazine informa que em 2016 havia 76 países com renda per capita superior à dos brasileiros.
Mas você, leitor, chegou até aqui para saber se é possível reverter esse quadro. A boa notícia é que, sim, dá para o Brasil — e consequentemente o brasileiro — enriquecer.
Na avaliação do economista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Marcelo Moraes, entre os países que aumentaram bruscamente a produtividade nas últimas décadas, como Coreia do Sul, Japão e Taiwan, há pontos em comum que indicam a receita que o Brasil deve seguir: “As regras do jogo nesses países valeram para todos, diferente daqui no Brasil, onde havia a escolha de empresas específicas e setores determinados por parte do governo”. Um exemplo de como governos brasileiros foram na contramão das experiências que deram certo foi a política dos campeões nacionais do BNDES, levada a cabo nas gestões de Lula e Dilma Rousseff.
“Além disso, nesses países houve estabilidade fiscal e de preços, investimentos em infraestrutura, abertura comercial e a construção de um sistema educacional que conseguiu transformar o trabalhador em um agente altamente produtivo”, destaca Moraes.
Para efeito de comparação, entre 1970 e 2011 a renda per capita anual dos sul-coreanos subiu de US$ 254 para US$ 22 mil, mas as bases que proporcionaram tamanho enriquecimento começaram a ser postas em prática três décadas antes. Logo, é possível haver salto de produtividade para que a renda dos brasileiros dobre mais rapidamente, mas não existem atalhos.
Essa agenda da produtividade depende, sobretudo, da (1) redução das políticas protecionistas, (2) realização de investimentos em infraestrutura e (3) melhora da qualidade do capital humano brasileiro.
O comércio externo nos enriquecerá
A quantidade de impostos cobrados no Brasil para quem deseja importar produtos é a maior entre os países emergentes e desenvolvidos. O resultado é uma restrição nas relações comerciais. Um levantamento da Inter B Consultoria, com base em dados do Banco Mundial, mostrou que a média de participação do comércio exterior brasileiro em relação ao PIB foi de 24% entre 2009 e 2015. O Brasil está atrás somente de Myanmar, com 22%. A média global é superior ao dobro, 51,3%.
As barreiras chanceladas pelo Estado brasileiro são tamanhas que somos mais fechados ao comércio internacional do que Cuba, um país que historicamente reclama de sofrer embargo comercial. O Brasil, portanto, se impôs um embargo próprio. Segundo levantamento de Greg Mankiw, professor de Economia em Harvard, 93% dos economistas concordam que tarifas e cotas de importação geralmente reduzem o bem-estar econômico geral.
Ao inibir a competição estrangeira, o governo obriga os consumidores brasileiros a pagar mais caro por produtos de menor qualidade. A muralha comercial brasileira retira, anualmente, R$ 130 bilhões do bolso dos consumidores.
Ao dificultar importações, o saldo pode ser positivo para o setor beneficiado, mas ninguém concorda que o resultado será proveitoso para o restante do país. Como explica o economista Marcos Lisboa, há uma forte relação entre o protecionismo e a produtividade. “Diversos trabalhos acadêmicos demonstram empiricamente que, quando a proteção do governo sobre determinado setor cai, a produtividade sobe”, explica. “Diminuir barreiras alfandegárias facilita o acesso a insumos e a bens de capital mais eficientes".
A maior parte do crescimento brasileiro neste século se deu em virtude do aumento da mão de obra, não do aumento de produtividade. Com as alterações históricas na pirâmide demográfica brasileira, porém, reformas tornam-se necessárias para que haja mudanças deste quadro.
Segundo o especialista em investimentos da Vertice Investimentos Ricardo Frizera, há avanços em relação à diminuição de tarifas. “As políticas de acordo comercial voltaram. A notícia da vez é que o presidente dos Estados Unidos Donald Trump quer fazer um acordo comercial com o Brasil. Recentemente houve o avanço com a União Europeia. Essa redução de impostos estimulará a indústria doméstica”, afirma.
O economista Carlos Langoni destaca o papel que o protecionismo teve na industrialização brasileira entre a década de 1940 e os anos 1990. “O Brasil montou um parque industrial com baixa capacidade. Na Coreia do Sul, a industrialização também teve o Estado como motor da economia, mas as indústrias brasileiras não foram expostas ao ambiente de competitividade no exterior”, conta. Protegida da concorrência, não houve incentivos para melhorar a produtividade nacional, diferentemente do que ocorreu na experiência sul-coreana.
A infraestrutura aumentará nossa competitividade
A partir da análise de dados de 137 países, um estudo de 2018 elaborado pelo Fórum Econômico Mundial colocou o Brasil em 73º lugar geral no ranking global de qualidade de infraestrutura.
O Brasil tem deficiências graves em logística, saneamento, energia e transmissão de dados. A internet brasileira, por exemplo, tem 1/5 da velocidade média nos 10 países com maior velocidade. Além da baixa qualidade, a internet é muito mais cara aqui quando comparada ao serviço de outros países da América Latina.
Além disso, o Brasil ficou em 95º lugar em relação à qualidade de seus aeroportos, 103º em rodovias, 88º em suas ferrovias, 106º nos portos e 84º no quesito energia.
O país ainda investe pouco em relação ao PIB para melhorar esse quadro. A China destina anualmente cerca de 7% do seu PIB em infraestrutura. A Índia, algo em torno de 5,5%. Enquanto isso, o valor gasto no Brasil é de apenas 2,2%. Só para manter a estrutura atual, o investimento anual em infraestrutura precisaria aumentar para 3,2% do PIB nos próximos 20 anos. O escoamento da produção do país, portanto, custa mais caro, o que diminui a competitividade dos empreendedores brasileiros.
Sem dinheiro, a solução encontrada pelo governo brasileiro tem sido atrair investimentos privados para o setor. O Ministério da Economia e da Infraestrutura pretende atrair a partir de concessões R$ 208 bilhões em investimentos em infraestrutura a serem realizados ao longo dos próximos 30 anos. Já foram leiloados, em 2019, 12 aeroportos, dez terminais portuários e um trecho da ferrovia Norte-Sul.
A educação corrigirá falhas estruturais
“Embora tenhamos aumentado os anos de estudos da população após a Constituição de 1989, os indicadores de qualidade da educação não avançaram muito”, afirma Moraes.
No último levantamento do Pisa, levantamento que mede a qualidade da educação de base, em 2016 o país ficou tão-somente na 63º colocação em ciências, 59º em leitura e 66º em matemática entre os 70 países analisados.
Da mesma forma, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017 mostram que 7 de cada 10 alunos do ensino médio têm nível insuficiente em português e matemática. A formação deficiente nessas disciplinas dificulta a inserção dos estudantes no ensino superior e no mercado de trabalho.
Além disso, apenas 11,1% dos alunos entre 15 e 17 anos fazem algum tipo de curso de formação profissional, segundo dados da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. No Japão, na Áustria e na Finlândia, esse índice varia de 70% a 76% da população jovem.
Os números revelam nossas falhas estruturais na preparação e qualificação técnica de jovens brasileiros para o trabalho e, consequentemente, por que o país apresenta dificuldades para o desenvolvimento de mão de obra produtiva e estagnação em relação a outras economias emergentes.
Não por acaso, o Brasil figurou apenas no 71º lugar entre 195 países avaliados em um estudo sobre o nível de capital humano conduzido a pedido do Banco Mundial e publicado na revista científica The Lancet em 2018.
O capital humano é um indicador que influencia o ritmo de crescimento econômico porque impacta a produtividade do trabalho. Os pesquisadores observaram que as nações com profissionais mais qualificados também tendem a ter um avanço maior de seu PIB.
Segundo o Banco Mundial, o desempenho brasileiro está longe do considerado ideal, o que pode comprometer o desenvolvimento econômico a longo prazo. No levantamento, o país ficou atrás de países latino-americanos como Cuba (41º), Chile (50°) e Argentina (66°).
Para tentar reverter este quadro, o governo Bolsonaro anunciou o programa Future-se, que consiste na parceria entre universidades federais e a iniciativa privada para criar outras formas de captação de recursos. Contudo, nada ainda foi anunciado em relação à educação de base.
O exemplo do que pode ser feito vem da Coreia do Sul. A partir de 1945, o governo coreano passou a focar na educação básica e, em apenas 12 anos, mais de 90% das crianças já estavam sendo escolarizadas.
Como o governo não tinha dinheiro suficiente, as famílias e doadores participaram ativamente desse processo, segundo Marcelo Moraes. “Houve grande participação de fundações privadas na educação secundária e superior, o que permitiu ao governo focar na educação básica", diz. "Em 1980, 75% dos estudantes de segundo grau e 60% dos de ensino superior estavam matriculados em instituições privadas”, afirma.
Ele explica que o governo sul-coreano só passou a gastar mais na educação secundária e superior após a universalização do ensino básico. “Houve forte incentivo a escolas técnicas a partir dos anos 70, o que foi essencial para a indústria. Criaram um sistema educacional forte com foco na educação primária, incentivos ao ensino técnico e forte participação das família e setor privado”, diz.
A Coreia do Sul valorizou a qualificação da mão de obra por meio da educação desde o início, segundo a avaliação de Langoni. “A industrialização ocorreu com melhora gradativa na qualidade dos profissionais, algo que o Brasil passou a se preocupar apenas na década de 1990”, explica.