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O Brasil está preparado para protestos de direita?

 02-09-2015 - O boneco inflável do ex-presidente Lula foi apresentado na frente da Polícia Federal de Curitiba como forma de protesto contra a corrupção. Quando o Lulão ou Pixuleco ficou totalmente inflado as pessoas começaram a gritar contra o PT e seus integrantes. | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
 02-09-2015 - O boneco inflável do ex-presidente Lula foi apresentado na frente da Polícia Federal de Curitiba como forma de protesto contra a corrupção. Quando o Lulão ou Pixuleco ficou totalmente inflado as pessoas começaram a gritar contra o PT e seus integrantes. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

De um lado, as reações lideradas pelo Movimento Brasil Livre (MBL) contra a exposição Queermuseu, que conseguiram fazer com que o Santander Cultural, em Porto Alegre, encerrasse o evento antes do prazo. De outro, um grupo de artistas brasileiros, incluindo Fernanda Montenegro, Adriana Varejão e Marisa Monte, funda o 342 Artes, um movimento “contra a censura”. 

De um lado, manifestantes ateando fogo a um boneco com a imagem da filósofa norte-americana Judith Butler, diante do Sesc Pompeia, em São Paulo, aos gritos de “queimem a bruxa”. Uma petição distribuída online reuniu mais de 360 mil assinaturas pedindo que Butler não realizasse sua palestra durante um evento organizado em conjunto entre a Universidade de São Paulo e a Universidade da Califórnia. De outro, um grupo de pessoas favoráveis à presença da pensadora, uma das maiores teóricas no estudo a teoria de gênero, gritavam palavras de ordem do outro lado da mesma rua. 

De um lado, a exposição “Faça Você Mesmo a Sua Capela Sistina”, do artista Pedro Moraleida, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em cartaz desde setembro, é alvo de protestos constantes. Os manifestantes se mobilizam na porta do local, pedindo o cancelamento da exposição que, dizem eles, agride valores cristãos e promovem a pedofilia. De outro lado, o cantor Caetano Veloso, um dos fundadores do 342 Artes, faz questão de visitar o evento e declarar: “Isso é um esboço de opressão. Se as pessoas aderirem a isso, nós temos uma ameaça de situação opressiva”. Lembrando que Caetano e Paula Lavigne, outra participante do 342 Artes, tentaram censurar biografias com o movimento Procure Saber, lançado em 2013

De um lado, um documentário sobre as ideias do conservador Olavo de Carvalho, exibido num auditório da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. De outro, estudantes, alguns identificados como membros do Partido da Causa Operária, cercando o local aos gritos de “recua, direita, recua”. Um estudante que vestia uma camiseta com a imagem do deputado e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro foi agredido e assim teve início uma pancadaria generalizada

Para cada ação de manifestantes alinhados com um pensamento conversador, vem aparecendo uma reação de pessoas afinadas com  ideologias de esquerda. Se isso vem acontecendo, é porque existe uma novidade no cenário político brasileiro: desde 2013, as pessoas de direita têm se sentido mais à vontade para se manifestar publicamente. Entraram num palco que não costumavam ocupar e estão sentindo a reação dos antigos manifestantes de esquerda. 

“Desde a redemocratização do país, em 1985, é a primeira vez que se vê um movimento conservador que se manifesta de forma pública”, afirma Rodrigo Cássio Oliveira, doutor em Estética e Filosofia da Arte e professor da Universidade Federal de Goiás

De fato, os brasileiros conservadores tiveram o hábito de expor suas ideias abertamente em vários momentos da história brasileira, desde as marchas do grupo Tradição, Família e Propriedade (TFP) dos anos 1960, retomadas a partir de 2015, até a grande expressão política do Partido Conservador, durante o reinado de Dom Pedro II. Mas, nas últimas décadas, essa mobilização pública tinha se reduzido a quase zero. 

Comando descentralizado 

Independentemente do posicionamento ideológico e dos objetivos dos manifestantes de ambos os lados, a mobilização de grupos conservadores nos costumes e, normalmente, liberais na economia, em contrapartida à politicas invasivas do Estado,  é cada vez mais expressiva. 

“Atualmente os movimentos de direita no interior da sociedade civil estão mais organizados e possuem maior visibilidade, o que faz com que consigam atuar de modo mais incisivo”, afirma a cientista política Camila Rocha, pesquisadora da Universidade de São Paulo que estuda os centros de pesquisa e debates conservadores do Brasil. 

Camila afirma que a organização desses novos grupos não é muito diferente do que se observa nos movimentos artísticos e sociais mais antigos e ligados à esquerda, porque ambos se caracterizam pelo uso recente das redes sociais. 

“É possível dizer que as estratégias de mobilização e manifestação dos jovens (conservadores) guardam semelhanças mais gerais com àquelas empregadas por movimentos sociais contemporâneos no que diz respeito ao uso intensivo das redes sociais”, afirma a pesquisadora. “Isso implica uma atuação que costuma ser mais descentralizada, na qual as decisões tendem a ser realizadas de forma mais ‘distribuída’, isto é, sem passar necessariamente por instâncias decisórias previamente constituídas”. 

Censura? 

Dois blogueiros da Gazeta do Povo ajudam a entender esse fenômeno. “A narrativa de que é uma onda conservadora tentando censurar a arte é falsa e foi produzida pela esquerda, com conivência da mídia. O que esses liberais e conservadores querem é proteger as crianças, nada mais”, afirma o economista Rodrigo Constantino

“Não são as mesmas pessoas dos eventos de 2013, portanto, que eram ligadas à esquerda, como o Movimento Passe Livre e os black blocs, mas sim às manifestações de 2015 para o impeachment de Dilma, lideradas por grupos como o MBL”, diz o economista. “Esses movimentos estão simplesmente dando voz a uma maioria silenciosa que não aguenta mais a agenda progressista enfiada goela abaixo da população por meio de exposições, novelas, jornais.” 

Mas as manifestações contrárias a exposições e palestras não caracterizam censura? “Censura mesmo é quando o governo, que detém o monopólio da coerção e das leis, impede alguma coisa. Quando é boicote faz parte da liberdade de expressão. Ou seja, os clientes do banco (Santander) têm o direito de pressionar o patrocinador de um evento que julgam inaceitável, e podem também fazer manifestações na frente do local para expor seu ponto de vista, desde que não usem violência, agressão, e não impeçam a entrada dos outros. O que é censura é tentar usar o estado para impedir biografias não-autorizadas, como esse mesmo grupo liderado por Caetano e Paula Lavigne fez.” 

Para o analista político Alexandre Borges, os movimentos recentes são diferentes do que aconteceu com as primeiras manifestações, em 2013. “Havia então um padrão muito difuso. O que aconteceu em 2013 foi uma maneira de as pessoas falarem, ‘algo me incomoda, mas eu não sei direito o que é’. Em 2015, a motivação era diferente. Tinha gente fazendo selfie com policial, o que é uma forma de dizer que você quer convocar a ordem”. 

Para Borges, 2017 também é diferente de 2015. “Depois que o governo Dilma saiu, você tirou o bode da sala e voltou a ter uma insatisfação difusa. Novamente não há uma bandeira clara. Tanto é que Geraldo Alckmin e Aécio Neves tentaram ir a manifestações na Avenida Paulista e foram rechaçados”. 

Ele também vê as redes sociais como uma ferramenta fundamental para que esse fenômeno tenha acontecido. “As manifestações não são pró-tucanas. Na verdade, elas dão voz a pessoas que não estão acostumadas a se expressar. A população pensa o que ela sempre pensou. Mas agora ela está sendo ouvida.”

A direita que renasce nas universidades não deve copiar os métodos da esquerda //bit.ly/2z2NxW5

Publicado por Ideias em Terça-feira, 31 de outubro de 2017

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