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“Enviaremos nossas perguntas ao espaço da Igreja universal”: assim respondeu Dom Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã e do Caminho Sinodal, ao ser questionado na coletiva de imprensa de encerramento da V Assembleia – realizada de 9 a 11 de março – para resoluções aprovadas que não sejam da responsabilidade de um bispo ou de uma Conferência Episcopal. E continuou: “São necessárias respostas a essas perguntas; mas não quero respostas burocráticas de nenhum escritório da Cúria, e menos ainda de seus bastidores, mas de processos sinodais em nível da Igreja universal que abordem questões de peso, as debatam e levem a decisões."
O que o bispo Bätzing chama de “respostas burocráticas dos escritórios da Cúria” não pode ser outra coisa senão as advertências recebidas do Vaticano. Em julho de 2022, uma breve declaração assinada pela Santa Sé proibiu o Caminho Sinodal de tomar qualquer decisão que “obrigasse os bispos e os fiéis a adotar novas formas de governo e novas orientações doutrinais e morais”, uma vez que novas estruturas ou doutrinas “constituiriam uma violação da comunhão eclesial e uma ameaça à unidade da Igreja”.
Mais tarde, por ocasião da visita ad limina dos bispos alemães em novembro passado, vários cardeais da Cúria expressaram “preocupações e reservas quanto ao método, conteúdo e propostas do Caminho Sinodal”. Num encontro interdicasterial [dicastério é um departamento do governo da Igreja Católica que compõe a Cúria Romana], o Cardeal Marc Ouellet referiu-se ao fato de que o Caminho Sinodal “se distanciou inicialmente do magistério pontifício no plano metodológico. Ao longo da obra, surgiram tensões crescentes com o magistério oficial em nível substantivo”, que deram origem a propostas “abertamente contrárias à doutrina afirmada por todos os papas desde o Concílio Ecumênico Vaticano II”. Isso equivaleria a uma "mudança na Igreja" e não apenas "inovações pastorais no campo moral ou dogmático". O Cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin, destacou que no Caminho Sinodal Alemão “não pode deixar de lado” o intercâmbio de ideias desse diálogo. Em carta datada de 16 de janeiro de 2023, Parolin, juntamente com os cardeais Ouellet e Luis Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e com a aprovação expressa do Papa Francisco, afirmou mais uma vez que "ninguém tem o direito de constituir um Conselho Sinodal nem a nível nacional, nem a nível diocesano ou paroquial”.
No entanto, esses apelos da Santa Sé caíram em ouvidos moucos; assim criticou a observadora da Conferência Episcopal Austríaca, Raphaela Pallin, em uma intervenção pela Internet nesta quinta Assembleia: “Das repetidas intervenções de Roma, seria de esperar pelo menos sua aceitação séria”. Neste contexto, Pallin se perguntou: “O Magistério Ordinário e a ordem trinitária da Igreja ainda fazem sentido para o Caminho Sinodal?” Aparentemente, para Dom Bätzing, essas intervenções são meras “respostas burocráticas”. Por isso, pediu um encontro em Roma, com toda a Presidência do Caminho Sinodal; isto é, também com os leigos. Na mencionada coletiva de imprensa, ele comentou que havia dito ao cardeal Ladaria: “Eles também devem aprender em Roma a seguir os processos sinodais dos quais muitos participam”.
Novas fontes de teologia
Nesta, em princípio, a última Assembleia do Caminho Sinodal – uma sexta está prevista para dentro de três anos, como uma “avaliação” do que foi realizado até então – foi aprovado um preâmbulo, uma espécie de declaração de princípios do Caminho Sinodal: “Movidos pelo 'grito e lamentação (Êxodo 3, 7)' dos atingidos pela violência sexual”, seria “essencial confessar abertamente a culpa e também trabalhar as causas estruturais dessa culpa. O abuso não deve ser sistematicamente favorecido na Igreja”. A causa da atual “profunda crise de fé” seriam “crimes de violência sexual e seu acobertamento”. Como "problemas centrais que obscurecem a Boa Nova da Igreja", o preâmbulo menciona "o abuso espiritual, o abuso de poder através do clericalismo e da incompetência, o desprezo pelas mulheres e pelas pessoas que não correspondem à ordem binária masculino-feminino, e por último mas não menos importante, as restrições da moralidade sexual da Igreja, oposta à vida”.
Este é o resultado de um dos textos fundamentais do Caminho Sinodal, no qual são tratados os seus princípios teológicos, especialmente os lugares do conhecimento teológico, entre os quais se destaca especialmente os "sinais dos tempos" - entendidos como novos conhecimentos da ciência e da atual “realidade da vida”. Os "sinais dos tempos" ascendem à categoria de fonte da Teologia junto com a Escritura e o Magistério. Daqueles afetados pelos abusos, diz-se que “sua voz é uma fonte de Teologia”.
Adiado o Concílio Sinodal
Agora, no preâmbulo, menciona-se como guia "a experiência em uma sociedade democrática na qual os Direitos Humanos são válidos". Assim, de acordo com este preâmbulo, a própria estrutura da Igreja e seus representantes fariam parte de um sistema de abusos. Por isso, em diversas ocasiões – inclusive na coletiva de imprensa final da V Assembleia – a presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães e co-presidente do Caminho Sinodal, Irme Stetter-Karp [defensora explícita do aborto], acusou os bispos que defendem a doutrina tradicional para “bloquear” as mudanças que o Caminho Sinodal quer introduzir.
Em um ponto central, a oposição de uma série de bispos dentro do Caminho Sinodal foi de fato notada e levou à suspensão da votação sobre a criação do Conselho Sinodal: como observado acima, a carta de janeiro de três cardeais da cúria e o lembrete feito pelo núncio apostólico Nikola Eterović uma semana antes da quinta Assembleia (“exclui-se a possibilidade de criar concílios sinodais, também em nível diocesano ou paroquial”) levou a essa reação de alguns bispos. Graças às suas intervenções durante o debate, a decisão foi adiada. Agora, uma "comissão sinodal", cujos membros foram eleitos na quinta Assembleia, se encarregará de atualizar ou modificar o texto com vistas à criação do Conselho Sinodal (vetado por Roma) durante os próximos três anos. Que isso seja feito “com base no Direito Canônico atual” – como assegurou Dom Bätzing – parece, no entanto, em vista das declarações da Santa Sé e dos comentários de conhecidos canonistas, uma tarefa impossível.
Celibato e sacerdócio feminino
Quanto às resoluções específicas aprovadas na quinta Assembleia, é necessário diferenciar entre aquelas que – na opinião do Caminho Sinodal – já podem ser implementadas em cada diocese, se o respectivo bispo assim o decidir, como a pregação e a administração de certos sacramentos por leigos e leigas, e aqueles para os quais é necessário um indulto ou aprovação de Roma, como o “celibato obrigatório” para o sacerdócio ou o acesso das mulheres ao diaconato. Assim, a resolução diz: “A Assembleia Sinodal pede ao Santo Padre que, no contexto do Sínodo Universal, seja examinado o vínculo entre a administração da Ordem e a obrigação do celibato”. No segundo caso, “a Assembleia do Caminho Sinodal solicita à máxima autoridade da Igreja, ou seja, o Papa e o Concílio, que examine se a doutrina da Ordinatio Sacerdotalis vincula definitivamente a Igreja ou não”. O diaconato para mulheres é agora defendido, mas com a perspectiva do sacerdócio. Além disso, a resolução prevê a criação de uma comissão na Alemanha para tratar "da questão das Ordens sacramentais para pessoas de ambos os sexos".
O Caminho Sinodal decidiu pedir que o celibato sacerdotal seja reconsiderado e o sacerdócio feminino seja considerado
No que diz respeito às mudanças que, na opinião dos membros da assembleia, podem ser introduzidas nas dioceses alemãs, destacam-se as cerimónias de bênção para "casais que se amam", quer se trate de uniões homossexuais, quer de divorciados reencontrados civilmente, contrariando não apenas a Tradição, mas especificamente um documento da Congregação para a Doutrina da Fé de 2021, segundo o qual a Igreja não tem autoridade para abençoar tais uniões. Na conferência de imprensa final, Dom Georg Bätzing disse que eles seriam introduzidos “imediatamente” em sua diocese de Limburg.
Por sua vez, o Monsenhor Franz-Josef Bode, bispo de Osnabrück, referiu-se ao fato de que, após um período de formação de alguns meses, seria introduzida em sua diocese a pregação por leigos e leigas na Eucaristia, assim como a administração do Batismo por “pessoas não consagradas”.
Também despertou consternação o "reconhecimento" da inter e transexualidade. Por exemplo, será possível mudar o nome após a "mudança de sexo" na certidão de batismo e também terá acesso às ordens sacras. O texto da Assembleia diz: “O acesso aos ofícios de ordenação eclesiástica e pastoral vocacional não deve ser excluído de maneira geral para os intersexuais e transexuais batizados e confirmados, mas deve ser examinado caso a caso”. Neste contexto, Stefan Zekorn, Bispo Auxiliar de Münster, afirmou que “não poderia concordar com um texto que se baseia quase inteiramente na ideologia de gênero”.
Instrumentalização de abusos
E a questão dos abusos sexuais, teoricamente o ponto de partida do Caminho Sinodal? A quinta Assembleia aprovou – sem nenhum voto contra – um texto com medidas para “Prevenção do abuso sexual”. É significativo, porém, que apenas dois dias antes do início da Assembleia, o jornal Augsburger Allgemeine tenha publicado uma entrevista com o jesuíta alemão Hans Zollner, diretor do Instituto de Proteção contra os Abusos da Pontifícia Universidade Gregoriana e um dos maiores especialistas sobre o assunto, no qual criticou "a lentidão e a falta de padrões para lidar com os abusos na Alemanha". Na Áustria, desde 2010, e na França, desde 2018, existem comissões independentes das Conferências Episcopais para lidar com eles. "Infelizmente a Alemanha não tomou as providências necessárias."
Tais afirmações vêm corroborar as repetidas críticas de que o abuso sexual tem sido utilizado pelo Caminho Sinodal para introduzir modificações na doutrina católica e que, ao falar exclusivamente de "causas sistêmicas ou estruturais", é evidente a persecução de culpas, em termos de cometimento de esses crimes e seu encobrimento, de pessoas individuais. Já no início do Caminho Sinodal, Bernhard Meuser –vítima de abusos na infância– qualificou-o como a maior manobra de acobertamento de abusos sexuais cometidos dentro da Igreja.