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O ex-secretário Roberto Alvim sempre mostrou que sua capacidade de administrar a cultura nacional estava contaminada pelo ressentimento.
O ex-secretário Roberto Alvim sempre mostrou que sua capacidade de administrar a cultura nacional estava contaminada pelo ressentimento.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Não dá para ignorar que o nazismo foi também uma ideologia de vingança. Vingança contra os judeus, que os alemães viam como culpados pela degeneração da raça ariana. Vingança contra os países que assinaram o Tratado de Versailles e deixaram a Alemanha à míngua. Vingança contra os comunistas, apesar das evidentes semelhanças ideológicas. E vingança contra outros grupos dissidentes que tinham o potencial de afetar negativamente o ideal de pureza genética ou estética do Reich.

Para além do mau gosto e das intenções ocultas, acreditando-se ou não na hipótese de “coincidência retórica”, pesquisa equivocada no Google e até na suspeita de sabotagem aventada por alguns, o discurso do ex-Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, reproduzindo um discurso proferido por Joseph Goebbels, o macabro Ministro da Propaganda de Adolf Hitler, deixa claro que o diretor de teatro não agia movido pelo desejo compreensível, ainda que questionável, de levar cultura de qualidade aos brasileiros, e sim por um desejo pessoal – e, por extensão, político – de vingança.

Em várias ocasiões, a começar por uma entrevista na qual lamentava o fim da própria carreira depois de se posicionar à direita do espectro político e outra na qual disse que “ninguém pode odiar a esquerda mais do que eu”, Roberto Alvim deixava claro que sua capacidade de administrar a cultura nacional estava contaminada por um ressentimento contra aqueles que, em sua visão, passaram as últimas muitas décadas destruindo a arte brasileira. O problema, mais uma vez, é que talvez esse ressentimento tenha encontrado ressonância entre várias outras autoridades do governo.

Para alguém que se diz “duplamente cristão”, a ponto de se dar ao trabalho de fazer o pronunciamento com uma Cruz de Lorena sobre a mesa, Roberto Alvim cometeu mais do que um deslize político. Porque a vingança não é uma virtude cristã. Pelo contrário, como ensina Roger Scruton num ensaio primoroso, escrito em meio a uma onda de ataques de terroristas muçulmanos da Europa, é o perdão o que está na essência da Civilização Ocidental, aquela mesma patriarcal e judaico-cristã que Alvim tanto disse defender e promover.

O problema é que esse desejo de vingança, por mais que jamais chegue perto da violência retórica e física do nazismo, parece motivar mais do que apenas um diretor de teatro convertido e um tanto quanto deslumbrado com o papel de burocrata de alto escalão. Ele parece motivar incontáveis pessoas que se sentem prejudicadas, econômica e moralmente, pelas políticas progressistas ou de esquerda – chame como quiser. É compreensível, mas errado.

Sim, é revoltante que o Partido dos Trabalhadores e seus partidos-satélites, reunidos sob a alcunha de “esquerda”, tenham passado anos sugando os cofres públicos em proveito próprio e também para promover políticas eticamente questionáveis. Sim, é insuportável ver os jovens brasileiros consumindo uma cultura de péssima qualidade, como o funk e o sertanejo universitário. Sim, dá um embrulho no estômago ver no que se transformaram as universidades. E, sim, paira no ar certo medo, se justificável ou não eu não sei, de que esse mesmo grupo possa um dia voltar a ocupar o poder e impor sobre os demais seu ideário em vários sentidos corrupto.

Mas a vingança contra a esquerda não pode ser a principal motivação das pessoas – e muito menos de um governo. A busca pela vingança, e não pela justiça, só gera um ciclo vicioso de ressentimento e revanche, de revanche e ressentimento. Tanto na Alemanha nazista quanto nos países que puseram em prática, em maior ou menor grau, o socialismo, foi exatamente isso o que aconteceu. Vingança contra os judeus e os muitos inimigos do nacional-socialismo de um lado. Vingança contra os patrões, a aristocracia, os burgueses de outro.

E qual foi o resultado disso? Para não ficarmos presos ao passado em preto e branco da Alemanha da década de 1930, basta darmos uma olhada na tragédia em 4k da Venezuela aqui ao lado. Expurgos, expropriações, assassinatos, fome, perseguição, diáspora. Coisas que, uma vez derrubado o regime chavista, infelizmente tendem a criar mais um ciclo de vingança.

Todo o episódio da ascensão e queda de Roberto Alvim, aliás, traz em si um discurso imagético e verbal raivoso, de triunfo heroico. Uma posição de enfrentamento que é quase a confissão de alguém que se vê numa missão divina. A própria presença da Cruz de Lorena, com sua referência à conquista de Jerusalém, é menção a um cristianismo que em algum momento do século XIII decidiu abandonar a redenção por meio da contemplação meditativa para se dedicar à guerra – o que mais tarde viria a fomentar os movimentos nacionalistas.

A vingança e o ressentimento que a fomenta, com bem sabem psicanalistas, historiadores do nazismo e do comunismo, consumidores de alta cultura e até espectadores da novela Avenida Brasil, nunca geram nada de bom. O curioso é ver que a serpente é gestada sempre da mesma forma, com a busca por um ideal de pureza que haverá de melhorar a Humanidade. Não, a semelhança entre o discurso de Alvim e o de Goebbels não foi uma coincidência, como o ex-secretário argumentou. Foi a reprodução de uma mentalidade megalomaníaca que separa o mundo entre melhores e piores. Foi a encenação cafona da sensação de superioridade moral que, infelizmente, ainda acomete muitos dos nossos artistas à esquerda e à direita.

Uma vez publicada a demissão no Diário Oficial e depois que os ânimos dos tuiteiros se acalmar, Roberto Alvim bem que podia pedir desculpas e, assim, mostrar que confia na capacidade cristã de perdoar. Mas, a julgar pelo que se ouviu até aqui, é improvável que isso aconteça. Porque em Alvim, assim como em muitos que o cercam, o desejo puro e simples de vingança parece ser maior do que qualquer vontade de se alcançar a redenção por meio da virtude discreta.

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